São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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ENTREVISTA

Embora demonstre preocupação, Mantega diz que o melhor patamar da taxa cambial será definido pelo mercado

Atuação no câmbio está "na direção certa"

DOS ENVIADOS ESPECIAIS E DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A seguir, a continuação da entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em que ele fala da taxa de câmbio e de inflação.

Folha - É um peso substituir o ex-ministro Antonio Palocci Filho, que tinha a simpatia do mercado e de boa parte dos empresários?
Guido Mantega -
Não é um peso porque, em parte, me sinto responsável pelo que aconteceu porque também trabalhava na equipe econômica. Por outro lado, nunca o país esteve tão sólido e reuniu condições tão favoráveis. Há um desconforto, por exemplo, pois vou ter de fazer o contingenciamento. Isso significa reduzir despesas, haverá algumas reclamações, mas, de resto, considero gratificante esse trabalho.

Folha - O que preocupa o senhor?
Mantega-
Estou "zen". A economia está indo bem.

Folha - O câmbio não é motivo de preocupação?
Mantega -
É. O câmbio é motivo de preocupação. Agora, você me pegou. Mas vejo também que estamos caminhando na direção certa porque o juro está caindo. Ele era um dos causadores da valorização do real. Estamos importando mais. Isso faz parte dos mecanismos de ajuste automático do câmbio flutuante. Se você exagera na valorização, vai importar muito e vai equilibrar para o outro lado. Queda dos juros, importações, mais atuação do BC e do Tesouro, comprando divisas, e trabalhar no "swap" reverso (contratos especiais de câmbio), tudo isso trabalha na direção de uma estabilidade maior do câmbio.

Folha - Mas isso não tem sido suficiente para valorizar o dólar. Além de haver uma discussão sobre o alto custo para o governo de acumular reservas em dólar...
Mantega -
É verdade. Aqui custa mais caro do que na China, mas, mesmo assim, é necessário. Se deixarmos uma valorização excessiva do real, perdemos competitividade, atrapalhamos a agricultura, desestimulamos outros setores produtivos.

Folha - Há tempo os empresários reclamam do câmbio. Agora, a Volks anunciou demissões no berço político do presidente Lula [o ABC paulista] e por causa da política econômica dele...
Mantega -
Não creio que seja exatamente por isso. O câmbio, nesse caso, tem costas largas. Existem outros fatores em relação à indústria automobilística internacional. Sabemos que há empresas como a GM que tiveram dificuldades em outros países e estão demitindo. Não sei bem se a Volkswagen vai demitir, há um movimento para segurar isso. O governo está tentando minimizar esses efeitos. No caso da indústria automobilística, o BNDES criou uma linha de crédito para exportação que baixa o custo dela [indústria]. Poderá criar outras iniciativas dessa natureza.

Folha - O que o governo pode fazer ainda?
Mantega -
O governo já fez isso. Assim como o BNDES fez uma linha para veículos leves que não existia, existem outras coisas que estão sendo pensadas e serão anunciadas.

Folha - O que por exemplo?
Mantega -
O BNDES terá outras idéias em relação a isso, mas prefiro que ele diga.

Folha - Então seria mais financiamento?
Mantega -
Onde podemos atuar? É na linha de redução de custo financeiro, de custo tributário, de logística. São ações que o governo se esforça para poder resolver. Não só o problema desse setor, mas de outros setores que sejam afetados.

Folha - Além dos juros, o governo tem outros mecanismos para essa questão do câmbio?
Mantega -
O que está entrando é o dólar comercial e de investimento. Não há um movimento especulativo como havia no passado. Tanto que a pressão no dólar é de operação no mercado futuro, muitas vezes lá fora.

Folha - O que pode ser feito para dificultar essas operações?
Mantega -
O que pode ser feito é "swap" reverso, comprar reservas -vale a pena pagar o custo-, aumentar a importação e reduzir os juros. Não exatamente nessa ordem. Na ordem contrária. Agora, a redução dos juros não pode obedecer à lógica do câmbio. Ela obedece à lógica da inflação. Porque temos a meta de inflação -e não a de câmbio.

Folha - Não pode ter uma meta de inflação maior?
Mantega -
Foi difícil e trabalhoso chegar a essa meta de 4,5% [para 2006]. Agora que conseguimos você quer flexibilizá-la?

Folha - Inflação de 4,5% é um nível bom para o Brasil?
Mantega -
Acho que temos um nível de inflação bom para uma economia com as características da brasileira.

Folha - O governo pensa em adotar alguma medida para estimular a importação e ajudar o câmbio?
Mantega -
O governo não vai tomar nenhuma medida. Isso está se dando de forma espontânea, pelo barateamento das mercadorias importadas. Não é preciso fazer nada.

Folha - O sr. está demonstrando satisfação com as medidas que estão sendo tomadas pelo governo na área cambial...
Mantega -
Satisfação, não. Estou dizendo que elas estão na direção correta. Apesar disso, continuamos com grande sucesso nas exportações, que, mesmo com esse câmbio, estão crescendo 27%.

Folha - Os empresários ficam loucos com esse argumento do governo e dizem que as exportações crescem pelo aumento do preço de alguns produtos...
Mantega -
Compartilho da preocupação dos empresários na questão do câmbio. É uma preocupação porque os países asiáticos que deram certo o fizeram não com câmbio valorizado, mas com câmbio desvalorizado. O maior exemplo é a China. Então, isso me preocupa. Mas também não vamos violar determinadas normas e princípios que foram adotados pelo governo. Vamos procurar trabalhar no sentido de que o câmbio fique num patamar melhor. Não sei qual é o patamar melhor porque é o mercado que vai definir. A direção que estamos trabalhando é para que a valorização seja menor. O problema é o "timing", talvez.

Folha - O governo pode atuar para compensar isso com outras medidas, como mais desoneração, ou seja, com menor carga tributária?
Mantega -
A desoneração é uma preocupação permanente. A cada ano temos implementado várias medidas de desoneração, e o que mais foi desonerado foi a exportação. Até oneramos um pouco a importação para equilibrar o jogo com o produto interno. Continuaremos desonerando na medida do possível.


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