São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Mercado financeiro não acredita em ciclos econômicos

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O momento pessimista no sistema financeiro global fortalece as visões de uma economia mundial patinando por anos, crescendo pouco, de crise em crise, marcada pela instabilidade. O cenário de longo prazo mais provável é o de uma recuperação longa e lenta. O fantasma da estagnação japonesa como destino da economia americana assombra muitos analistas.
Essas expectativas expressam um sentimento de que não existe mais ciclo econômico. Apenas uma trajetória de longo prazo com crescimento baixo ou declinante.
A crise de confiança nas instituições financeiras, a aversão ao risco dos investidores e o fracasso retumbante de todas as tentativas de coordenação de políticas econômicas seriam complicadores irreversíveis.
É como se não existissem mais ciclos econômicos (sucessão de altos e baixos, anos de vacas gordas e outros de vacas magras).
Ocorre que, a bem da verdade, a economia mundial vem registrando taxas de crescimento declinantes ao longo das últimas três décadas. Todas as tentativas de coordenação de políticas econômicas, monetaristas e keynesianas, de esquerda e de direita, falharam, muitas vezes.
Curiosamente, esse cenário deprimente lembra o mesmo erro de cinco anos atrás.
Quando a crença na "nova economia" baseada em tecnologias de informação e comunicação estava na moda, também se dizia que o ciclo econômico deixava de existir a partir de então.
O prolongado crescimento da economia norte-americana, liderando a revolução tecnológica que conduziria à sociedade da informação, animava as utopias de um novo renascimento, de uma economia do conhecimento libertada de condicionantes materiais, feitos de átomos.
A própria passagem de uma visão para outra, num intervalo de menos de uma década, comprova, afinal, que existem ciclos na economia. E que os investidores financeiros são ciclotímicos, disparando em estampidos de manada quando há mudanças bruscas de expectativas.
Talvez os ciclos existam mesmo. Em 2001, os investimentos diretos nos países desenvolvidos tiveram uma queda da ordem de 50%. A crise detonada pelo ataque de 11 de setembro continua impondo seu tributo.
Mas há quem aposte numa visão de ciclo de longuíssimo prazo. São os chamados ciclos de Kondratieff, economista russo que visualizava ondas de até 60 anos, associadas a processos de inovação tecnológica e a mudanças no eixo geopolítico dominante em escala global.
Os últimos 60 anos correspondem ao período do pós-guerra.
Nos anos 70, os sinais de esgotamento eram visíveis e já apareciam como instabilidade no valor internacional do dólar.
Para os crentes do Kondratieff, essa longa curva descendente do ciclo do pós-guerra poderia estar chegando agora ao fim. Terminada a etapa de queima de capitais, consolidação de empresas e redesenho de eixos geopolíticos, teria início uma nova fase de expansão, uma nova ordem mundial.
Os mercados financeiros privados, no entanto, operam sob horizontes de curtíssimo prazo.
O mais inteligente a que se conseguiu chegar em termos de avaliação de "perspectivas" são os indicadores de risco, manipulados por agências também privadas. Nada garante que esses observadores (incluindo o FMI no bolo) estejam realmente atentos aos fundamentos de longo prazo do desenvolvimento econômico.
Para os mercados financeiros, não há ciclo nem trajetórias, apenas um contínuo e volátil agora.



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