São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Soberano ou "meu rei"?


Fundo soberano tende a ser apenas outra linha de crédito do BNDES para empresas, bancada pelos impostos

O MINISTRO Guido Mantega gostaria de ter uma caixinha de dólares como a de Henrique Meirelles no Banco Central, as reservas internacionais de mais de US$ 195 bilhões. Mas, no fim das contas, o que Mantega vai arrumar é outra linha de crédito para o BNDES, linha que será financiada com dinheiro de tributos. Por meio do banco estatal, tais impostos serão repassados a empresas brasileiras com negócios no exterior. A julgar pelas declarações do ministro na Folha de hoje, é isso que significa o "fundo soberano" brasileiro.
Não há definição estrita do que seja um "fundo soberano". Em geral, tais fundos compartilham duas características. Primeira, são constituídos por ativos em moeda estrangeira que um país não guarda no cofre das chamadas "reservas internacionais", em geral administradas de maneira conservadora por um Banco Central. Segunda, recebem recursos excedentes: de superávit fiscal (poupança do governo) ou externo (excesso de moedas fortes, como dólares).
Como se sabe, não há excedente fiscal no país (o governo gasta mais do que arrecada). O superávit externo está minguando. Um objetivo possível do fundo seria influenciar o câmbio, mas Mantega diz que o "fundo soberano" terá no máximo US$ 20 bilhões, uns 10% das reservas internacionais do país. Não fará cócegas no dólar.
Fundos soberanos de alguns países são financiados por parte dos impostos sobre exportações de recursos naturais. Os governos os constituem com o objetivo de fazer uma reserva, um seguro para compensar períodos de baixa no preço das exportações. Ou, então, tal reserva serve para transferir o rendimento atual desses recursos naturais para as futuras gerações. São fundos de estabilização ou de poupança, comuns em países ricos em recursos naturais como petróleo (Noruega, Rússia, Kuait).
O Brasil recolhe excedentes de exportação via impostos e dividendos da Petrobras. Gasta tudo. Agora o governo faria mais superávit primário a fim de bancar o "fundo soberano"? Se for poupar mais US$ 20 bilhões, o superávit teria de passar dos atuais 3,8% do PIB para pelo menos 5% do PIB. É isso o que vai acontecer? Se é o caso, por que então não usar o dinheiro para abater a caríssima dívida pública?
Outros fundos soberanos pelo mundo simplesmente atuam ao lado da autoridade monetária, comprando eles mesmos ou recebendo dos BCs o excesso de moeda forte que entra no país. O dinheiro acaba num fundo de gestão de investimentos, numa agência ou numa empresa estatal, as quais procuram aumentar a rentabilidade de parte dessas reservas e, cada vez mais, atingir outros objetivos econômicos ou "estratégicos". É o caso de fundos de Cingapura, China e Coréia do Sul, onde aliás o BC criticou a criação de instituições desse tipo.
Fundos ou corporações gestoras cingapurianas, chinesas e árabes, por exemplo, compraram pedaços de bancos americanos apodrecidos na crise e empresas no Sudeste Asiático. Pelo jeito, a idéia do "fundo soberano" brasileiro é desta última espécie: fazer política financeira e/ou industrial, ainda não se sabe bem como e com qual critério.

vinit@uol.com.br


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