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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Uma nova era
ALOIZIO MERCADANTE
O Tribunal Superior Eleitoral, acolhendo um pedido do
PT, acaba de suspender temporariamente a campanha publicitária, de indisfarçável matiz eleitoral, que o governo Fernando Henrique Cardoso vinha realizando,
financiando com recursos públicos dispendiosas inserções -elogiosas ao seu desempenho- nos
principais jornais e revistas nacionais. Trata-se de sequência de
depoimentos de página inteira
encabeçados pelo título "Uma
Nova Era" e fechados com a frase
"Oito anos construindo o futuro",
sobre a qual já havia chamado a
atenção o jornalista Elio Gaspari.
A campanha ilustra o conflito
entre discurso e prática que, em
todos os planos, caracteriza a
atual gestão. No discurso, o compromisso da isenção e a condenação do uso da "máquina" no processo eleitoral. Na prática, o vale-tudo para assegurar a permanência no poder. Mas não quero me
limitar à crítica ética. Mesmo sem
custo para o erário, também quero dar o meu depoimento sobre a
gestão FHC/FMI.
Em artigos anteriores já demonstrei, com fatos e números,
que o governo que aí está fez o
país retroceder em vários planos.
A intensificação da abertura comercial e financeira e a desregulamentação da economia produziram resultados dramáticos: entre janeiro de 1995 e dezembro de
2001, o endividamento externo
aumentou mais de US$ 100 bilhões; o déficit nas transações correntes com o exterior passou de
US$ 1,7 bilhão para até US$ 30 bilhões por ano; a dívida mobiliária
federal cresceu 1.000%, saltando
de R$ 61,8 bilhões para R$ 624,1
bilhões; o patrimônio público, em
sua quase totalidade, foi privatizado e, em grande parte, desnacionalizado; centenas de empresas privadas nacionais passaram
para o controle estrangeiro; e a
população foi castigada com forte
aumento de impostos -a carga
tributária bruta saltou de 28,6%
para 33,2% do PIB- que atingiu
principalmente os setores de rendas médias e baixas.
Esses elevados custos, no entanto, não tiveram a contrapartida
de resultados que os justificassem.
O crescimento foi medíocre (2,4%
em média no período 1995/2001),
a economia nunca esteve tão instável e vulnerável, a dependência
de capitais externos nunca foi tão
grande, o desemprego aumentou
cerca de 40% paralelamente a
uma crescente precarização das
condições de trabalho, o atraso de
setores-chaves da infra-estrutura
econômica tornou-se crítico, como ficou patente no caso da energia elétrica. No social, cresceram
concentração da renda e desigualdade, a violência atingiu níveis inaceitáveis.
Mas nem todos perderam. As
empresas privatizadas, por exemplo, beneficiaram-se de extraordinários aumentos de tarifas, em
geral muito superiores à inflação
acumulada no período -78%
(INPC). Segundo dados publicados na imprensa, a energia elétrica o acréscimo foi de 132,6%, ao
qual se somam reajustes recentes
destinados a compensar as distribuidoras pela energia não consumida no racionamento. Os aumentos foram ainda mais elevados para gás de cozinha (450%),
assinatura mensal de telefone
(3.722%) e tarifas de telefone
(440% entre julho de 1994 e fevereiro deste ano).
Mas o caso mais extraordinário
é, sem dúvida, o dos bancos. Em
grande parte, devido às oportunidades criadas pela política de populismo cambial e pelas operações com títulos da dívida pública
(leia-se ciranda financeira), mas
também graças aos spreads, da
ordem de 40 pontos, embutidos
nas escorchantes taxas de juros
vigentes no país e ao aumento
abusivo das tarifas de serviços, os
lucros reais dos bancos aumentaram quase 300% entre 1995 e
2001. Compare-se essa cifra com o
rendimento real dos ocupados
(que inclui empregadores e trabalhadores por conta própria, não
somente assalariados), cujo crescimento médio no período foi inferior a 9%, tendo sofrido perda
acumulada de 12 pontos nos últimos quatro anos. Compare-se
também com o salário real do trabalhador na Grande São Paulo,
que caiu 18,8% nos anos 90.
Note-se adicionalmente que o
imposto recolhido pelos bancos
diminuiu em 50% entre 1995 e
2001, enquanto os setores médios
e de menores rendas foram castigados com o aumento da carga
tributária e com a negativa do governo de atualizar os valores da
tabela de incidência do IR, que
permaneceu inalterada por seis
anos e só foi ajustada a partir de
janeiro deste ano em 17,5%, índice bastante inferior à inflação do
período. Isso num país em que a
carga tributária sobre as famílias
de menores rendas (até dois salários mínimos) é superior a 28%,
enquanto a correspondente ao
segmento de rendas mais altas
(mais de 30 salários mínimos),
cujo rendimento médio familiar é
37 vezes maior, é de apenas 18%.
Não há, portanto, como não se
curvar à realidade: trata-se, efetivamente, de "uma nova era", a
era dos ganhos espetaculares dos
bancos e do capital financeiro em
geral, particularmente os de origem externa, que são os grandes
beneficiários das políticas desenhadas pelo FMI e praticadas pelo governo FHC. Não por acaso
foram eles os principais financiadores da campanha do presidente
e são hoje os principais avalistas
da continuidade da sua política
econômica. Querem mais quatro
anos de um país "com rumo",
"com credibilidade", "sem aventuras" de que fala o presidente da
República, para continuar "construindo o futuro"... deles, à custa
da precarização das condições de
vida e de trabalho da maioria da
população brasileira, para a qual
a continuidade da atual política
econômica, com ou sem "continuísmo", constitui a principal
ameaça ao seu futuro.
Aloizio Mercadante, 47, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail - dep.mercadante@camara.gov.br
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