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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O consumismo americano
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A economia americana cresceu à taxa anualizada de
4,8% no primeiro trimestre de
2006, impulsionada pela evolução
do consumo de duráveis e pelos
gastos militares, com desempenho
medíocre do investimento privado.
O crescimento do consumo contribuiu com 3,8 pontos percentuais
para o crescimento do PIB, superando por larga margem a contribuição do investimento (1,2 ponto). A expansão da demanda agregada foi de 5,6% e decorreu muito
mais do maior endividamento das
famílias (4,6% anualizados),
apoiado na valorização dos imóveis residenciais, do que da expansão da remuneração real dos assalariados, que teve queda de 0,9%.
Nos últimos três anos e meio,
contrariando a experiência dos ciclos anteriores, o aumento do consumo está cada vez mais desconectado da evolução da renda, particularmente dos salários e do emprego, e mais dependente do efeito
riqueza, nos últimos anos concentrado na valorização dos imóveis
residenciais. Os últimos dados do
Departamento do Comércio despertaram preocupações nos economistas americanos: mostram forte
desaceleração do investimento residencial, cuja taxa de crescimento
caiu de cerca de 10% no quarto trimestre de 2005 para 3,5% no primeiro trimestre deste ano.
A incorporação do consumo de
massa à dinâmica do novo capitalismo tornou-se crucial para as
perspectivas de crescimento. A forma especificamente capitalista do
consumo começa a se definir entre
o final do século 19 e a primeira
metade do século 20 -particularmente nos EUA-, com a "suburbanização" das cidades e a difusão
dos duráveis, impulsionada pela
construção das redes de energia
elétrica, pelo desenvolvimento do
crédito e pelas técnicas de propaganda inerentes à concorrência
monopolista. Esse fenômeno chamou a atenção do economista
Thornstein Veblen já no final do
século 19 e, ao longo do século 20,
foi objeto das investigações de
Vance Packard e James Dusenberry. O livro mais instigante de
John Kenneth Galbraith, "A Sociedade Afluente", já sublinhava as
relações entre o desenvolvimento
dos padrões de consumo, a grande
empresa e as mudanças nos hábitos e no comportamento social dos
americanos.
A constituição de um sistema de
proteção social e as políticas keynesianas de sustentação da renda e
do emprego no segundo pós-guerra
contribuíram de maneira decisiva
para o avanço do "consumo capitalista". Esse componente da demanda não inclui apenas o consumo dos capitalistas, mas deve ser
assim qualificado por conta da forma de financiamento do gasto dos
consumidores. Nela estão incluídas
as novas modalidades (cartões de
crédito) e a valorização do estoque
de riqueza ao longo dos ciclos de
crédito, o que desvincula crescentemente o consumo do comportamento da renda corrente.
Não se trata apenas da completa
sujeição das "necessidades" aos
imperativos da mercantilização
universal. No capitalismo avançado norte-americano, o circuito gasto-renda-consumo começa e termina com a valorização fictícia do
patrimônio das famílias. A valorização do patrimônio líquido facilita o crédito barato para financiamento do gasto que alimenta a
acumulação de lucros e de liquidez
pela grande empresa. O consumo
final e intermediário da economia
se abastece dos bens gerados a preços cadentes nas usinas de produtividade dos trabalhadores asiáticos,
com ganhos reais para os consumidores e as empresas.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e
Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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