São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vítimas de uma obsessão

JOÃO SAYAD

1) a taxa de juros fixada pelo Banco Central é de 16%. Subtraindo a taxa de inflação esperada de 6% ao ano, a taxa de juros real seria de 10% ao ano. É a maior taxa de juros real do mundo.
2) Apenas alguns poucos preços -como o do petróleo e as tarifas públicas- estão subindo mais do que a média de 6%. A maior parte dos outros preços -salários, serviços, produtos destinados ao mercado interno- sobe mais devagar. Para a maior parte dos setores e empresas da economia, a taxa "real" é ainda maior do que 10%.
3) Se a economia brasileira cresce a taxas de 3,5% ao ano, os juros que podem ser pagos são no máximo de 3,5% ao ano. Taxas de juros reais maiores do que 3,5% transferem patrimônio dos tomadores de empréstimos (ou dos contribuintes, no caso da dívida do governo) para os credores. Estamos fazendo exatamente isso, há dez anos.
4) Os juros brasileiros não podem ser explicados pelo déficit público ou pela "gastança" do setor público, como afirmam radialistas matutinos que lêem editoriais conservadores.
5) Desde o início do Plano Real, o governo economizou 29% do PIB em termos de receitas tributárias arrecadadas e não-gastas. E gastou, com juros, 55% do PIB.
6) Se tivesse pago taxas reais de 6%, o superávit primário teria sido suficiente para quitar os juros, o déficit público teria sido nulo e a dívida pública não teria crescido.
7) Como pagou juros maiores, não tinha recursos tributários para pagar e se endividou ainda mais. A dívida pública mobiliária passou de 30% para 57% do PIB.
8) Economistas que defendem juros altos chamam a dívida de 57% do PIB de "custo da estabilização", ou seja, custo de combater a inflação. No momento o tamanho da dívida é fator de "desestabilização".
9) O tamanho da dívida pública não justifica juros tão altos. A dívida pública é alta porque os juros são altos, e não o contrário. Os defensores de juros altos vêem o mundo de cabeça para baixo.
10) Juros tão altos também não podem ser justificados pela política de combate à inflação.
11) No período do câmbio fixo, juros altos serviram para atrair capital externo e manter o câmbio sobrevalorizado. Não reduzem nem a demanda interna nem os preços.
12) Com câmbio flutuante, a partir de 1999, juros altos reduziram a taxa de câmbio, o que reduz a inflação, embora à custa de um câmbio sobrevalorizado e sujeito aos choques externos.
13) Juros altos não podem ser justificados pelo risco Brasil. Hoje, bancos e empresas brasileiras tomam empréstimos no exterior a taxas bem menores do que 16%, mesmo levando em conta o risco de desvalorização cambial. Aliás, a taxa de 16% tem como objetivo "empurrar" as empresas para tomar empréstimos no exterior em dólares, a fim de manter a taxa cambial.
14) O risco Brasil é antes resultado dos juros altos fixados pelo Banco Central, que fazem a dívida pública brasileira crescer e parecer impagável. Os juros fixados pelo Banco Central aumentam o risco Brasil. O risco Brasil não justifica os juros altos.
15) Juros tão altos não podem ser justificados pelo fato de a conversibilidade do real em dólares ser garantida apenas por resoluções do Banco Central, e não por leis ordinárias. Ou pelo fato de as leis brasileiras serem desfavoráveis aos credores. Antes de 1994, a situação em termos legais era ainda menos favorável, e os juros, muito menores.
16) Juros altos não podem ser justificados pelos choques externos. Outros países subdesenvolvidos foram afetados pelos choques e não praticam juros altos como os brasileiros. O Banco Central do Brasil não aproveitou as oportunidades que permitiam baixar os juros.
17) Os juros praticados no Brasil são fixados pelo Banco Central, e não pelo mercado. A dívida pública representa a maior parte dos ativos financeiros do país. A taxa de juros fixada pelo Banco Central para o financiamento desses papéis influencia as demais taxas de juros.
18) A taxa de juros alta do Brasil não pode ser explicada nem pelo déficit público, nem pelo tamanho da dívida pública, nem pelo risco Brasil, nem pelo mercado, nem pela natureza das leis brasileiras.
19) A única justificativa possível seria a tentativa de controlar a taxa de câmbio. Nos últimos tempos, entretanto, quando o Banco Central aumenta os juros, assusta os investidores estrangeiros, que se assustam com o tamanho da dívida, e a taxa cambial aumenta.
20) Há economistas que defendem a redução da conversibilidade do real em dólares para reduzir as taxas de juros brasileiros. Produziríamos uma crise desnecessária.
21) Há economistas que defendem o aumento da conversibilidade do real em dólares para reduzir as taxas de juros brasileiras. Ao discutir essa alternativa, produziríamos outra crise, igualmente desnecessária.
22) Há economistas que defendem a manutenção ou o aumento do superávit primário para inspirar confiança nos investidores estrangeiros. A proposta é inviável.
23) A solução mais fácil seria experimentar. Se o Banco Central experimentasse reduzir a taxa de juros em um ponto percentual, em vez de 0,5 ponto percentual ao mês, economizaria R$ 5 bilhões ao ano a cada vez que fizesse isso. Não custaria nada, pois sempre pode voltar atrás.
24) A única dificuldade é mudar de idéia. O país é vítima de teimosia e do medo de experimentar.


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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