São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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ESPIONAGEM

Documento que solicitou busca e apreensão de papéis menciona suspeita de envolvimento da empresa em sete crimes

Procuradora qualifica Kroll de "criminosa"

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

A procuradora da República Anamara Osório Silva Sordi qualificou a multinacional Kroll Associates de "organização criminosa" em documento enviado à Justiça Federal quando solicitou a busca e a apreensão de documentos do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, da presidente da Brasil Telecom, Carla Cico, e de funcionários e de colaboradores da empresa. O episódio ficou conhecido como Operação Chacal.
A Folha teve acesso, na sexta-feira à noite, ao documento que o Ministério Público Federal enviou ao juiz da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O documento diz que as informações colhidas pela Polícia Federal, a partir até de escuta telefônica autorizada pela Justiça, indicariam que a Kroll, sob o manto da legalidade, "esconde contornos de verdadeira organização criminosa".
Em julho, a Folha revelou que a empresa de investigação particular Kroll, contratada pela Brasil Telecom (controlada pelo Opportunity) para espionar a Telecom Italia, produzira relatórios em que havia indícios de práticas ilegais. Opportunity e Telecom Italia travam batalha judicial sobre o controle da Brasil Telecom. A espionagem acabou atingindo autoridades como o ministro Luiz Gushiken e o presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb.
Em relação a Daniel Dantas e a Carla Cico, o Ministério Público os considerou beneficiários, mas não integrantes do que qualificou de "organização criminosa". Mesmo assim, os advogados do Opportunity reclamam de que até as gavetas de roupas íntimas do apartamento de Dantas teriam sido reviradas pela PF.
O juiz autorizou a busca e a apreensão de documentos na casa de ambos diante da argumentação do Ministério Público Federal de que os dois teriam pleno conhecimento das ações e dos métodos de investigação da Kroll.
A procuradora elencou sete crimes que, segundo ela, poderiam ser atribuídos à Kroll, entre eles os de crimes contra a paz pública, contra a liberdade individual, contra o sigilo de informações bancárias e contra a administração pública. O inquérito que apura o caso está sob segredo de Justiça, e, até agora, não eram conhecidos os motivos que levaram a Polícia Federal a efetuar as buscas. A representação feita pelo Ministério Público revela importantes fatos até agora desconhecidos.

Servidores públicos
Segundo o documento, a Kroll se relacionou com integrantes do poder público usando servidores e ex-servidores para ter acesso a informações confidenciais e, ainda, aproximando-se de autoridades diversas para conseguir o respeito do cliente -no caso, o Opportunity e a Brasil Telecom-, "aparentando influência que não tinham, embora quisessem".
Para sustentar a afirmação e convencer o juiz da necessidade da busca e apreensão de documentos, a procuradora disse que os funcionários da Kroll Tiago Verdial e Bill Goodall (o primeiro esteve preso por dez dias em julho, e o segundo é dado como foragido) contataram dois procuradores federais que integram a força-tarefa do caso Banestado (que investiga remessas ilegais de dinheiro para o exterior). Na busca de aproximação, teriam oferecido aos procuradores informações sobre o ex-presidente da Parmalat Gianni Grisendi e sobre o empresário Naji Nahas.
Uma das buscas efetuadas pela PF se deu na casa do ex-funcionário do Banco Central Arlindo Ferreira, em Ribeirão Preto (SP), porque haveria indícios de que ele obtinha dados protegidos por sigilo bancário do BC e os repassava à Kroll. O Ministério Público, no entanto, não especificou que informações ele teria passado.
A PF, segundo se depreende do documento, desconfia de que o ex-funcionário do BC receba as informações de funcionários que estão na ativa, mas, segundo a representação feita pelo Ministério Público à Justiça, ainda foi localizado o elo atual dentro do BC.
Outro suposto contato da Kroll com servidores públicos seria Antonio José Carneiro, do Rio de Janeiro. A Polícia Federal apreendeu documentos na casa dele, na Tijuca (zona norte), e no escritório da Empresa Nacional de Análises Comerciais, no centro do Rio, de sua propriedade.
Segundo o Ministério Público Federal, ele fornecia informações fiscais à Kroll, "mas ainda não se sabe qual o servidor da Receita Federal que, porventura, o abastecia com os dados".
Pelo texto da procuradora, vê-se que a investigação policial sobre o caso Kroll ainda engatinha. Na parte do documento relativo às suspeitas de envolvimentos de funcionários públicos, consta que "Vicente de tal receberia dinheiro da Kroll para fornecer informações sobre dados telefônicos [informações cadastrais e histórico de chamadas]".

Hierarquia
A parte mais detalhada do documento do Ministério Público Federal é a que descreve a relação entre os funcionários da Kroll na investigação encomendada pela Brasil Telecom e que foi batizada de Operação Tóquio. O principal objetivo da investigação encomendada à Kroll era levantar informações que comprovassem conduta irregular da Telecom Italia, acionista da Brasil Telecom ao lado do Opportunity.
Em vários trechos do documento, a procuradora refere-se à Kroll como "Orcrim", que vem a ser a forma como a PF se refere às organizações criminosas.
A procuradora Anamara Sordi disse que havia uma relação hierárquica entre as pessoas envolvidas na investigação. Segundo ela, havia três níveis hierárquicos: os chefes, os intermediários (investigadores) e os subcontratados ou terceirizados. No topo, segundo ela, estariam Charles Carr, representante da Kroll em Milão (Itália), Omer Erginosoy (representante da Kroll em Londres), Eduardo Gomide, Eduardo Sampaio e Vander Giordano, executivos da Kroll no Brasil.
Segundo o documento, as pessoas envolvidas usavam códigos para se referir aos clientes e contratantes. Os subcontratados eram orientados a fazer os contatos com os investigados fora da Kroll, para "isentar a estrutura operacional" da empresa.


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