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ENTREVISTA
Embora demonstre preocupação, Mantega diz que o melhor patamar da taxa cambial será definido pelo mercado
Atuação no câmbio está "na direção certa"
DOS ENVIADOS ESPECIAIS E
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A seguir, a continuação da entrevista do ministro da Fazenda,
Guido Mantega, em que ele fala
da taxa de câmbio e de inflação.
Folha - É um peso substituir o ex-ministro Antonio Palocci Filho, que
tinha a simpatia do mercado e de
boa parte dos empresários?
Guido Mantega - Não é um peso
porque, em parte, me sinto responsável pelo que aconteceu porque também trabalhava na equipe
econômica. Por outro lado, nunca
o país esteve tão sólido e reuniu
condições tão favoráveis. Há um
desconforto, por exemplo, pois
vou ter de fazer o contingenciamento. Isso significa reduzir despesas, haverá algumas reclamações, mas, de resto, considero gratificante esse trabalho.
Folha - O que preocupa o senhor?
Mantega- Estou "zen". A economia está indo bem.
Folha - O câmbio não é motivo de
preocupação?
Mantega - É. O câmbio é motivo
de preocupação. Agora, você me
pegou. Mas vejo também que estamos caminhando na direção
certa porque o juro está caindo.
Ele era um dos causadores da valorização do real. Estamos importando mais. Isso faz parte dos mecanismos de ajuste automático do
câmbio flutuante. Se você exagera
na valorização, vai importar muito e vai equilibrar para o outro lado. Queda dos juros, importações, mais atuação do BC e do Tesouro, comprando divisas, e trabalhar no "swap" reverso (contratos especiais de câmbio), tudo isso trabalha na direção de uma estabilidade maior do câmbio.
Folha - Mas isso não tem sido suficiente para valorizar o dólar. Além
de haver uma discussão sobre o alto custo para o governo de acumular reservas em dólar...
Mantega - É verdade. Aqui custa
mais caro do que na China, mas,
mesmo assim, é necessário. Se
deixarmos uma valorização excessiva do real, perdemos competitividade, atrapalhamos a agricultura, desestimulamos outros
setores produtivos.
Folha - Há tempo os empresários
reclamam do câmbio. Agora, a
Volks anunciou demissões no berço
político do presidente Lula [o ABC
paulista] e por causa da política
econômica dele...
Mantega - Não creio que seja
exatamente por isso. O câmbio,
nesse caso, tem costas largas.
Existem outros fatores em relação
à indústria automobilística internacional. Sabemos que há empresas como a GM que tiveram dificuldades em outros países e estão
demitindo. Não sei bem se a
Volkswagen vai demitir, há um
movimento para segurar isso. O
governo está tentando minimizar
esses efeitos. No caso da indústria
automobilística, o BNDES criou
uma linha de crédito para exportação que baixa o custo dela [indústria]. Poderá criar outras iniciativas dessa natureza.
Folha - O que o governo pode fazer ainda?
Mantega - O governo já fez isso.
Assim como o BNDES fez uma linha para veículos leves que não
existia, existem outras coisas que
estão sendo pensadas e serão
anunciadas.
Folha - O que por exemplo?
Mantega - O BNDES terá outras
idéias em relação a isso, mas prefiro que ele diga.
Folha - Então seria mais financiamento?
Mantega - Onde podemos atuar?
É na linha de redução de custo financeiro, de custo tributário, de
logística. São ações que o governo
se esforça para poder resolver.
Não só o problema desse setor,
mas de outros setores que sejam
afetados.
Folha - Além dos juros, o governo
tem outros mecanismos para essa
questão do câmbio?
Mantega - O que está entrando é
o dólar comercial e de investimento. Não há um movimento
especulativo como havia no passado. Tanto que a pressão no dólar é de operação no mercado futuro, muitas vezes lá fora.
Folha - O que pode ser feito para
dificultar essas operações?
Mantega - O que pode ser feito é
"swap" reverso, comprar reservas
-vale a pena pagar o custo-,
aumentar a importação e reduzir
os juros. Não exatamente nessa
ordem. Na ordem contrária. Agora, a redução dos juros não pode
obedecer à lógica do câmbio. Ela
obedece à lógica da inflação. Porque temos a meta de inflação -e
não a de câmbio.
Folha - Não pode ter uma meta de
inflação maior?
Mantega - Foi difícil e trabalhoso
chegar a essa meta de 4,5% [para
2006]. Agora que conseguimos
você quer flexibilizá-la?
Folha - Inflação de 4,5% é um nível bom para o Brasil?
Mantega - Acho que temos um
nível de inflação bom para uma
economia com as características
da brasileira.
Folha - O governo pensa em adotar alguma medida para estimular
a importação e ajudar o câmbio?
Mantega - O governo não vai tomar nenhuma medida. Isso está
se dando de forma espontânea,
pelo barateamento das mercadorias importadas. Não é preciso fazer nada.
Folha - O sr. está demonstrando
satisfação com as medidas que estão sendo tomadas pelo governo
na área cambial...
Mantega - Satisfação, não. Estou
dizendo que elas estão na direção
correta. Apesar disso, continuamos com grande sucesso nas exportações, que, mesmo com esse
câmbio, estão crescendo 27%.
Folha - Os empresários ficam loucos com esse argumento do governo e dizem que as exportações
crescem pelo aumento do preço de
alguns produtos...
Mantega - Compartilho da preocupação dos empresários na
questão do câmbio. É uma preocupação porque os países asiáticos que deram certo o fizeram
não com câmbio valorizado, mas
com câmbio desvalorizado. O
maior exemplo é a China. Então,
isso me preocupa. Mas também
não vamos violar determinadas
normas e princípios que foram
adotados pelo governo. Vamos
procurar trabalhar no sentido de
que o câmbio fique num patamar
melhor. Não sei qual é o patamar
melhor porque é o mercado que
vai definir. A direção que estamos
trabalhando é para que a valorização seja menor. O problema é o
"timing", talvez.
Folha - O governo pode atuar para compensar isso com outras medidas, como mais desoneração, ou
seja, com menor carga tributária?
Mantega - A desoneração é uma
preocupação permanente. A cada
ano temos implementado várias
medidas de desoneração, e o que
mais foi desonerado foi a exportação. Até oneramos um pouco a
importação para equilibrar o jogo
com o produto interno. Continuaremos desonerando na medida do possível.
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