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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Assessor de Lula critica intervenções de Chávez e nega motivação ideológica na política externa brasileira
Não queremos Guerra Fria na AL, diz Garcia
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Assessor especial do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia diferencia a política
externa brasileira da pregação anti-EUA do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. "Não queremos na América Latina um clima
de Guerra Fria." Ele afirma que,
na crise do gás, a Bolívia tem "menos alternativas" do que o Brasil,
pois não teria como vender seu
produto a outro país.
Garcia defende a "reação prudente" de Lula ante a decisão do
presidente da Bolívia, Evo Morales, de nacionalizar as reservas de
hidrocarbonetos (petróleo e gás).
Nega que "razões ideológicas"
movam a política externa brasileira. "A política externa para a
América do Sul e para o resto do
mundo não está movida pelo prefixo "anti". Não somos "anti" ninguém. Somos "pró'", diz, marcando diferenças com o venezuelano.
Segundo Garcia, Chávez é "voluntarioso", mas um presidente
com o qual ele e Lula têm liberdade para tecer críticas "na condição
de amigos". Afirma que Venezuela e Brasil possuem "abordagens
diferentes da política latina".
Considera ainda que "determinadas intervenções" de Chávez "em
determinados momentos" não
lhe "parecem as mais adequadas".
Leia a seguir trechos da entrevista, concedida na sexta.
Folha - O Brasil tem alternativa
caso não chegue a um acordo com a
Bolívia? Quais?
Marco Aurélio Garcia - Pode fazer
opções pelo gás líquido. E a Bolívia tem alternativa? Há dependência do Brasil, há. Há dependência da Bolívia, há. A maior
parte da produção de gás da Bolívia é exportada para o Brasil. Se
deixássemos de importar, a Bolívia teria um gigantesco problema.
Folha - A Bolívia tem menos alternativas do que o Brasil?
Garcia - Tão poucas quanto nós.
No limite, menos alternativas do
que nós. Não só matariam a galinha dos ovos de ouro. Mas também terão problemas graves por
razões de natureza técnica. No
processo de extração do gás se faz
a separação dos combustíveis líquidos. Se não exportam gás, teriam de queimá-lo, e eles não têm
mecanismos para isso. Eles se veriam privados de gasolina, diesel e
outros derivados. Mas nós vamos
nos entender. Não queremos chegar a um impasse.
Folha - Lula se queixou a Morales
de não ter sido avisado e da forma
da nacionalização?
Garcia - Esse tipo de comportamento não corresponde ao nível
de relação que o Brasil mantém na
América Latina, em especial com
a Bolívia. Não se justificava.
Folha - Lula deixou isso claro para
Morales em Porto Iguazú?
Garcia - Absolutamente claro.
Folha - Morales respondeu?
Garcia - Deu resposta satisfatória. De certa forma, reconheceu
[que deveria ter avisado Lula].
Folha - Lula apoiou Morales na
eleição, que sempre disse que faria
o que fez. O Brasil realmente foi pego de surpresa?
Garcia - O presidente da República não apóia candidatos em outros países. Manifestou simpatias
que nunca foram ocultadas. Todos os candidatos na Bolívia defendiam a medida [nacionalização dos hidrocarbonetos], inclusive o candidato caracterizado como de direita. Esse problema teria
se colocado para o Brasil qualquer
que fosse o vencedor da eleição.
Folha - Lula teme efeito eleitoral,
um "apagão" do gás"?
Garcia - Não haverá "apagão" de
gás. Nem há temor de impacto
eleitoral. Tenho visto muitas vezes uma crítica que não oferece alternativa e que pretende atribuir à
política externa brasileira responsabilidade sobre esse episódio, o
que é um erro. A política externa
ajudará a resolver o problema.
Outros que estão escrevendo a
respeito tiveram, no passado, responsabilidade diplomática. Porém naquele tempo se revelaram
servis nas suas relações com os
países poderosos.
Folha - A União é acionista majoritária da Petrobras. A Bolívia
anunciou que em 180 dias expropriará o controle de seus bens no
país. Morales invadiu instalações
com o Exército. A reação do Brasil
não foi tímida?
Garcia - Não houve invasão nem
ocupação. As instalações foram
cercadas, não invadidas. Mesmo
assim, achamos que foi uma ação
desnecessária.
Folha - O Brasil não deveria ter
reagido com mais força?
Garcia - Todas as críticas são legítimas. Essa é uma crise grave
porque afeta o abastecimento do
país. Não queremos operar de
forma irresponsável. No passado,
outros governos trabalharam de
forma irresponsável a questão
energética.
A reação do Brasil foi prudente.
O momento não é para fazer bravata. É engraçado que quem sempre baixou a cabeça para os poderosos fique preocupado agora
com nossa atitude prudente em
relação a um país pequeno como
a Bolívia. É engraçado. Ficaram
bravos com os tanques na porta
da Petrobras na Bolívia, mas eles,
quando estiveram no poder, puseram tanques na Petrobras aqui.
Folha - No governo FHC, em 1995,
na greve dos petroleiros?
Garcia - Isso. Quem sabe deve ter
havido até um conselho [de FHC
a Morales, diz com ironia].
Folha - No governo, há quem suspeite que Hugo Chávez tenha estimulado Morales e que tente tutelar
o presidente da Bolívia. O sr. concorda com essa avaliação?
Garcia - Não. O presidente Chávez é um homem sabidamente
muito voluntarioso. Dá a suas iniciativas caráter forte. Chávez tem
relação boa conosco, de antes do
início do governo. Há uma cooperação importante com a Venezuela. Temos abordagens diferentes
da política latina.
Folha - A revista britânica "The
Economist" diz que o episódio Bolívia é uma vitória de Chávez sobre a
política externa de Lula. Seria uma
vitória que reforçaria uma tentativa do venezuelano de construir
uma aliança anti-EUA na América
Latina. O sr. concorda?
Garcia - Não sei se ele tem esse
projeto de construir uma aliança
anti-EUA. Sei que os EUA têm
problemas com ele, e ele, com os
EUA. Lula tem enfatizado que há
um tom inadequado na relação
entre os dois países.
O que interessa ao governo Lula
é que essa tensão pudesse diminuir. Não queremos na América
Latina um clima de Guerra Fria.
Até porque a Guerra Fria já acabou. A política externa do Brasil
para a América do Sul e para o
resto do mundo não está movida
pelo prefixo "anti". Não somos
"anti" ninguém. Somos "pró".
Folha - O sr. disse que Chávez é
voluntarioso. Sua retórica bolivariana para conquistar aliados não
está dividindo a América Latina,
em vez de unificá-la?
Garcia - Se me perguntar se estou de acordo com a retórica de
Chávez, direi que em muitos aspectos não. Tenho a liberdade de
dizer isso a ele e já disse.
Folha - Em quais aspectos?
Garcia - Determinadas intervenções que Chávez faz em determinados momentos não me parecem as mais adequadas. E digo
para ele, como Lula diz para ele,
na condição de amigos.
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