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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Demanda pode superar produção ainda neste ano; para analistas, capital externo é essencial ao setor
Sem investimento novo, gás boliviano trava
CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
A Bolívia está chegando ao limite de sua capacidade de produção
de gás e, sem novos investimentos, deve haver um déficit de 12
milhões de m3/dia entre os compromissos contratuais do país e o
que ele será capaz de entregar aos
compradores, entre os quais o
principal é o Brasil.
Projeções feitas pelo ex-secretário de Energia e Hidrocarbonetos
Carlos Alberto López indicam
que em 2006 já poderá haver falta
de 1,2 milhão de m3/dia -diferença entre produção de 37,6 milhões de m3/dia e demanda de 38,8
milhões de m3/dia.
López estima que seriam necessários investimentos de US$ 600
milhões a US$ 800 milhões apenas para manter o atual nível de
produção. Sem esses recursos, haverá queda de volumes, já que os
poços de gás vão se esgotando. O
ex-secretário prevê que os atuais
37,6 milhões de m3/dia cairão para 30 milhões de m3/dia em 2010,
diante de uma demanda contratual de 42 milhões de m3/dia.
Os investimentos de empresas
estrangeiras foram cruciais para a
Bolívia aumentar seus volumes de
produção nos últimos nove anos.
Entre 1997 e 2005, elas destinaram
US$ 3,6 bilhões à exploração de
hidrocarbonetos no país, atraídas
pela redução de 50% para 18% do
impostos incidentes sobre o setor.
Nesse período, o tamanho das
reservas de gás certificadas cresceu dez vezes, enquanto a produção triplicou.
A baixa tributação se manteve
até maio de 2005, quando a nova
Lei de Hidrocarbonetos nacionalizou a produção do setor e restabeleceu a alíquota de 50%. No dia
1º, decreto do presidente Evo Morales elevou o tributo mais uma
vez, para 82%, mas somente para
os dois grandes campos operados
pela Petrobras.
A estatal brasileira é a que realizou o maior volume individual de
investimentos entre 1997 e 2005:
US$ 1,5 bilhão, o equivalente a
41% do total de US$ 3,6 bilhões.
A manutenção do imposto em
18% alimentou o discurso dos defensores da nacionalização, para
os quais as empresas estrangeiras
tinham lucros exorbitantes no
país. Quando a alíquota foi elevada para 50%, há um ano, as companhias reclamaram, mas terminaram pagando os impostos.
Dúvida
A grande dúvida agora é saber
se a Bolívia poderá prescindir do
capital externo para continuar a
desenvolver sua produção de gás.
Entre os analistas do setor, a resposta é "não".
O volume de recursos que as
multinacionais colocam no país
vem diminuindo desde 2002 e
atingiu, no ano passado, cifras inferiores às registradas em 1997. A
principal razão é a instabilidade
que cercou o setor de hidrocarbonetos nos últimos anos, com o aumento da pressão por sua nacionalização. Setores à esquerda de
Morales consideram suas decisões tímidas e defendem a expropriação das petroleiras estrangeiras, sem indenização.
Em 2003, uma violenta revolta
popular derrubou o então presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada, idealizador da Lei de Hidrocarbonetos de 1996, que reduziu a
tributação a 18%, e da privatização do setor, implementada na
mesma época. No ano seguinte,
na gestão de Carlos Mesa, um referendo aprovou a nacionalização
do gás e do petróleo, ratificada na
Lei de Hidrocarbonetos de maio
do ano passado.
"O Estado deveria investir em
educação, saúde e infra-estrutura.
Na área petrolífera, o mais eficiente é deixar que o setor privado
assuma o risco de perfurar poços
secos e enfrentar eventual queda
de preços e de demanda", afirma
o economista Mauricio Medinaceli, que foi ministro de Hidrocarbonetos de novembro de 2005 até
a posse de Morales, no dia 21 de
janeiro de 2006.
Medinaceli lembra que o custo
de perfuração de um posto pode
superar os US$ 20 milhões e há o
risco de que não se encontre gás.
Em sua opinião, na situação atual
é pouco provável que empresas
estrangeiras invistam no setor.
A queda nos investimentos já
provocou a diminuição das reservas provadas e prováveis do país
-aquelas em que com segurança
há gás e as em que há uma grande
probabilidade de existir gás. Em
2003, elas chegaram a 54,9 trilhões
de pés cúbicos, dez vezes mais que
o volume de 1996. Desde então,
caíram para 52,35 trilhões de pés
cúbicos, em 2004, e 48,76 trilhões
de pés cúbicos em 2005. "Algumas reservas se esgotam e, se não
há investimento, não há descoberta de novos campos."
A lógica do governo é a de que o
Estado deve comandar a exploração desses recursos estratégicos,
como ocorre no Brasil, com a Petrobras, ou na Venezuela, com a
PDVSA. Para isso, há um esforço
de recriação da YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), que foi desmembrada e privatizada a partir de 1996.
O problema é que as empresas
entraram na Bolívia nos últimos
anos obedecendo à legislação local, e a nacionalização e a alta de
tributos provocam uma brutal
mudança nas regras do jogo.
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