São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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MERCADO ABERTO

GUILHERME BARROS - guilherme.barros@uol.com.br

Crise do crédito já atinge montadoras

A crise financeira global já deu o primeiro sinal concreto no Brasil de ter atingido o chamado mundo real da economia. A notícia das férias coletivas da GM e da Fiat neste mês indica que um dos setores mais importantes da economia e que mais cresceram nos últimos anos já espera ser atingido em cheio pela crise do crédito.
A decisão das montadoras de suspender temporariamente a produção em suas fábricas se deve a um conjunto de fatores, todos ligados à crise global. Uma das principais razões está relacionada à perspectiva de uma queda acentuada do volume dos financiamentos à compra de veículos.
O crédito foi a principal mola propulsora do crescimento expressivo das vendas de automóveis nos últimos três anos. Do total das vendas, 70% eram financiadas. Os bancos ofereciam empréstimos com prazos de financiamento de 90 meses. Com o escasseamento do crédito, os prazos hoje encurtaram para 42 ou 60 meses. Os juros também ficaram mais caros.
Diante dessas novas condições, a GM e a Fiat decidiram suspender parte da produção para se adequar a essa realidade. A Fiat já vem sentindo alguns sinais de desaquecimento nas vendas dos caminhões da Iveco. Se, até pouco tempo atrás, havia fila de espera para comprar caminhão, hoje não existe mais.
Na GM, a montadora já vem registrando quedas expressivas nas exportações para países como África do Sul, Argentina e México. Esses três países, principalmente a África do Sul, já vêm sofrendo há algum tempo com os problemas da paralisia do crédito. Aliás, foi essa, segundo a GM, a principal razão para a companhia ter decidido suspender a produção nas suas unidades de São Caetano, São José dos Campos, Gravataí e na Argentina.
Os empresários consideram essa decisão das montadoras um sinal bastante preocupante para a indústria brasileira. Devido à importância e à liderança do setor, o receio é o de a decisão das montadoras influenciar outros segmentos a tomarem a mesma iniciativa.

Semp Toshiba suspende venda por alta do dólar

A Semp Toshiba suspendeu ontem a venda de seus produtos para os fornecedores no Brasil. A decisão foi tomada pela alta volatilidade do mercado, principalmente da cotação do dólar, disse o vice-presidente de Marketing e Vendas, Caio Ortiz.
"Temos hoje um dólar 40% maior que em menos de 30 dias. Tínhamos a projeção de que o dólar terminaria o ano abaixo de R$ 1,90. Com a cotação a R$ 2,20, temos que refazer nossas contas."
Como mais de 90% dos produtos da Semp Toshiba contam com componentes importados, a empresa terá que avaliar de que forma vai repassar os custos elevados pela alta do dólar. "A minha expectativa é que ainda nesta semana voltaremos a vender os produtos, mas com um reajuste significativo de preços", diz Ortiz.
Para ele, o aumento de preços dos produtos, somado a uma conjuntura de restrição ao crédito e juros elevados, deve obrigar a Semp Toshiba a reduzir sua projeção de crescimento para este ano -de 10%. "O setor de eletroeletrônicos vai sofrer mais com essa crise que outros que operam com produtos mais nacionais."

Turbulência faz construção reduzir projeções, diz Secovi

Os empresários do setor de construção civil estão sensíveis à crise mundial e já começaram a reduzir as projeções de crescimento das empresas para os próximos anos, informa o presidente do Secovi (sindicato de habitação), João Crestana.
Segundo ele, os empresários do setor devem reduzir o número de projetos. "Eles vão escolher os projetos mais rentáveis e deixar para outro momento os mais arriscados."
Se a crise deixou os empresários mais cautelosos, não trouxe mudanças significativas entre os consumidores. "Não foram notadas diferenças significativas dos clientes nos plantões de vendas."
Para Crestana, a demanda por habitação continua aquecida porque o crédito para o setor ainda não foi afetado pela crise. "Nosso setor se beneficia de recursos da poupança e do FGTS, que são mais estáveis."
Assim como o consumo, o emprego continua em expansão na construção civil. Em agosto, o número de vagas cresceu 2%, segundo o SindusCon-SP e a FGV.

CRISE:
FALTA DE RECURSOS PODE AFETAR NOVOS INVESTIMENTOS

A escassez de crédito provocada pela crise econômica já preocupa o setor de infra-estrutura e a indústria. Para Paulo Godoy (Abdib), os investimentos em projetos em curso devem continuar mesmo com a crise econômica, mas ficarão mais seletivos para novos empreendimentos. Apesar da manutenção das linhas de crédito de longo prazo do BNDES, ele teme que o crédito paralelo seque. "Precisamos criar um modelo para o crédito paralelo para investimento oficial de longo prazo", disse. Já José Velloso (Abimaq) se preocupa com a falta de crédito para a exportação, que pode anular os ganhos com a alta do dólar. Velloso espera que o governo garanta a liquidez do crédito à exportação. "O crédito pode dar um soluço nos próximos dois meses, mas essa situação não deve se estender."

LINHA DE TIRO
Não é só o Banco Central que irá comprar as carteiras de crédito dos bancos de pequeno e médio e porte. A Caixa Econômica Federal também está se preparando para entrar no negócio. Só a CEF tem R$ 100 bilhões em caixa e já está estudando algumas operações.

DEFESA
A restrição ao crédito e a redução da demanda mundial por produtos de exportação são os temas que mais preocupam os industriais brasileiros atualmente. A Fiesp já admite acionar ferramentas de defesa comercial caso o cenário econômico piore.

SELEÇÃO NATURAL
A crise global fará uma seleção natural das empresas do varejo, segundo Juracy Parente, coordenador do GVcev (Centro de Excelência em Varejo) da FGV-Eaesp. "Será um processo darwinista de sobrevivência", diz Parente, que abre amanhã o primeiro Congresso Latino-Americano de Varejo, em São Paulo. O cenário, diz Parente, deve evoluir para um acirramento da competitividade na área, e quem não for adaptado desaparece. "Em época de crise, muitas empresas com menor capacidade de competitividade não sobrevivem. Fica o mais forte, ágil e competente." Antonio Colmenares, presidente do Makro para a América do Sul, Anderson Birman, da Arezzo, Robert Lusch, professor da Universidade do Arizona, e outros, estarão presentes.

VOZ DA EXPERIÊNCIA
Com mais de 90 anos, Seth Glickenhaus é um dos poucos homens que atuam hoje em dia em Wall Street e trabalharam durante os tempos da Depressão. Glickenhaus acredita que o mercado acionário pode estar se assentando, mas apenas temporariamente, de acordo com o "Wall Street Journal". Ele acha que as combalidas ações podem até ter um relance de alta, mas devem despencar novamente depois disso. Ele é sócio da Glickenhaus & Co., onde ainda trabalha.

QUEM DÁ MENOS
Visitantes caminham para o leilão da Sotheby's, em Hong Kong, em temporada de vendas de arte asiática, entre os dias 4 e 8 deste mês, cujos leilões têm sido decepcionantes; enquanto a crise global se aprofunda, a venda de arte chinesa do século 20 teve dois terços de 110 lotes sem negócios, segundo a Bloomberg; as ações da Sotheby's já caíram a seu mais baixo patamar desde junho de 2005, com perdas de cerca de 30% neste mês

com JOANA CUNHA e MARINA GAZZONI



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