São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

O risco-Brasil e a SEC

O governo brasileiro deveria jogar mais pesado contra os analistas e os bancos que produziram análises negativas sobre o país. E a reação tem de utilizar os instrumentos de regulação do mercado norte-americano. Para a SEC norte-americana, pouco faz o impacto dessas avaliações sobre países emergentes. Mas, por trás de cada operação dessas, há oscilação no mercado de títulos, beneficiando e prejudicando investidores locais.
Foi o que ocorreu com as avaliações sobre o suposto "risco Lula". Uma denúncia à SEC certamente levaria o órgão a investigar se os bancos que produziram as análises pessimistas se beneficiaram desses movimentos de mercado.
O momento é oportuno para isso e para prevenir futuras tentativas de repetir a manipulação. Ontem mesmo, o "Wall Street Journal" divulgou contratos pelos quais analistas eram remunerados pelos resultados que traziam para esses bancos de investimento.
Em 1995, logo após a crise do México, essa cumplicidade entre analistas e bancos foi denunciada aqui, a partir das avaliações da Merrill Lynch sobre a vulnerabilidade dos países latino-americanos. Um mês antes da quebra do México, este era visto como o país de menor risco na região -o Brasil estava em décimo lugar. Um mês depois, o México era visto como o país de maior risco, e o Brasil, como o de menor.
Ficava claro que as avaliações dos analistas estavam subordinadas a estratégias de marketing ou de investimento desses bancos.
Em 10 de março de 2000, por exemplo, com a Microsoft valendo US$ 500 bilhões em Bolsa, a Goldman Sachs aconselhava a sua compra, um mês antes do resultado da ação dos Estados norte-americanos contra a companhia. Na ocasião, alertei aqui: "A análise funciona como instrumento de marketing para as estratégias financeiras do próprio banco. Porque os processos de "valoração" dessas empresas de tecnologia são controlados pelos próprios bancos que investem no produto -comprando ações não pelo que valem, mas pelo que os investidores (influenciados por suas análises) vão achar que valem".
Provavelmente nos dias seguintes, sustentada pelas avaliações "isentas" de seu departamento técnico, a instituição conseguiu se desfazer de sua carteira de Microsoft, passando o mico para a frente.

Expectativas racionais
Em 19 de abril do ano passado, procurei detalhar mais os mecanismos desse processo de manipulação. Por conta da chamada "teoria das expectativas racionais", as instituições passam a montar departamentos econômicos incumbidos de prospectar o cenário futuro da economia. Se um país caminha na "direção certa", seus ativos tendem a se valorizar, e vice-versa. Os departamentos econômicos passaram a servir de radar para a ação dos "traders".
"A extrema volatilidade dos mercados, no entanto, acabou desenhando novas funções para esses economistas. Qualquer dúvida sobre um ponto qualquer do futuro passou a resultar em oscilações imediatas nas cotações. Nesse quadro, os departamentos econômicos passaram a ter grande poder sobre as expectativas do próprio mercado, em um mundo com novos paradigmas, no qual a análise econômica convencional se tornou insuficiente para explicar a realidade (...). Farejadores de oportunidade, especialmente nos EUA, os bancos passaram a investir na imagem de seus economistas, tratando-os como "gurus". A ciência foi substituída pelo marketing; a análise prospectiva, pela avaliação de curtíssimo prazo; o conceito, pelo slogan. O medo do risco (paradoxal em um mercado que vive do risco) faz com que os "traders" e os próprios analistas tendam a buscar o consenso, a unanimidade (...). Assim, tornou-se relativamente fácil para um grupo de grandes instituições, a partir dos departamentos econômicos da matriz, "criar" consensos no mercado e ver sua opinião disseminada mundialmente, através de duas estruturas: as instituições que operam em cada país, e a imprensa especializada, que em geral reproduz acriticamente essas análises".
Chegou a hora do troco.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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