São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

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NOVO COMANDO

Presidente do BC elogia antecessor, diz que manterá metas de inflação e contratos; Palocci prega mudanças

Meirelles assume BC com discurso "antigo"

Lula Marques/Folha Imagem
O novo presidente do BC, Henrique Meirelles, recebe os cumprimentos do ministro Antonio Palocci (esq.) e de Armínio Fraga (dir.)


GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao final da cerimônia de transmissão do cargo ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em que mais uma vez foi reiterada a continuidade das políticas do antecessor, Armínio Fraga, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) interveio para enfatizar que o novo governo tem "visões diferentes de mundo, projetos diferentes de país".
Na soma dos discursos dos três protagonistas da cerimônia estiveram presentes as principais contradições e dúvidas que cercam o governo Luiz Inácio Lula da Silva: o abandono da pregação de "ruptura" na economia, a surpreendente adesão a teses do governo passado e, ao mesmo tempo, a promessa de um "novo modelo" ainda pouco explicado.
Armínio -que Palocci cogitou manter no posto, mas foi vetado por Lula- fez uma defesa enfática de sua gestão e do presidente Fernando Henrique Cardoso, combinada a uma crítica do discurso de campanha da oposição hoje no poder.
"Por um certo tempo, passou-se para a sociedade a visão de que era preciso uma ruptura total com o modelo anterior. Essa visão teve um papel determinante no desenrolar da crise de confiança e crédito que assolou o país em 2002."
Mas, disse Armínio, "felizmente prevaleceram o bom senso e a experiência" -personificados, como deixou claro, nas escolhas de Palocci e de Meirelles e na permanência de sua "fantástica diretoria", distribuída ao lado dos três no palco do auditório do BC.
O próprio ex-presidente do BC, que chegou ao cargo debaixo de ataques do PT à sua ligação com o sistema financeiro global, se encarregou de formatar uma plataforma de mudanças: "A sociedade quer e merece mais. Para tanto, será preciso consolidar os avanços já obtidos e definir uma nova agenda de reformas".

"Conforto" com Lula
Se Armínio esteve à vontade para lembrar cada marca de sua gestão agora encampada por seus ex-críticos, Meirelles retomou as juras de austeridade, controle da inflação, autonomia do BC e respeito aos contratos.
"Vamos honrar as leis do país e os acordos internacionais. Não haverá aventuras", disse, contribuindo para mais um dia de queda das cotações do dólar.
Ex-presidente mundial do BankBoston, Meirelles falou como um homem de mercado transmitindo uma mensagem tranquilizadora: "Posso lhes assegurar que a minha experiência me deixa confiante com o que vejo no governo do presidente Lula. O Brasil está no caminho certo".
Disse ter acompanhado, "com cuidado e por dever de ofício", a trajetória de Lula e do PT desde a campanha presidencial de 1989, com um "crescente conforto no relacionamento pessoal". "O meu nível de conforto tem aumentado a cada reunião de que participo, com os pronunciamentos e primeiras decisões tomadas pelo ministro Palocci, pelos colegas de ministério e pelo presidente."
Meirelles apontou "a competência, a seriedade e o senso patriótico" de Armínio e defendeu o princípio básico da gestão de seu antecessor, segundo o qual a única missão do BC é a estabilidade de preços -uma tese criticada pelo PT até as eleições.
Palocci, que encerrou a cerimônia, foi o único a falar de improviso. Em oito minutos de discurso, além dos cumprimentos protocolares aos presentes e dos elogios a Armínio e a Meirelles, mencionou quatro vezes, direta e indiretamente, diferenças entre o antigo e o atual governo -sem detalhes.
Ao elogiar a conduta de Armínio na transição de governo, Palocci disse que não o constrangia o fato de terem "visões diferentes de mundo, projetos diferentes de país". As divergências, argumentou, são saudáveis: "A construção de um Brasil melhor pressupõe que saibamos respeitar as diferenças e, mais do que respeitá-las, construir com elas as coisas melhores para o nosso futuro".
"Aqueles que estão acostumados à idéia de que o debate só se dá entre idéias no branco e idéias no preto, ações A ou ações B, muitas vezes não conseguem perceber a riqueza do pensamento que existe em nosso país", continuou o ministro, que combinou petistas, liberais e remanescentes do governo FHC em sua equipe.

Metas
Meirelles sinalizou ontem que as metas de inflação serão mantidas, mas com uma tolerância de prazo maior. Oficialmente, a instituição deveria buscar um IPCA de 4% neste ano, com variação de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo.
"O BC perseguirá uma trajetória de convergência para as metas de inflação, levando em conta que esta não se dará de forma instantânea", disse. "Em todo o mundo, é prática comum entre os bancos centrais diluir a convergência da inflação corrente às metas em um período mais longo que um ano."
Na prática, isso significa que a meta, mesmo desacreditada, não precisa ser elevada em razão das previsões do mercado apontando uma inflação de 11% neste ano. Basta definir que a taxa desejada é um objetivo a ser atingido dentro de, por exemplo, 18 meses.
Não há novidade nessa saída. Sob a gestão de Armínio Fraga, o BC desistiu de cumprir as metas de inflação em 2001 e 2002, explicando que a trajetória buscada originalmente seria retomada a longo prazo.


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