São Paulo, domingo, 07 de abril de 2002

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Uma nova era

ALOIZIO MERCADANTE

O Tribunal Superior Eleitoral, acolhendo um pedido do PT, acaba de suspender temporariamente a campanha publicitária, de indisfarçável matiz eleitoral, que o governo Fernando Henrique Cardoso vinha realizando, financiando com recursos públicos dispendiosas inserções -elogiosas ao seu desempenho- nos principais jornais e revistas nacionais. Trata-se de sequência de depoimentos de página inteira encabeçados pelo título "Uma Nova Era" e fechados com a frase "Oito anos construindo o futuro", sobre a qual já havia chamado a atenção o jornalista Elio Gaspari.
A campanha ilustra o conflito entre discurso e prática que, em todos os planos, caracteriza a atual gestão. No discurso, o compromisso da isenção e a condenação do uso da "máquina" no processo eleitoral. Na prática, o vale-tudo para assegurar a permanência no poder. Mas não quero me limitar à crítica ética. Mesmo sem custo para o erário, também quero dar o meu depoimento sobre a gestão FHC/FMI.
Em artigos anteriores já demonstrei, com fatos e números, que o governo que aí está fez o país retroceder em vários planos.
A intensificação da abertura comercial e financeira e a desregulamentação da economia produziram resultados dramáticos: entre janeiro de 1995 e dezembro de 2001, o endividamento externo aumentou mais de US$ 100 bilhões; o déficit nas transações correntes com o exterior passou de US$ 1,7 bilhão para até US$ 30 bilhões por ano; a dívida mobiliária federal cresceu 1.000%, saltando de R$ 61,8 bilhões para R$ 624,1 bilhões; o patrimônio público, em sua quase totalidade, foi privatizado e, em grande parte, desnacionalizado; centenas de empresas privadas nacionais passaram para o controle estrangeiro; e a população foi castigada com forte aumento de impostos -a carga tributária bruta saltou de 28,6% para 33,2% do PIB- que atingiu principalmente os setores de rendas médias e baixas.
Esses elevados custos, no entanto, não tiveram a contrapartida de resultados que os justificassem. O crescimento foi medíocre (2,4% em média no período 1995/2001), a economia nunca esteve tão instável e vulnerável, a dependência de capitais externos nunca foi tão grande, o desemprego aumentou cerca de 40% paralelamente a uma crescente precarização das condições de trabalho, o atraso de setores-chaves da infra-estrutura econômica tornou-se crítico, como ficou patente no caso da energia elétrica. No social, cresceram concentração da renda e desigualdade, a violência atingiu níveis inaceitáveis.
Mas nem todos perderam. As empresas privatizadas, por exemplo, beneficiaram-se de extraordinários aumentos de tarifas, em geral muito superiores à inflação acumulada no período -78% (INPC). Segundo dados publicados na imprensa, a energia elétrica o acréscimo foi de 132,6%, ao qual se somam reajustes recentes destinados a compensar as distribuidoras pela energia não consumida no racionamento. Os aumentos foram ainda mais elevados para gás de cozinha (450%), assinatura mensal de telefone (3.722%) e tarifas de telefone (440% entre julho de 1994 e fevereiro deste ano).
Mas o caso mais extraordinário é, sem dúvida, o dos bancos. Em grande parte, devido às oportunidades criadas pela política de populismo cambial e pelas operações com títulos da dívida pública (leia-se ciranda financeira), mas também graças aos spreads, da ordem de 40 pontos, embutidos nas escorchantes taxas de juros vigentes no país e ao aumento abusivo das tarifas de serviços, os lucros reais dos bancos aumentaram quase 300% entre 1995 e 2001. Compare-se essa cifra com o rendimento real dos ocupados (que inclui empregadores e trabalhadores por conta própria, não somente assalariados), cujo crescimento médio no período foi inferior a 9%, tendo sofrido perda acumulada de 12 pontos nos últimos quatro anos. Compare-se também com o salário real do trabalhador na Grande São Paulo, que caiu 18,8% nos anos 90.
Note-se adicionalmente que o imposto recolhido pelos bancos diminuiu em 50% entre 1995 e 2001, enquanto os setores médios e de menores rendas foram castigados com o aumento da carga tributária e com a negativa do governo de atualizar os valores da tabela de incidência do IR, que permaneceu inalterada por seis anos e só foi ajustada a partir de janeiro deste ano em 17,5%, índice bastante inferior à inflação do período. Isso num país em que a carga tributária sobre as famílias de menores rendas (até dois salários mínimos) é superior a 28%, enquanto a correspondente ao segmento de rendas mais altas (mais de 30 salários mínimos), cujo rendimento médio familiar é 37 vezes maior, é de apenas 18%.
Não há, portanto, como não se curvar à realidade: trata-se, efetivamente, de "uma nova era", a era dos ganhos espetaculares dos bancos e do capital financeiro em geral, particularmente os de origem externa, que são os grandes beneficiários das políticas desenhadas pelo FMI e praticadas pelo governo FHC. Não por acaso foram eles os principais financiadores da campanha do presidente e são hoje os principais avalistas da continuidade da sua política econômica. Querem mais quatro anos de um país "com rumo", "com credibilidade", "sem aventuras" de que fala o presidente da República, para continuar "construindo o futuro"... deles, à custa da precarização das condições de vida e de trabalho da maioria da população brasileira, para a qual a continuidade da atual política econômica, com ou sem "continuísmo", constitui a principal ameaça ao seu futuro.


Aloizio Mercadante, 47, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail - dep.mercadante@camara.gov.br


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