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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Transição e mudança
ALOIZIO MERCADANTE
Tornou-se lugar-comum
afirmar que a política econômica do governo Lula representa
a continuidade daquela implementada pela administração Fernando Henrique Cardoso. Essa
avaliação, a meu juízo, envolve
um duplo equívoco.
Primeiro, passa por alto as mudanças introduzidas em aspectos
relevantes da gestão econômica,
que se refletem na evolução dos
indicadores de desempenho da
economia brasileira. As tendências estruturais sedimentadas ao
longo do período 1995-2002 apontavam para uma trajetória de
ruptura econômica, social e financeira. Essa ruptura não se
materializou porque alguns de
seus vetores foram neutralizados
ou revertidos pelo governo Lula
em pouco mais de um ano e meio.
Se não, vejamos:
Estagnação da economia: na
média do período 1995-2002, a
formação bruta de capital caiu
11% e o PIB cresceu 2,3% ao ano,
além de, em quatro dos últimos
cinco anos da era FHC, o PIB por
habitante ter tido um crescimento
praticamente nulo ou negativo.
Hoje o PIB está crescendo em torno de 4,7% e a produção industrial já acumula, até agosto, crescimento de 8,8%, tendo o segmento de bens de capital atingido a
marca de 26,2%.
Desemprego crescente: a taxa
de desemprego aberto aumentou
35,4% entre 1995 e 2002, paralelamente à precarização do emprego
e à redução do número de assalariados. Em 2004, de janeiro a setembro, foi gerado 1,6 milhão de
empregos formais, paralelamente
à redução, nos últimos seis meses,
da taxa de desemprego aberto.
Redução de salários e aumento
da desigualdade social: o rendimento médio real dos ocupados
diminuiu no governo FHC, particularmente no quadriênio 1999-2002 (queda de 6,3% por ano). Essa trajetória foi interrompida a
partir de novembro de 2003, com
a recuperação progressiva dos
rendimentos.
Insustentabilidade do processo de endividamento externo:
entre 1995 e 2002, os encargos totais do passivo externo (amortizações + juros + lucros e dividendos), como porcentagem das exportações, passaram de 50,6% para 86,8% e a relação dívida externa/PIB saltou de 27,3% para
50,5%. Hoje estão sendo gerados
saldos comerciais recordes (US$
28 bilhões até outubro do corrente
ano), e o risco-país caiu a menos
de 500 pontos.
Insustentabilidade do processo de endividamento público: os
juros da dívida pública representaram, na média do período 1995-2002, 8,9% do PIB, com o que esta
praticamente dobrou em termos
líquidos. O governo Lula estabilizou a relação dívida/PIB sem vender patrimônio público e aumentar a carga tributária.
O segundo equívoco é a redução, simplista, da política econômica à dimensão monetário-financeira, área na qual a situação
de endividamento externo e de
extrema vulnerabilidade a que
foi conduzido o país pelo governo
anterior limita o raio de manobra
do Estado brasileiro. Isso, no entanto, não impediu o governo Lula de adotar uma série de medidas -na área externa, na reconstrução do sistema interno de financiamento público, na formulação de uma política industrial
voltada para setores de alta tecnologia, na reformulação do sistema tributário, para citar só alguns exemplos- que se encaixam no processo de transição em
direção a um novo padrão de inserção internacional e de desenvolvimento econômico e social,
que tem muito pouco a ver com o
modelo adotado pelo governo anterior.
O grande desafio do momento é
deslanchar os investimentos nas
áreas de infra-estrutura e logística e os projetos de ampliação e diversificação da capacidade produtiva que darão sustentabilidade, a médio e longo prazos, ao
processo de crescimento econômico. Avançar nessa direção supõe,
entre outras coisas, o desenho de
uma arquitetura institucional
que delimite as funções e responsabilidades dos setores público e
privado, de maneira a coordenar
os investimentos em ambas as esferas, distribuir eqüitativamente
os riscos envolvidos, assegurar a
estabilidade das normas acordadas e tornar mais eficiente a ação
estatal de regulação e apoio.
O atraso na votação de iniciativas importantes para tal finalidade, como o projeto das PPPs (Parcerias Público-Privadas), é extremamente prejudicial para o país.
Cabe, então, ao governo e à oposição buscar, no Congresso, convergências nessa e em outras matérias, que ajudem o país a superar
as restrições existentes ao seu desenvolvimento e viabilizem as
mudanças que a sociedade reclama.
Aloizio Mercadante, 50, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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