São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Momento de rever a Lei de Falências

Vou voltar a um tema relevante, que é a questão da nova Lei de Falências em discussão. Há tempos o Banco Central vem insistindo na tese de que os bancos precisam se tornar os credores preferenciais das dívidas, como forma de, reduzindo o risco, reduzir o "spread" bancário.
Essa proposta surge no mesmo momento em que autoridades financeiras internacionais tentam criar uma lei de concordatas para países, que tornem todos os credores solidários entre si em relação à dívida. A lógica é que, se houver conflito entre credores, um deles pode atrapalhar todo o processo de reestruturação de passivos, prejudicando os devedores e os demais credores.
Vamos a dois casos concretos. O primeiro, a Encol. Ao quebrar, a empresa deixou um número vastíssimo de empreendimentos incompletos e proprietários perdidos, sem saber como agir. A tentativa de retomar a construção dos empreendimentos esbarrou em dificuldades imensas, na necessidade de negociar banco a banco, cada qual pensando apenas em executar suas garantias, arriscando a perder o principal.
Se houvesse uma lei tornando todos os credores solidários entre si, a solução teria saído rapidamente, salvando parte dos créditos dos bancos e permitindo aos compradores recuperar parte do que aplicaram nos imóveis.
O caso Arapuã é outro. Dos credores, 90% aceitaram renegociar as dívidas da empresa, converter parte dos créditos em investimento e, em um gesto de reconhecimento à seriedade dos controladores, mantê-los na direção do negócio. Não se tratou de salvar patrimônio dos controladores, mas de preservar o valor de uma empresa, como garantia de emprego e de parte da dívida acumulada. Um credor apenas quase leva ao fechamento da empresa, com enorme perda de valor e de empregos.
Os bancos têm inúmeros recursos para melhorar a análise de crédito. Os sistemas de informação de crédito, tipo Serasa, criam uma argola de ferro em torno dos inadimplentes. Os nomes das empresas ou pessoas físicas que não conseguem quitar seu empréstimo bancário imediatamente são repassados aos bancos e demais empresas, isolando o devedor. Além disso, mais e mais os bancos aprimoram as análises setoriais, aprendem a lidar com truques de balanços, fora a responsabilidade que recai sobre contadores e empresas de auditoria.
Conferir o direito preferencial de recebimento aos bancos significará estimular empréstimos temerários, tornará o banco não solidário com o cliente, permitirá a um credor, por exemplo, inviabilizar completamente a recuperação de uma empresa, executando uma garantia que seja fundamental para sua operação. O banco recupera parte do seu crédito, mas à custa de uma enorme perda de valor dos ativos da empresa, já que, fechada, a empresa perde expressivamente valor, pela perda da marca, da estrutura comercial, dos fornecedores etc.
Neste momento em que dois anos seguidos de crise, mais a alta do dólar e dos juros, estão aumentando a inadimplência, concordatas e falências, mais do que nunca é dever do Legislativo apressar a votação de uma lei que preserve as empresas -não seus controladores.
Havendo a solidariedade dos credores, haverá a divisão equitativa dos sacrifícios, os credores aceitarão adaptar seus créditos à capacidade de pagamento das empresas, e, em vez de fechar a empresa devedora, haverá esforço conjunto para afastar os antigos controladores, mas preservando a empresa, seus ativos intangíveis e os empregos que gera.

E-mail - LNassif@uol.com.br


Texto Anterior: RH: Educação deve ser prioridade, diz Chopra
Próximo Texto: Águia em transe: BC dos EUA surpreende e derruba juros para 1,25%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.