São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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ENTREVISTA

Ministro da Fazenda diz que última ata do Copom não o preocupa e que está mas interessado nos dados da inflação

Mantega condiciona paz com BC a juro menor

SÉRGIO MALBERGIER
GUILHERME BARROS
ENVIADOS ESPECIAIS A BRASÍLIA

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Guido Mantega (Fazenda) condiciona o bom relacionamento com o Banco Central à manutenção da trajetória dos juros. "Enquanto o BC baixar os juros, estaremos sintonizados, perfeitamente sintonizados", disse Mantega em entrevista à Folha.
Por isso, ele prefere não dar muita atenção à sinalização dada na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, de que as reduções poderão ser menores daqui para a frente. "A mim interessa mais ver o que está acontecendo com a inflação."
Sobre as críticas que ainda persistem à política monetária, Mantega brinca: "É melhor que eles [empresários] dêem pau nele [BC] do que em mim". Para o ministro, o ritmo atual de corte da taxa está compatível com a inflação de 4,5% prevista para o ano.
Bem-humorado e se dizendo "zen", o ministro tem apenas uma grande preocupação: o nível da taxa de câmbio. Nessa área, afirma compartilhar da preocupação dos empresários e diz que o governo estuda alternativas para resolver essa questão. Ainda assim, acredita que o câmbio tem "costas largas" e está sendo apontado por culpas que não tem. É o caso, por exemplo, das demissões anunciadas pela Volkswagen.
Para ele, o BC e o Tesouro devem continuar intervindo, comprando dólares como forma de evitar a valorização ainda maior do real em relação ao dólar. Apesar de isso ter um custo alto para o país, ele diz que é necessário.
A seguir, os principais trechos da entrevista do ministro, há um mês no cargo.
 

Folha - O Brasil sairá de um ajuste fiscal de 4,8% do PIB, em 2005, para previstos 4,25% em 2006. Qual o impacto disso na redução dos juros em 2007, por causa do impacto do aumento de gastos na inflação?
Guido Mantega -
Estamos comparando este ano com o ano passado, que foi o ano em que tivemos o maior superávit primário. Entre outras coisas, porque teve aumento de receita inesperado com o pagamento de Imposto de Renda das empresas. Olhando para os anos anteriores, o superávit foi menor. O adequado é comparar 2006 com 2002, porque nos anos eleitorais há um comportamento diferente da execução orçamentária e do superávit.

Folha - E esse novo patamar de superávit não limitará a redução dos juros, por causa dos gastos adicionais?
Mantega -
Não vai porque não é excesso de gasto. É gasto normal, que foi programado pelo governo e acertado com o Congresso. É o gasto justo que vai contribuir para que a economia cresça de 4% a 4,5%. De forma nenhuma é inflacionário. O gasto já não está acontecendo? E cadê a inflação que ele está causando? Nunca vi dados tão positivos para inflação como neste momento. Os índices do atacado apontam deflação.

Folha - Mas isso não ocorre por que o BC está sendo conservador na redução dos juros?
Mantega -
Não. A trajetória dos juros está na direção correta. Estamos baixando os juros, e isso está permitindo a expansão do consumo e dos investimentos. O BC tem de olhar para inflação.

Folha - O superávit primário pode ser maior do que os 4,25% do PIB?
Mantega -
Pode haver alguma surpresa em relação à receita. Isso nunca se sabe. O que se pode afirmar é que não será menor do que os 4,25% do PIB. Para isso, há uma programação. O Orçamento veio do Congresso, e vamos fazer um contingenciamento na semana que vem. Daremos espaço orçamentário para cada ministério, e esse espaço permitirá fazer uma economia de R$ 53 bilhões, que é o superávit só do governo federal.

Folha - Nas discussões sobre gastos, o sr. está alinhado com a ministra Dilma Rousseff [Casa Civil], diferentemente do seu antecessor?
Mantega -
Vou revelar de quem sou aliado: do presidente Lula. Estou sempre alinhado com ele nas várias questões. Agora, existe uma sintonia perfeita dentro do governo porque os três membros da junta orçamentária, o Paulo Bernardo [ministro do Planejamento], a Dilma e eu, pensamos da mesma maneira. Todos acham que 4,25% são suficientes para dar sustentabilidade para a dívida, o objetivo que temos a médio e longo prazo. Hoje pode-se dizer que há perfeita harmonia.

Folha - E o Banco Central, ele é o ponto fora da curva?
Mantega -
O Banco Central não participa da junta de execução orçamentária. Em matéria fiscal, o Banco Central não opina.

Folha - Mas dentro da equipe econômica há essa sintonia também?
Mantega -
Há sintonia. Enquanto o BC baixar os juros, estaremos sintonizados, perfeitamente sintonizados. E é isso que ele está fazendo. Cada um faz o seu papel. O papel do BC é cuidar da inflação e dar garantia à sociedade de que não vai haver surto inflacionário. Significa que eles [BC] estão achando que a inflação está sob controle, que chegamos a um patamar adequado de inflação e, portanto, existem condições para que os juros continuem caindo.

Folha - O que o sr. achou da ata do Copom, que não foi tão firme sobre a continuidade da queda dos juros?
Mantega -
A ata do Copom permite várias leituras. Há quem veja fantasmas e há quem ache que ela foi conservadora. Pelo que vi nos jornais, a maioria achou que ela foi conservadora. Digo que não me preocupei com a ata porque, a mim, interessa mais ver o que está acontecendo com a inflação. Como eles não podem perseguir uma meta mais baixa do que os 4,5%, que é o centro da meta...

Folha - Mas as expectativas para este ano estão abaixo do centro da meta...
Mantega -
Estamos em maio. Ainda temos sete meses pela frente. Ele [BC] tem de chegar no final do ano no centro da meta. A economia está começando a crescer, então, não me preocupo.

Folha - Como está seu relacionamento com o Henrique Meirelles [presidente do BC] no dia-a-dia?
Mantega -
É bom. Falei ontem [quarta-feira] com ele por telefone. O fato de o Banco Central estar baixando os juros há vários meses consecutivos é motivo de contentamento, de satisfação.

Folha - O BC vem baixando os juros há algum tempo e nem por isso o que se vê é contentamento. Há muitas críticas e reclamações dos empresários e o sr. mesmo, antes de vir para cá, o criticou...
Mantega -
É melhor que eles [empresários] dêem pau nele [BC] do que em mim. Então deixe que ele leve pau. O importante é que ele está baixando [os juros]. No ano passado, disse que havia excesso de zelo do BC. Aí depois eles começaram a baixar.

Folha - Não há mais excesso de zelo do Banco Central?
Mantega -
Está baixando [o juro], caminhando na direção certa.

Folha - O ritmo de redução dos juros não lhe incomoda atualmente?
Mantega -
Não me incomoda. Incomodaria se ele [o BC] parasse [com as reduções].

Folha - E se a parcimônia que o BC destacou na última ata do Copom for colocada em prática?
Mantega -
Não vamos nos precipitar. Confio na sensibilidade do Banco Central para ver o que está acontecendo com a inflação.

Folha - O nível atual [de redução dos juros] está compatível com o que se quer para a inflação?
Mantega -
Está compatível. Se continuar caindo, está compatível.


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