São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

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Mantega não vê "enxurrada de dólares"

Ministro descarta por enquanto elevar taxação na entrada de capital externo e afirma que importações são benéficas

Titular da Fazenda diz que o Brasil não tem problema fiscal e que as despesas da União estão subindo menos do que a receita neste ano


SHEILA D'AMORIM
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Preocupação com inflação não é exclusividade do Banco Central e ele não está sozinho no combate à alta dos preços.
"Quem falou essa bobagem que é só o BC que trabalha para derrubar a inflação?", questionou Guido Mantega (Fazenda) em entrevista à Folha.
Identificado como defensor de uma política de gastos públicos maiores, o ministro disse que as despesas da União estão crescendo menos do que no ano passado e que seu ministério tem atuado para reduzir a demanda pública no país.
Mantega disse não se preocupar com a perspectiva de alta dos preços dos alimentos pelos próximos dez anos.
"Se tiver uma década de preço alto, vamos ganhar o Nobel de produção agrícola. Vamos abarrotar o mercado mundial", disse o ministro.
Mantega não vê motivos, no momento, para restringir a entrada de capitais de curto prazo porque não há uma "enxurrada" de dólares por causa do selo de grau de investimento recebido na semana passada.
Ele não descartou, porém, a adoção de medidas desse tipo no futuro. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - Está bem configurada uma preocupação do governo com a deterioração das contas externas, uma intenção de separar capital produtivo de especulativo. Como fazer isso?
GUIDO MANTEGA
- Há uma preocupação permanente de manter a conta corrente [transações comerciais e de serviços do país com o exterior] numa posição favorável, não digo muito positiva, pode ser neutra, empatar ou um pouquinho negativa. Mas não deixar acontecer um desequilíbrio. Vamos anunciar no dia 12 medidas no sentido de estimular as exportações, que compensam o ônus de ter um câmbio valorizado. Vão criar uma nova onda exportadora no país.

FOLHA - Mas isso não terá efeito a curto prazo.
MANTEGA
- Mas também não há nenhum risco no curto prazo, nossa preocupação é de longo prazo. Não queremos chegar a 2010, 2011, com a conta corrente negativa. Temos de, em primeiro lugar, manter um superávit comercial expressivo.

FOLHA - O país pode tolerar algum déficit corrente?
MANTEGA
- No máximo um negativo pequeno. Prefiro não fixar número.

FOLHA - Pode haver medidas para deter as importações?
MANTEGA
- Não. A importação que está sendo feita é saudável. Importamos muita máquina, equipamentos, bens de capital, que ajudam a aumentar a produtividade e a competitividade.

FOLHA - Muita gente fala em restrição ao chamado capital especulativo.
MANTEGA
- Com o grau de investimento, acredito que teremos mais do mesmo. Tivemos um forte fluxo de capital nos últimos dois anos. Não acredito que será muito diferente. Quem vem depois do "investment grade'? Só os fundos de pensão das velhinhas de Kentucky. Os grandes investidores já estavam todos aqui.

FOLHA - Mas a tendência é de valorização do real?
MANTEGA
- Ainda não se verificou, não houve uma enxurrada. Já criamos uma taxação de 1,5% na entrada do capital no país e ainda não sabemos a eficácia dessa taxa, que foi implementada no dia 17 de março. Vou esperar os números de abril.

FOLHA - A partir dessa observação a tributação poderá subir?
MANTEGA
- No momento, não há intenção. Não estou vendo esse fluxo todo [de dólares]. É precipitado pensar nisso agora. Ou seja, não estou preparando uma medida nessa área.

FOLHA - Se houver uma enxurrada de recursos para aplicar em renda fixa, o governo poderá voltar a subir a taxação?
MANTEGA
- Mas isso eu disse quando criei esse IOF. Posso até reduzir. De imediato, não tem enxurrada.

FOLHA - Muitos economistas dizem que o governo precisa reduzir o gasto público.
MANTEGA
- A despesa do primeiro trimestre de 2008 em relação à de 2007 está crescendo menos. O gasto está bem menor. O que mais subiu foi despesa de capital, que significa investimento. A receita subiu 19%, e a despesa, 8%, então você tem superávit nominal. Problema fiscal nós não temos.

FOLHA - Mas o governo não tem um problema nas contas externas hoje e está preocupado. Não deveria ser assim na questão fiscal?
MANTEGA
- As transações correntes do balanço de pagamento estavam positivas e passaram a ser negativas. Aqui [no resultado fiscal] só estamos melhorando. Subiu 50% a mais de superávit primário do governo central: 1,49% do PIB, de 3% do PIB para 4,5% do PIB. Dizer que tem um problema fiscal não tem sentido nenhum.

FOLHA - Mas esse crescimento ocorre pelo aumento da arrecadação. E se os ventos virarem?
MANTEGA
- Vamos continuar com crescimento, dificilmente a arrecadação terá queda violenta. Se tiver, cortamos gastos.

FOLHA - Por que economistas dizem que o BC está só no combate à inflação, que a política fiscal não ajuda e que BC e Fazenda agem de forma contraditória?
MANTEGA
- Estamos com gastos menores. O Estado está contribuindo para reduzir a demanda.

FOLHA - Então essas críticas não se justificam?
MANTEGA
- É claro que não. De jeito nenhum. Eu não aumentei o IOF para o crédito da pessoa física? Isso é para reduzir a demanda agregada. Isso não é uma preocupação do Banco Central. É do governo, do presidente Lula. A inflação é uma preocupação permanente nossa. Não reduzimos a Cide da gasolina? Então não trabalhamos para controlar a inflação? Quem falou essa bobagem que é só o BC que trabalha para derrubar a inflação? O governo, em uníssono, trabalha para manter a inflação sob controle.

FOLHA - A inflação mudou de patamar?
MANTEGA
- Mas ela mudou no mundo todo.

FOLHA - As pressões internacionais permitem que o governo deixe a inflação acima da meta?
MANTEGA
- Acima do intervalo, não. A teoria do regime de metas diz que você deve perseguir o centro da meta, mas, se houve um choque de oferta, pode usar a margem, que existe para uma anormalidade no mercado, que é, por exemplo, um choque de oferta de alimento, que estamos vivendo hoje.

FOLHA - O ministro Reinhold Stephanes afirmou que essa pressão continuará nos próximos dez anos.
MANTEGA
- Para o Brasil, se tiver uma década de preço alto, vamos ganhar o Prêmio Nobel de produção agrícola. Vamos abarrotar o mercado mundial. Esse é um problema bom para o Brasil.

FOLHA - Aí o BC vai dizer que tem que aumentar juros para conter a demanda.
MANTEGA
- Não vou adivinhar o que o BC vai fazer.

FOLHA - O BC foi conservador ao aumentar juros?
MANTEGA
- Não vou fazer avaliação do BC. É uma avaliação dele, que tem autonomia e julgou que tinha que aumentar e aumentou.

FOLHA - O cenário de grau de investimento muda o patamar de juro real de equilíbrio. Estudos mostram que pode cair até dois pontos percentuais, em média.
MANTEGA
- Exatamente. Com o grau de investimento, a taxa de juros em algum momento tem que cair.

FOLHA - Por esse raciocínio, o grau de investimento reduz o tamanho do ciclo de aumento do juros que se pretendia para o Brasil neste momento?
MANTEGA
- Não estou falando no curto prazo.


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