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LUÍS NASSIF
O risco-Brasil e a SEC
O governo brasileiro deveria jogar mais pesado contra os analistas e os bancos que produziram análises negativas
sobre o país. E a reação tem de
utilizar os instrumentos de regulação do mercado norte-americano. Para a SEC norte-americana, pouco faz o impacto dessas avaliações sobre países
emergentes. Mas, por trás de cada operação dessas, há oscilação
no mercado de títulos, beneficiando e prejudicando investidores locais.
Foi o que ocorreu com as avaliações sobre o suposto "risco
Lula". Uma denúncia à SEC certamente levaria o órgão a investigar se os bancos que produziram as análises pessimistas se
beneficiaram desses movimentos de mercado.
O momento é oportuno para
isso e para prevenir futuras tentativas de repetir a manipulação. Ontem mesmo, o "Wall Street Journal" divulgou contratos pelos quais analistas eram
remunerados pelos resultados
que traziam para esses bancos
de investimento.
Em 1995, logo após a crise do
México, essa cumplicidade entre
analistas e bancos foi denunciada aqui, a partir das avaliações
da Merrill Lynch sobre a vulnerabilidade dos países latino-americanos. Um mês antes da
quebra do México, este era visto
como o país de menor risco na
região -o Brasil estava em décimo lugar. Um mês depois, o
México era visto como o país de
maior risco, e o Brasil, como o
de menor.
Ficava claro que as avaliações
dos analistas estavam subordinadas a estratégias de marketing ou de investimento desses
bancos.
Em 10 de março de 2000, por
exemplo, com a Microsoft valendo US$ 500 bilhões em Bolsa,
a Goldman Sachs aconselhava a
sua compra, um mês antes do
resultado da ação dos Estados
norte-americanos contra a companhia. Na ocasião, alertei
aqui: "A análise funciona como
instrumento de marketing para
as estratégias financeiras do
próprio banco. Porque os processos de "valoração" dessas empresas de tecnologia são controlados pelos próprios bancos que
investem no produto -comprando ações não pelo que valem, mas pelo que os investidores (influenciados por suas análises) vão achar que valem".
Provavelmente nos dias seguintes, sustentada pelas avaliações "isentas" de seu departamento técnico, a instituição
conseguiu se desfazer de sua
carteira de Microsoft, passando
o mico para a frente.
Expectativas racionais
Em 19 de abril do ano passado,
procurei detalhar mais os mecanismos desse processo de manipulação. Por conta da chamada
"teoria das expectativas racionais", as instituições passam a
montar departamentos econômicos incumbidos de prospectar
o cenário futuro da economia.
Se um país caminha na "direção
certa", seus ativos tendem a se
valorizar, e vice-versa. Os departamentos econômicos passaram a servir de radar para a
ação dos "traders".
"A extrema volatilidade dos
mercados, no entanto, acabou
desenhando novas funções para
esses economistas. Qualquer dúvida sobre um ponto qualquer
do futuro passou a resultar em
oscilações imediatas nas cotações. Nesse quadro, os departamentos econômicos passaram a
ter grande poder sobre as expectativas do próprio mercado, em
um mundo com novos paradigmas, no qual a análise econômica convencional se tornou insuficiente para explicar a realidade (...). Farejadores de oportunidade, especialmente nos EUA,
os bancos passaram a investir
na imagem de seus economistas,
tratando-os como "gurus". A
ciência foi substituída pelo marketing; a análise prospectiva, pela avaliação de curtíssimo prazo; o conceito, pelo slogan. O
medo do risco (paradoxal em
um mercado que vive do risco)
faz com que os "traders" e os próprios analistas tendam a buscar
o consenso, a unanimidade (...).
Assim, tornou-se relativamente
fácil para um grupo de grandes
instituições, a partir dos departamentos econômicos da matriz, "criar" consensos no mercado e ver sua opinião disseminada mundialmente, através de
duas estruturas: as instituições
que operam em cada país, e a
imprensa especializada, que em
geral reproduz acriticamente essas análises".
Chegou a hora do troco.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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