São Paulo, sexta-feira, 07 de julho de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Como o Brasil mudou!

O país está na iminência de ter juros reais menores, mas, para tanto, será preciso conter a explosão dos gastos públicos

VOLTO AO Brasil, e a esta coluna, depois de 15 dias na Alemanha com meus filhos e netos. O futebol e a seleção brasileira ainda ocupam um grande espaço em meus pensamentos. Por isso, quando li as manchetes dos jornais de ontem, não foi possível deixar de associar as notícias sobre a inflação com o fracasso em Frankfurt. Imediatamente, pensei no quanto nosso Brasil mudou nos últimos anos. Hoje, comemoramos uma inflação baixa e sob controle e choramos o nosso futebol.
Nosso passado, até o Plano Real, em 1994, estava tomado por fracassos retumbantes no campo da inflação, inclusive com recordes mundiais expressivos, e muitos sucessos no campo do futebol. Éramos vistos como o país da inflação e do futebol. Hoje, não existe mais essa impressão, pelo menos do lado da inflação. Já não posso dizer o mesmo em relação ao futebol. Mas vejamos o que acendeu esse otimismo, que tenho certeza não ser da mesma natureza do que cercou nossa seleção na Alemanha.
A Fipe, instituição de grande respeito e que acompanha a inflação em São Paulo, divulgou na última quarta-feira seus cálculos para a primeira metade de 2006. O aumento dos preços ao consumidor, nesses seis meses, foi de apenas 0,20% ao ano. Baseada nos números da primeira metade do ano, a Fipe está prevendo uma inflação, em 2006, da ordem de 2,5%, muito inferior à de 4,5% verificada no ano passado.
Mas, como sempre, é necessária uma análise mais detalhada desses números para entendermos a dinâmica da inflação no período. Os preços ao consumidor podem ser divididos em três blocos distintos, em razão de seus diferentes processos de formação no mercado.
Um primeiro grupo tem sua dinâmica altamente correlacionada com as forças de oferta e procura, ainda mais agora que somos uma economia com elevado grau de abertura e participação cada vez maior de importações e exportações. Os economistas chamam esse grupo de preços competitivos ou livres. Na cesta de consumo do paulistano, eles representam metade do total.
Um segundo grupo, formado principalmente por alimentos e itens ligados ao setor de energia, tem seus preços muito influenciados pelas cotações internacionais desses produtos e por questões de oferta. Por isso, dependem muito mais das forças de mercado no exterior do que do equilíbrio macroeconômico interno. A taxa de câmbio também é fundamental nesse caso. Como o real se valorizou 7,4% neste primeiro semestre e a Petrobras administrou os preços dos combustíveis, houve uma pressão deflacionista muito forte.
Um terceiro grupo, formado principalmente por produtos ligados ao setor de serviços, tem os preços administrados por cláusulas contratuais ligadas à inflação passada. Acho correto também incluir nesse grupo serviços como educação e seguro-saúde, cujos preços ainda são determinados com práticas oligopolistas por parte das empresas. Essa divisão é importante, pois os efeitos da política monetária são diferentes em cada um dos casos. Se trabalharmos apenas com os chamados preços livres, excluindo os alimentos, conceito que se aproxima do que se convencionou chamar de núcleo da inflação, a alta de preços anualizada no primeiro semestre deste ano em São Paulo foi de apenas 2,6%. Para ter uma idéia da dimensão da desinflação que estamos vivendo, basta considerar que os números da Fipe mostram aumentos de preços, segundo esse mesmo critério, de 6,7% em 2004 e 4,8% em 2005.
Um outro dado interessante para ser analisado é o impacto da queda dos preços dos alimentos, fruto principalmente da valorização cambial, na inflação medida pela Fipe: com alimentos, a inflação nesse mesmo segmento de preços livres teria sido de -0,7%, e não os 2,6% ao ano citados acima. De qualquer modo, nosso país é outro quando olhamos apenas a forma como os preços ao consumidor têm se comportado nos últimos tempos.
Esses resultados -somados ao brutal ajuste das contas externas dos últimos anos- indicam que o país está na iminência de trabalhar com juros reais muito mais baixos, depois de vários anos de liderança absoluta no campeonato dos juros altos. Para tanto, o desafio do novo governo será impedir que os gastos públicos continuem a crescer de forma explosiva.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC). lcmb2 terra.com.br


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