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Mantega não vê "enxurrada de dólares"
Ministro descarta por enquanto elevar taxação na entrada de capital externo e afirma que importações são benéficas
Titular da Fazenda diz que o Brasil não tem problema fiscal e que as despesas da União estão subindo menos do que a receita neste ano
SHEILA D'AMORIM
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Preocupação com inflação
não é exclusividade do Banco
Central e ele não está sozinho
no combate à alta dos preços.
"Quem falou essa bobagem que
é só o BC que trabalha para derrubar a inflação?", questionou
Guido Mantega (Fazenda) em
entrevista à Folha.
Identificado como defensor
de uma política de gastos públicos maiores, o ministro disse
que as despesas da União estão
crescendo menos do que no
ano passado e que seu ministério tem atuado para reduzir a
demanda pública no país.
Mantega disse não se preocupar com a perspectiva de alta
dos preços dos alimentos pelos
próximos dez anos.
"Se tiver uma década de preço alto, vamos ganhar o Nobel
de produção agrícola. Vamos
abarrotar o mercado mundial",
disse o ministro.
Mantega não vê motivos, no
momento, para restringir a entrada de capitais de curto prazo
porque não há uma "enxurrada" de dólares por causa do selo
de grau de investimento recebido na semana passada.
Ele não descartou, porém, a
adoção de medidas desse tipo
no futuro. A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Está bem configurada
uma preocupação do governo com a
deterioração das contas externas,
uma intenção de separar capital
produtivo de especulativo. Como fazer isso?
GUIDO MANTEGA - Há uma preocupação permanente de manter a conta corrente [transações comerciais e de serviços
do país com o exterior] numa
posição favorável, não digo
muito positiva, pode ser neutra, empatar ou um pouquinho
negativa. Mas não deixar acontecer um desequilíbrio. Vamos
anunciar no dia 12 medidas no
sentido de estimular as exportações, que compensam o ônus
de ter um câmbio valorizado.
Vão criar uma nova onda exportadora no país.
FOLHA - Mas isso não terá efeito a
curto prazo.
MANTEGA - Mas também não há
nenhum risco no curto prazo,
nossa preocupação é de longo
prazo. Não queremos chegar a
2010, 2011, com a conta corrente negativa. Temos de, em primeiro lugar, manter um superávit comercial expressivo.
FOLHA - O país pode tolerar algum
déficit corrente?
MANTEGA - No máximo um negativo pequeno. Prefiro não fixar número.
FOLHA - Pode haver medidas para
deter as importações?
MANTEGA - Não. A importação
que está sendo feita é saudável.
Importamos muita máquina,
equipamentos, bens de capital,
que ajudam a aumentar a produtividade e a competitividade.
FOLHA - Muita gente fala em restrição ao chamado capital especulativo.
MANTEGA - Com o grau de investimento, acredito que teremos mais do mesmo. Tivemos
um forte fluxo de capital nos últimos dois anos. Não acredito
que será muito diferente.
Quem vem depois do "investment grade'? Só os fundos de
pensão das velhinhas de Kentucky. Os grandes investidores
já estavam todos aqui.
FOLHA - Mas a tendência é de valorização do real?
MANTEGA - Ainda não se verificou, não houve uma enxurrada.
Já criamos uma taxação de
1,5% na entrada do capital no
país e ainda não sabemos a eficácia dessa taxa, que foi implementada no dia 17 de março.
Vou esperar os números de
abril.
FOLHA - A partir dessa observação
a tributação poderá subir?
MANTEGA - No momento, não
há intenção. Não estou vendo
esse fluxo todo [de dólares]. É
precipitado pensar nisso agora.
Ou seja, não estou preparando
uma medida nessa área.
FOLHA - Se houver uma enxurrada
de recursos para aplicar em renda fixa, o governo poderá voltar a subir a
taxação?
MANTEGA - Mas isso eu disse
quando criei esse IOF. Posso
até reduzir. De imediato, não
tem enxurrada.
FOLHA - Muitos economistas dizem que o governo precisa reduzir o
gasto público.
MANTEGA - A despesa do primeiro trimestre de 2008 em relação à de 2007 está crescendo
menos. O gasto está bem menor. O que mais subiu foi despesa de capital, que significa investimento. A receita subiu
19%, e a despesa, 8%, então você tem superávit nominal. Problema fiscal nós não temos.
FOLHA - Mas o governo não tem
um problema nas contas externas
hoje e está preocupado. Não deveria
ser assim na questão fiscal?
MANTEGA - As transações correntes do balanço de pagamento estavam positivas e passaram a ser negativas. Aqui [no
resultado fiscal] só estamos
melhorando. Subiu 50% a mais
de superávit primário do governo central: 1,49% do PIB, de 3%
do PIB para 4,5% do PIB. Dizer
que tem um problema fiscal
não tem sentido nenhum.
FOLHA - Mas esse crescimento
ocorre pelo aumento da arrecadação. E se os ventos virarem?
MANTEGA - Vamos continuar
com crescimento, dificilmente
a arrecadação terá queda violenta. Se tiver, cortamos gastos.
FOLHA - Por que economistas dizem que o BC está só no combate à
inflação, que a política fiscal não
ajuda e que BC e Fazenda agem de
forma contraditória?
MANTEGA - Estamos com gastos menores. O Estado está
contribuindo para reduzir a demanda.
FOLHA - Então essas críticas não se
justificam?
MANTEGA - É claro que não. De
jeito nenhum. Eu não aumentei o IOF para o crédito da pessoa física? Isso é para reduzir a
demanda agregada. Isso não é
uma preocupação do Banco
Central. É do governo, do presidente Lula. A inflação é uma
preocupação permanente nossa. Não reduzimos a Cide da gasolina? Então não trabalhamos
para controlar a inflação?
Quem falou essa bobagem que
é só o BC que trabalha para derrubar a inflação? O governo, em
uníssono, trabalha para manter
a inflação sob controle.
FOLHA - A inflação mudou de patamar?
MANTEGA - Mas ela mudou no
mundo todo.
FOLHA - As pressões internacionais
permitem que o governo deixe a inflação acima da meta?
MANTEGA - Acima do intervalo,
não. A teoria do regime de metas diz que você deve perseguir
o centro da meta, mas, se houve
um choque de oferta, pode usar
a margem, que existe para uma
anormalidade no mercado, que
é, por exemplo, um choque de
oferta de alimento, que estamos vivendo hoje.
FOLHA - O ministro Reinhold Stephanes afirmou que essa pressão
continuará nos próximos dez anos.
MANTEGA - Para o Brasil, se tiver uma década de preço alto,
vamos ganhar o Prêmio Nobel
de produção agrícola. Vamos
abarrotar o mercado mundial.
Esse é um problema bom para o
Brasil.
FOLHA - Aí o BC vai dizer que tem
que aumentar juros para conter a
demanda.
MANTEGA - Não vou adivinhar o
que o BC vai fazer.
FOLHA - O BC foi conservador ao
aumentar juros?
MANTEGA - Não vou fazer avaliação do BC. É uma avaliação
dele, que tem autonomia e julgou que tinha que aumentar e
aumentou.
FOLHA - O cenário de grau de investimento muda o patamar de juro
real de equilíbrio. Estudos mostram
que pode cair até dois pontos percentuais, em média.
MANTEGA - Exatamente. Com o
grau de investimento, a taxa de
juros em algum momento tem
que cair.
FOLHA - Por esse raciocínio, o grau
de investimento reduz o tamanho
do ciclo de aumento do juros que se
pretendia para o Brasil neste momento?
MANTEGA - Não estou falando
no curto prazo.
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