São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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Crise ameaça interromper melhora nas contas públicas

Governo terá dificuldade em cumprir previsões de redução no déficit do INSS e na dívida

Folha de pagamentos do funcionalismo superará os 5% do PIB pela primeira vez desde 1995 se o crescimento for inferior a 3% em 2009


GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A esperada desaceleração da economia brasileira já ameaça interromper a melhora dos principais indicadores das contas públicas em 2009, além de explicitar os custos da política de expansão de gastos da União conduzida no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto as projeções de crescimento econômico no próximo ano caminham dos 5% originalmente prometidos pelo governo para os menos de 3% esperados entre os analistas de mercado, torna-se mais difícil cumprir as previsões orçamentárias de redução do déficit da Previdência Social e da dívida pública, ambos medidos como proporção do PIB (Produto Interno Bruto).
Fica também esvaziado o discurso petista destinado a minimizar o impacto do pacote de reajustes salariais generalizados concedido neste ano ao funcionalismo, cujo argumento principal tem sido sustentar que os gastos de pessoal, em relação ao PIB, ainda são inferiores aos deixados pelo tucano Fernando Henrique Cardoso em 2002.
Os dados do projeto de Orçamento de 2009, ainda em discussão no Congresso, são suficientes para pôr em xeque a expectativa de reduzir pelo terceiro ano consecutivo o déficit do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), ou seja, a diferença entre as contribuições pagas por trabalhadores e empregadores e os pagamentos de aposentadorias, pensões e outros benefícios.
Graças ao período de bonança iniciado em 2007, o déficit caiu de 1,8%, no último ano do primeiro governo Lula, para 1,31% do PIB esperado neste ano. Mesmo com o envelhecimento da população e os reajustes do salário mínimo acima da variação dos preços, os aumentos do PIB e da massa salarial (que compreende a quantidade de empregos e a renda dos trabalhadores) garantiram mais arrecadação e um déficit mais baixo -e permitiram ao governo adiar um debate politicamente explosivo sobre a reforma do sistema.
Na primeira versão do Orçamento, elaborada em agosto, a estimativa de alta do PIB já havia caído dos 5% fixados pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para 4,5%. Em revisão enviada ao Congresso no final de novembro, a previsão do Executivo caiu para 4%, enquanto o aumento calculado para a massa salarial passou de 14,08% para 12,95%.
Mesmo mais otimistas que as expectativas do mercado, os indicadores são suficientes para praticamente inviabilizar a desejada queda do déficit para 1,28% do PIB. Como a arrecadação da Previdência é diretamente proporcional à massa salarial, só a frustração de receita pode elevar o déficit a algo como 1,34% do PIB.
A segunda maior despesa federal, depois dos benefícios previdenciários, também mostrará piora. Se o crescimento econômico ficar mesmo abaixo de 3%, a folha de pagamentos do funcionalismo, de R$ 155,3 bilhões no ano que vem, superará os 5% do PIB, teto que não é ultrapassado desde 1995.

Dívida
Resultado do melhor momento da economia mundial desde a década de 70, a recuperação brasileira também tem permitido, desde 2004, uma trajetória contínua de redução da dívida pública em relação ao PIB -ainda que, no período, o governo não tenha deixado de gastar acima de suas receitas.
Aumentando menos que a produção nacional de bens e serviços, a dívida deixou o patamar de pouco mais de 50% do PIB dos anos FHC para os cerca de 38% projetados para este final de ano. Para o ano que vem, porém, não apenas o PIB crescerá menos: os gastos com juros subirão, e o governo já anunciou a disposição de atenuar o aperto fiscal.
Nas contas da consultoria LCA, criada pelo hoje presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a dívida poderá cair de 38,6% para 37,7% do PIB com um crescimento econômico de 3%. Em um cenário adverso, que para a empresa tem 30% de chance de se materializar, a economia cresceria apenas 1,9% e a dívida não cairia.
Para Luiz Fernando Lopes, economista do Pátria Investimentos, a dívida tende a ficar estável em relação ao PIB, com variações de casas decimais, mantido um crescimento econômico médio de 3% entre 2009 e 2010. No ponto médio das projeções dos analistas de mercado, um crescimento esperado de 2,8% levaria a dívida a uma queda modesta, de 38,45% para 38% do PIB.
Nem nos cenários mais pessimistas, porém, trabalha-se com o risco de uma disparada da dívida pública como a de dez anos atrás, no colapso do Plano Real, quando houve um aumento de quase 15% da relação dívida/PIB em um ano. De lá para cá, houve uma mudança crucial: o governo passou de devedor a credor em dólar, e a alta da moeda americana reduz a dívida, ao invés de elevá-la.
"O grande risco, que era o câmbio, foi quebrado em 2006 [quando as reservas cambiais superaram a dívida externa]", diz Bráulio Borges, da LCA. Por esse raciocínio, a dívida só dispararia se o Banco Central vendesse algo como US$ 140 bilhões, mais de 70% das reservas, na tentativa de conter a alta do dólar. Para Lopes, isso não acontecerá: "O BC já deixou claro que não torrará reservas, mesmo que o dólar cause alguma inflação".


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