|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Do discurso à prática
PAULO RABELLO DE CASTRO
O discurso de posse de um
presidente é, por antecipação, sua carta-testamento. Diz
das suas intenções maiores, ainda
que não as consiga cumprir depois.
O discurso do presidente Lula
não fugiu à regra. Mas com uma
peculiaridade: falou mais alto pelo que não disse. Não pregou, por
exemplo, a dicotomia "rico versus
pobre" tão cara à verbalização do
Partido dos Trabalhadores por
anos a fio. Pelo contrário, ressaltou o mal da carga tributária excessiva, quando poderia ter usado
a mesma frase para cobrar a taxação ainda mais forte sobre "os
ricos".
Tampouco disse que a "comida
é para os brasileiros", na cadência
convencional e antagonista às exportações, como se essas fossem o
esbulho do chamado "mercado
interno". Pelo contrário. Nenhuma tese no discurso de Lula foi
mais afirmativa que a atenção às
exportações, primeiro para diminuir a reconhecida vulnerabilidade financeira externa e, em seguida, por reconhecer que esse esforço exportador é sumamente gerador de renda e empregos, prioridade "obsessiva" do novo governo.
Não quis Lula, assim também,
rever as "perdas internacionais"
ou os contratos de empréstimos
externos "ruinosos", ou as "alianças espúrias" com o capitalismo
globalizado. Nem muito menos
no plano interno pretendeu defender as "conquistas sociais"
contidas na vigente legislação do
trabalho e nos atuais regimes de
previdência. Para espanto de um
imaginário viajante que retornasse ao país depois de longo período de afastamento, aqui teria
encontrado um presidente de esquerda defendendo, com argumentos criteriosos, a completa revisão da antiquada CLT e a reforma profunda dos regimes previdenciários injustos.
Portanto Lula fez um discurso
de peso e significado históricos
-não só pelo passado, que denunciou, como também pelo presente e pelo futuro, agora projetados conforme um ideário de continuidade nas mudanças encetadas na era FHC, por mais que aos
novos governantes abomine a
perspectiva de apenas sequenciar
o período conhecido como "neoliberal".
Pois é. O que ficou registrado no
discurso de posse é o ideário de
um governo criterioso e corajoso,
mais interessado em acertar de
verdade do que em reafirmar sua
coerência com as próprias incoerências do seu pensamento oposicionista.
No governo, Lula não pretende
ser oposição, mas, sim, administrar. É a atitude correta, a única
compatível com os desafios à frente do PT e de seus aliados.
Conseguimos destacar no discurso presidencial, já pelo que disse, cinco pontos capitais ao ideário do novo governo:
1) distribuição pela boca (fim
da fome)
2) reforma agrária produtiva
3) revolução pelo capital humano
4) modelo de crescimento baseado em poupança interna
5) reformismo das "leis sociais".
Tais ênfases de políticas públicas teriam sido totalmente aprovadas pelo saudoso professor
T.W. Schultz, da Universidade de
Chicago, e grande mentor, naquela escola, das teses sobre o capital humano, a economia da família e o desenvolvimento pela
educação. Aliás, foram essas, precisamente, as teses defendidas pelo professor Schultz numa série de
conferências que proferiu no Brasil em 1981, quando para cá o
trouxemos, pouco tempo após haver recebido o Prêmio Nobel de
Economia por suas contribuições
notáveis ao entendimento da
"economia da pobreza". Schultz,
como Lula, fazia questão de pisar
no barro, pois considerava essencial visitar os lugares, conversar
com as pessoas, entender profundamente o objeto de suas preocupações e pesquisas. Qualquer semelhança com a programada visita de Lula a Guaribas (PI) nesta
semana não seria mera coincidência.
Mas a cura da doença não é
produzida apenas pela visita cordial do médico. É essencial o diagnóstico e imperativa a correta terapêutica. É preciso passar do discurso à prática. E isso exige técnicas adequadas para que resultados palpáveis sejam obtidos no
campo social. A pobreza é como
uma areia movediça. Não dá para entrar nela na tentativa de resgatar quem caiu lá dentro. É preciso puxar com corda, ou pau, a
partir de um ponto de apoio firme. E esse ponto de apoio firme
simplesmente ainda não existe. A
economia brasileira continuará
crescendo devagar demais este
ano, com altas taxas de risco percebido, altos "spreads" e indecentes taxas de juros, principalmente
se a insistência for -como parece
ser- a de meramente dar continuidade ao insustentável ciclo de
endividamento crescente como
forma de financiamento do Estado brasileiro. Sobre esse tema central -um definitivo encontro das
contas do setor público, este sim o
grande propagador da miséria
brasileira- infelizmente o discurso presidencial calou-se. De
modo que resultará bizarro ver
um presidente sincero e bom tentando debelar pela boca uma fome que continuará crescendo pelo bolso.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
Texto Anterior: Juro cai com mais exportação, diz Alencar Próximo Texto: Banco público: Jorge Mattoso é confirmado na CEF Índice
|