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MERCADO ABERTO
GUILHERME BARROS - guilherme.barros@uol.com.br
Crise do crédito já atinge montadoras
A crise financeira global já
deu o primeiro sinal concreto
no Brasil de ter atingido o chamado mundo real da economia.
A notícia das férias coletivas da
GM e da Fiat neste mês indica
que um dos setores mais importantes da economia e que
mais cresceram nos últimos
anos já espera ser atingido em
cheio pela crise do crédito.
A decisão das montadoras de
suspender temporariamente a
produção em suas fábricas se
deve a um conjunto de fatores,
todos ligados à crise global.
Uma das principais razões está
relacionada à perspectiva de
uma queda acentuada do volume dos financiamentos à compra de veículos.
O crédito foi a principal mola
propulsora do crescimento expressivo das vendas de automóveis nos últimos três anos.
Do total das vendas, 70% eram
financiadas. Os bancos ofereciam empréstimos com prazos
de financiamento de 90 meses.
Com o escasseamento do crédito, os prazos hoje encurtaram
para 42 ou 60 meses. Os juros
também ficaram mais caros.
Diante dessas novas condições, a GM e a Fiat decidiram
suspender parte da produção
para se adequar a essa realidade. A Fiat já vem sentindo alguns sinais de desaquecimento
nas vendas dos caminhões da
Iveco. Se, até pouco tempo
atrás, havia fila de espera para
comprar caminhão, hoje não
existe mais.
Na GM, a montadora já vem
registrando quedas expressivas
nas exportações para países como África do Sul, Argentina e
México. Esses três países, principalmente a África do Sul, já
vêm sofrendo há algum tempo
com os problemas da paralisia
do crédito. Aliás, foi essa, segundo a GM, a principal razão
para a companhia ter decidido
suspender a produção nas suas
unidades de São Caetano, São
José dos Campos, Gravataí e na
Argentina.
Os empresários consideram
essa decisão das montadoras
um sinal bastante preocupante
para a indústria brasileira. Devido à importância e à liderança
do setor, o receio é o de a decisão das montadoras influenciar
outros segmentos a tomarem a
mesma iniciativa.
Semp Toshiba suspende venda por alta do dólar
A Semp Toshiba suspendeu ontem a venda de seus
produtos para os fornecedores no Brasil. A decisão foi tomada pela alta volatilidade
do mercado, principalmente
da cotação do dólar, disse o
vice-presidente de Marketing e Vendas, Caio Ortiz.
"Temos hoje um dólar
40% maior que em menos de
30 dias. Tínhamos a projeção
de que o dólar terminaria o
ano abaixo de R$ 1,90. Com a
cotação a R$ 2,20, temos que
refazer nossas contas."
Como mais de 90% dos
produtos da Semp Toshiba
contam com componentes
importados, a empresa terá
que avaliar de que forma vai
repassar os custos elevados
pela alta do dólar. "A minha
expectativa é que ainda nesta
semana voltaremos a vender
os produtos, mas com um
reajuste significativo de preços", diz Ortiz.
Para ele, o aumento de
preços dos produtos, somado
a uma conjuntura de restrição ao crédito e juros elevados, deve obrigar a Semp
Toshiba a reduzir sua projeção de crescimento para este
ano -de 10%. "O setor de
eletroeletrônicos vai sofrer
mais com essa crise que outros que operam com produtos mais nacionais."
Turbulência faz construção reduzir projeções, diz Secovi
Os empresários do setor de
construção civil estão sensíveis
à crise mundial e já começaram
a reduzir as projeções de crescimento das empresas para os
próximos anos, informa o presidente do Secovi (sindicato de
habitação), João Crestana.
Segundo ele, os empresários
do setor devem reduzir o número de projetos. "Eles vão escolher os projetos mais rentáveis e deixar para outro momento os mais arriscados."
Se a crise deixou os empresários mais cautelosos, não trouxe mudanças significativas entre os consumidores. "Não foram notadas diferenças significativas dos clientes nos plantões de vendas."
Para Crestana, a demanda
por habitação continua aquecida porque o crédito para o setor
ainda não foi afetado pela crise.
"Nosso setor se beneficia de recursos da poupança e do FGTS,
que são mais estáveis."
Assim como o consumo, o
emprego continua em expansão na construção civil. Em
agosto, o número de vagas cresceu 2%, segundo o SindusCon-SP e a FGV.
CRISE:
FALTA DE RECURSOS PODE AFETAR NOVOS INVESTIMENTOS
A escassez de crédito provocada pela crise econômica
já preocupa o setor de infra-estrutura e a indústria. Para
Paulo Godoy (Abdib), os investimentos em projetos em
curso devem continuar mesmo com a crise econômica,
mas ficarão mais seletivos
para novos empreendimentos. Apesar da manutenção
das linhas de crédito de longo prazo do BNDES, ele teme que o crédito paralelo seque. "Precisamos criar um
modelo para o crédito paralelo para investimento oficial de longo prazo", disse.
Já José Velloso (Abimaq) se
preocupa com a falta de crédito para a exportação, que
pode anular os ganhos com a
alta do dólar. Velloso espera
que o governo garanta a liquidez do crédito à exportação. "O crédito pode dar um
soluço nos próximos dois
meses, mas essa situação
não deve se estender."
LINHA DE TIRO
Não é só o Banco Central
que irá comprar as carteiras
de crédito dos bancos de pequeno e médio e porte. A
Caixa Econômica Federal
também está se preparando
para entrar no negócio. Só a
CEF tem R$ 100 bilhões em
caixa e já está estudando algumas operações.
DEFESA
A restrição ao crédito e a
redução da demanda mundial por produtos de exportação são os temas que mais
preocupam os industriais
brasileiros atualmente. A
Fiesp já admite acionar ferramentas de defesa comercial caso o cenário econômico piore.
SELEÇÃO NATURAL
A crise global fará uma seleção natural das empresas
do varejo, segundo Juracy
Parente, coordenador do
GVcev (Centro de Excelência em Varejo) da FGV-Eaesp. "Será um processo
darwinista de sobrevivência", diz Parente, que abre
amanhã o primeiro Congresso Latino-Americano de
Varejo, em São Paulo. O cenário, diz Parente, deve evoluir para um acirramento da
competitividade na área, e
quem não for adaptado desaparece. "Em época de crise, muitas empresas com
menor capacidade de competitividade não sobrevivem. Fica o mais forte, ágil e
competente." Antonio Colmenares, presidente do Makro para a América do Sul,
Anderson Birman, da Arezzo, Robert Lusch, professor
da Universidade do Arizona,
e outros, estarão presentes.
VOZ DA EXPERIÊNCIA
Com mais de 90 anos,
Seth Glickenhaus é um dos
poucos homens que atuam
hoje em dia em Wall Street e
trabalharam durante os
tempos da Depressão. Glickenhaus acredita que o mercado acionário pode estar se
assentando, mas apenas
temporariamente, de acordo com o "Wall Street Journal". Ele acha que as combalidas ações podem até ter um
relance de alta, mas devem
despencar novamente depois disso. Ele é sócio da
Glickenhaus & Co., onde
ainda trabalha.
QUEM DÁ MENOS
Visitantes caminham para o leilão da Sotheby's, em Hong Kong, em temporada de vendas de arte asiática, entre os dias 4 e 8 deste mês, cujos leilões têm sido decepcionantes; enquanto a crise global se aprofunda, a venda de arte chinesa do século 20 teve dois terços de 110 lotes sem negócios, segundo a Bloomberg; as ações da Sotheby's já caíram a seu mais baixo patamar desde junho de 2005, com perdas de cerca de 30% neste mês
com JOANA CUNHA e MARINA GAZZONI
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