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OPINIÃO ECONÔMICA
Vítimas de uma obsessão
JOÃO SAYAD
1) a taxa de juros fixada pelo
Banco Central é de 16%.
Subtraindo a taxa de inflação esperada de 6% ao ano, a taxa de
juros real seria de 10% ao ano. É a
maior taxa de juros real do mundo.
2) Apenas alguns poucos preços
-como o do petróleo e as tarifas
públicas- estão subindo mais do
que a média de 6%. A maior parte dos outros preços -salários,
serviços, produtos destinados ao
mercado interno- sobe mais devagar. Para a maior parte dos setores e empresas da economia, a
taxa "real" é ainda maior do que
10%.
3) Se a economia brasileira cresce a taxas de 3,5% ao ano, os juros que podem ser pagos são no
máximo de 3,5% ao ano. Taxas
de juros reais maiores do que
3,5% transferem patrimônio dos
tomadores de empréstimos (ou
dos contribuintes, no caso da dívida do governo) para os credores. Estamos fazendo exatamente
isso, há dez anos.
4) Os juros brasileiros não podem ser explicados pelo déficit
público ou pela "gastança" do setor público, como afirmam radialistas matutinos que lêem editoriais conservadores.
5) Desde o início do Plano Real,
o governo economizou 29% do
PIB em termos de receitas tributárias arrecadadas e não-gastas.
E gastou, com juros, 55% do PIB.
6) Se tivesse pago taxas reais de
6%, o superávit primário teria sido suficiente para quitar os juros,
o déficit público teria sido nulo e
a dívida pública não teria crescido.
7) Como pagou juros maiores,
não tinha recursos tributários para pagar e se endividou ainda
mais. A dívida pública mobiliária
passou de 30% para 57% do PIB.
8) Economistas que defendem
juros altos chamam a dívida de
57% do PIB de "custo da estabilização", ou seja, custo de combater a inflação. No momento o tamanho da dívida é fator de "desestabilização".
9) O tamanho da dívida pública
não justifica juros tão altos. A dívida pública é alta porque os juros são altos, e não o contrário. Os
defensores de juros altos vêem o
mundo de cabeça para baixo.
10) Juros tão altos também não
podem ser justificados pela política de combate à inflação.
11) No período do câmbio fixo,
juros altos serviram para atrair
capital externo e manter o câmbio sobrevalorizado. Não reduzem nem a demanda interna
nem os preços.
12) Com câmbio flutuante, a
partir de 1999, juros altos reduziram a taxa de câmbio, o que reduz a inflação, embora à custa de
um câmbio sobrevalorizado e sujeito aos choques externos.
13) Juros altos não podem ser
justificados pelo risco Brasil. Hoje, bancos e empresas brasileiras
tomam empréstimos no exterior
a taxas bem menores do que 16%,
mesmo levando em conta o risco
de desvalorização cambial. Aliás,
a taxa de 16% tem como objetivo
"empurrar" as empresas para tomar empréstimos no exterior em
dólares, a fim de manter a taxa
cambial.
14) O risco Brasil é antes resultado dos juros altos fixados pelo
Banco Central, que fazem a dívida pública brasileira crescer e parecer impagável. Os juros fixados
pelo Banco Central aumentam o
risco Brasil. O risco Brasil não justifica os juros altos.
15) Juros tão altos não podem
ser justificados pelo fato de a conversibilidade do real em dólares
ser garantida apenas por resoluções do Banco Central, e não por
leis ordinárias. Ou pelo fato de as
leis brasileiras serem desfavoráveis aos credores. Antes de 1994, a
situação em termos legais era
ainda menos favorável, e os juros,
muito menores.
16) Juros altos não podem ser
justificados pelos choques externos. Outros países subdesenvolvidos foram afetados pelos choques
e não praticam juros altos como
os brasileiros. O Banco Central do
Brasil não aproveitou as oportunidades que permitiam baixar os
juros.
17) Os juros praticados no Brasil
são fixados pelo Banco Central, e
não pelo mercado. A dívida pública representa a maior parte
dos ativos financeiros do país. A
taxa de juros fixada pelo Banco
Central para o financiamento
desses papéis influencia as demais taxas de juros.
18) A taxa de juros alta do Brasil não pode ser explicada nem
pelo déficit público, nem pelo tamanho da dívida pública, nem
pelo risco Brasil, nem pelo mercado, nem pela natureza das leis
brasileiras.
19) A única justificativa possível
seria a tentativa de controlar a
taxa de câmbio. Nos últimos tempos, entretanto, quando o Banco
Central aumenta os juros, assusta
os investidores estrangeiros, que
se assustam com o tamanho da
dívida, e a taxa cambial aumenta.
20) Há economistas que defendem a redução da conversibilidade do real em dólares para reduzir as taxas de juros brasileiros.
Produziríamos uma crise desnecessária.
21) Há economistas que defendem o aumento da conversibilidade do real em dólares para reduzir as taxas de juros brasileiras.
Ao discutir essa alternativa, produziríamos outra crise, igualmente desnecessária.
22) Há economistas que defendem a manutenção ou o aumento
do superávit primário para inspirar confiança nos investidores estrangeiros. A proposta é inviável.
23) A solução mais fácil seria
experimentar. Se o Banco Central
experimentasse reduzir a taxa de
juros em um ponto percentual,
em vez de 0,5 ponto percentual ao
mês, economizaria R$ 5 bilhões
ao ano a cada vez que fizesse isso.
Não custaria nada, pois sempre
pode voltar atrás.
24) A única dificuldade é mudar de idéia. O país é vítima de
teimosia e do medo de experimentar.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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