São Paulo, domingo, 07 de abril de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Choque do petróleo aumenta o desequilíbrio global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Não há dúvida: é um choque. Os preços do petróleo subiram 35% nos últimos dois meses, fruto da guerra entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina.
No Brasil, vai para a gaveta até segunda ordem o discurso mais recente do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que sugeria uma série muito provável de reduções da taxa de juros ao longo do ano (eleitoral).
A incerteza global aumentou. Mas essa mudança de cenário ainda não gerou um novo consenso sobre o rumo do mundo.
Do ponto de vista estritamente técnico, focado na análise do preço do petróleo e de sua importância na economia mundial, há quem argumente que não há razões para pânico.
É o caso da agência Stratfor, consultoria privada que publica um site de análises (www. stratfor.com). A empresa registra o consenso no mercado de que o "prêmio de guerra" no atual preço do petróleo é da ordem de no máximo US$ 5 por barril (cujo preço fechou na semana passada em torno de US$ 27). Há quem acredite na estabilidade dos "fundamentos" do mercado mundial de petróleo. O inverno ameno nos EUA desaqueceu a procura. A guerra e a lenta recuperação da economia norte-americana voltam a aquecê-la.
Mas o Ocidente já não depende tanto assim do petróleo (e aí reside um elo frágil da causa árabe-palestina). Os EUA consomem hoje apenas 60% de petróleo por dólar do PIB em comparação com o ano de 1973, quando houve um choque que abalou a economia mundial. Segundo a Stratfor, para que um choque tivesse hoje efeito comparável ao da década de 70, o preço do ouro negro teria de chegar a US$ 90 por barril. É fato que a guerra no Oriente Médio tem muita gravidade, mas não parece razoável supor que as cotações cheguem perto desse nível hipotético.
Pior: um aumento excessivo nos preços do petróleo provocado por novo boicote dos países árabes atingiria principalmente a Ásia, ainda fortemente dependente de combustíveis fósseis para seu crescimento. E os países asiáticos têm sido, ao lado dos europeus, linha de apoio importante à causa palestina.
Até os europeus já sentem que o problema crucial agora não é o choque do petróleo, mas o seu impacto diferenciado (menos intenso nos EUA que na UE).
Na semana passada, o Banco Central Europeu já declarou que está preocupado com o efeito inflacionário da alta do petróleo. Fica mais receoso de reduzir os juros. Como nos EUA tem ocorrido uma longa série de cortes nas taxas de juros, aumentou muito a diferença nos ritmos de crescimento entre EUA, UE e Japão. Essa assincronia entre as trajetórias das maiores economias do planeta é um risco mais sério que o petróleo em si. O crescimento dos EUA é agora pelo menos cinco vezes maior que o europeu.
Estariam os analistas norte-americanos tomados por uma nova dose de euforia ou efeito Polliana (transformar todas as más notícias em vantagens)?
O fato é que circula também a tese de que a alta do petróleo é boa, pois o risco que representa para a recuperação da economia norte-americana levaria o presidente do Fed (banco central dos EUA) a deixar os juros onde estão, em vez de começar a elevá-los (o cenário predominante).
Em suma, a análise econômica não dá base a uma visão maniqueísta em que o choque do petróleo reforçaria o confronto "civilizacional" entre Oriente e Ocidente, Islã e Capital. A incerteza aumenta, os desequilíbrios se agravam. Mas isso corre de forma não linear e de modo cada vez mais imprevisível.



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