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OPINIÃO ECONÔMICA
Um passo na direção certa
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
No Brasil são muito raras
as oportunidades de elogiar
o governo. Quando aparece alguma, é preciso agarrar-se a ela como o náufrago ao último destroço.
O Banco Central anunciou anteontem uma política de intervenção no mercado cambial e
acumulação de reservas. Em nota
oficial, o banco informou que realizará compras de divisas com o
objetivo de "promover a gradual
recomposição das reservas internacionais do país".
Aleluia! A conveniência dessa
medida era evidente há muito
tempo. Durante boa parte do ano
passado, reinou uma certa confusão sobre o tema. Integrantes da
equipe econômica, e até o presidente da República, recusavam as
intervenções no mercado sob o argumento espantoso de que "câmbio flutuante é para flutuar", como se o regime cambial brasileiro
pudesse ser a flutuação pura de livro-texto.
Em meados do ano passado,
numa das ocasiões em que estive
com o ministro Palocci, perguntei-lhe: "Afinal, o que impede o
governo de comprar reservas?".
Resposta do ministro da Fazenda:
"O meu receio é indicar que temos uma meta para a taxa de
câmbio". Fiquei perplexo.
O receio era infundado, como
agora reconhece o Banco Central.
É perfeitamente possível realizar
intervenções no mercado cambial, comprando ou vendendo
moeda estrangeira, sem se comprometer com qualquer piso ou
teto para a taxa de câmbio.
Alguma recuperação das reservas já vem ocorrendo desde meados de 2003. As reservas brutas
aumentaram de US$ 38 bilhões
em fins de 2002 para US$ 49 bilhões no final da semana passada. Porém a maior parte dessas
reservas brutas corresponde a empréstimos do FMI. As reservas internacionais líquidas do Brasil
são muito inferiores e aumentaram de forma menos significativa, passando de US$ 14 bilhões
em dezembro de 2002 para US$ 17
bilhões em dezembro de 2003.
Esse modesto nível de reservas
próprias é uma das principais razões da vulnerabilidade brasileira. Como se sabe, o estoque de ativos de liquidez internacional de
um país é a primeira linha de defesa em momentos de dificuldade.
Atravessamos atualmente uma
fase de calmaria. Mas ela pode
acabar muito rapidamente, como
vimos tantas vezes nos últimos
dez anos.
Diversos outros países em desenvolvimento dispõem de reservas muito maiores do que as nossas, como evidenciam dados referentes aos meses finais de 2003. A
China ostentava nada menos que
US$ 384 bilhões, sem contar os
mais de US$ 110 bilhões de Hong
Kong. Taiwan possuía US$ 203
bilhões. A Coréia do Sul, US$ 143
bilhões. Cingapura, US$ 94 bilhões. A Índia, US$ 92 bilhões. A
Rússia, US$ 64 bilhões.
Todos esses países ampliaram
substancialmente o seu estoque
de divisas em 2003. Adotaram a
política de comprar reservas para
evitar a apreciação de suas moedas e manter as suas taxas de
câmbio em níveis competitivos.
O Brasil seguiu o caminho contrário. Não reforçou as suas reservas próprias suficientemente e
permitiu que a conjuntura de liquidez internacional abundante
produzisse uma apreciação exagerada do real em relação a moedas estrangeiras. Segundo cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, entre
novembro de 2002 e novembro de
2003, a moeda brasileira acumulou uma valorização real de 25%
em relação ao dólar e de 18% em
relação a uma cesta de 13 moedas, quando se utilizam índices
de preços ao consumidor como
deflatores.
Mas e o grande superávit comercial de 2003? Não prova que a
taxa de câmbio está em nível adequado? Não. Esse resultado foi alcançado com a economia em recessão ou estagnada. O superávit
comercial foi espetacular, mas o
desemprego também. Com a economia crescendo a taxas razoáveis, de 4% ou 5% pelo menos, a
demanda por importações aumentaria, diminuiriam os excedentes exportáveis e o saldo da
balança comercial seria muito
menor.
Além disso, sempre há defasagem entre a variação da taxa de
câmbio real e os seus efeitos sobre
os fluxos de exportação e importação. O resultado excepcional de
2003 refletiu a grande depreciação cambial de 2002. É provável
que a apreciação cambial de 2003
se faça sentir nos números de
2004.
Por essas e outras razões, é fundamental que a política de acumulação de reservas seja implementada sem demora e com firmeza. Se isso ocorrer, o governo
poderá alcançar dois objetivos
importantes ao mesmo tempo.
Reforçará as defesas externas do
país, reduzindo o risco de que sejamos atingidos por novas turbulências financeiras. E induzirá alguma depreciação do real, colocando a taxa de câmbio em nível
mais competitivo e compatível
com a retomada do crescimento
econômico ao longo dos próximos
anos.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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