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Preço desestimula produção de biodiesel
Produtores têm optado por vender colheita para outros fins, como é o caso da soja, com cotação em alta no mercado externo
Participação da agricultura familiar abaixo do esperado e falta de infra-estrutura prejudicam programa do governo, dizem especialistas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A avaliação de quem acompanha de perto o programa de
biodiesel é de que o fracasso da
iniciativa pode ser explicado
por três motivos: produção
abaixo do programado, participação aquém do esperado da
agricultura familiar e infra-estrutura deficiente na logística.
Para especialistas da área, os
problemas foram gerados por
falta de planejamento e gestão
do próprio governo.
Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo) mostram
que a produção não conseguiu
atingir nem um terço do previsto. De janeiro de 2006 a agosto
de 2007, o Brasil produziu 261
milhões de litros de biodiesel.
O volume representa apenas
31% da estimativa para o biênio
2006/2007. Portanto, para
cumprir o calendário previsto
nos leilões da ANP, seria preciso produzir 144 milhões de litros por mês até o fim do ano
-volume mensal duas vezes
maior que a produção de 2006.
A produção abaixo do previsto tem explicação econômica:
agricultores têm preferido vender a produção que seria usada
no biocombustível para outros
fins, que pagam mais que as usinas de biodiesel. Nisto, a principal vilã é a soja.
Ao contrário do discurso do
governo, que exalta a participação da mamona e do dendê no
programa, ao menos 80% do
biodiesel brasileiro é produzido com soja, conforme dados
da Ubrabio (União Brasileira
do Biodiesel). Há estimativas
de que essa participação poderia ser de até 90%.
Já as oleaginosas destacadas
pelo governo para incentivos
fiscais respondem por menos
de 3% da produção. Até a gordura animal e o algodão vêm representando fatia maior.
Com a participação majoritária da soja, o biodiesel foi duramente atingido pela disparada
dos preços internacionais da
commodity. O consultor Univaldo Vedana, da consultoria
Biodieselbr, diz que o aumento
da demanda na Ásia, principalmente na China, acabou jogando contra. Isso tornou mais
atraente ao produtor vender o
grão para fazer óleo de soja.
"Hoje estão comprando o
óleo de soja a R$ 2 para o biodiesel, para vender o produto a
R$ 1,80. Construíram as usinas
pensando que a soja resolveria
o problema, mas todo mundo
pensou assim", afirmou.
O preço da soja subiu ainda
mais por conta da entressafra
nacional -enquanto a tonelada
do produto ronda os US$ 1.000
no mercado interno, estacionou na faixa dos US$ 830 na
Bolsa de Chicago.
Outro ponto problemático
atinge o aspecto preferido do
presidente Lula: o papel social
do programa. Para usinas que
têm parte da matéria-prima
comprada na agricultura familiar, o governo dá isenção de
PIS/Cofins, o que incentiva os
pequenos agricultores.
Mas com a seca dos últimos
meses, a safra desses produtores caiu. O coordenador de Biocombustíveis do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Jânio Rosa, estima que a safra que
começa a ser colhida deve ser
até 20% menor que a esperada.
Mas há casos mais dramáticos. O presidente do sindicato
de trabalhadores rurais de Canto do Buriti (PI), José Francisco da Luz, diz que um agricultor
local colheu apenas 14 quilos de
mamona por hectare, enquanto a expectativa era de mais de
1,5 tonelada. "O mais comum é
o pessoal que tirou entre 100
quilos e 300 quilos", diz.
Procurado pela Folha insistentemente para comentar a
queda, o governo não obteve
consenso sobre a participação
da agricultura familiar na produção de biodiesel. Enquanto o
Ministério do Desenvolvimento Agrário informava 24%, o
Ministério das Minas e Energia
defendia que o índice era, na
verdade, de 36%.
A pesquisadora Silene Fretas, do Instituto de Economia
Agrícola de SP, também critica
o incentivo para a agricultura
familiar, que estaria provocando uma "distorção do mercado". "É bem possível que o biodiesel possa se desenvolver
sem a agricultura familiar. Só
está servindo para produzir
uma distorção no mercado.
Quem não tem o selo social
vende a produção para quem
tem, pois só quem recebeu o
selo participa dos leilões."
Falta de estrutura
Por fim, também há críticas à
infra-estrutura do programa. O
diretor do centro de metrologia
em química do IPT (Instituto
de Pesquisas Tecnológicas) e
diretor de biocombustíveis da
AEA (Associação de Engenharia Automotiva), Antônio Bonomi, alerta que o biodiesel
tem "prazo de validade" menor
que outros combustíveis.
Segundo ele, a produção pode ficar estocada em um período que alcança até seis meses.
Mas existem dúvidas se as distribuidoras de combustível
-responsáveis por fazer a mistura de 2% no diesel- teriam
tanques suficientes para garantir a mistura durante o ano todo, independentemente da sazonalidade da safra.
Procurado, o Sindicon (Sindicato de Distribuidoras de
Combustível) informou que
boa parte do setor está preparada para o início da mistura
obrigatória, em janeiro de
2008, e que todos os associados
estarão prontos até o final de
dezembro.
(FERNANDO NAKAGAWA E IURI DANTAS)
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