São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um passo na direção certa

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No Brasil são muito raras as oportunidades de elogiar o governo. Quando aparece alguma, é preciso agarrar-se a ela como o náufrago ao último destroço.
O Banco Central anunciou anteontem uma política de intervenção no mercado cambial e acumulação de reservas. Em nota oficial, o banco informou que realizará compras de divisas com o objetivo de "promover a gradual recomposição das reservas internacionais do país".
Aleluia! A conveniência dessa medida era evidente há muito tempo. Durante boa parte do ano passado, reinou uma certa confusão sobre o tema. Integrantes da equipe econômica, e até o presidente da República, recusavam as intervenções no mercado sob o argumento espantoso de que "câmbio flutuante é para flutuar", como se o regime cambial brasileiro pudesse ser a flutuação pura de livro-texto.
Em meados do ano passado, numa das ocasiões em que estive com o ministro Palocci, perguntei-lhe: "Afinal, o que impede o governo de comprar reservas?". Resposta do ministro da Fazenda: "O meu receio é indicar que temos uma meta para a taxa de câmbio". Fiquei perplexo.
O receio era infundado, como agora reconhece o Banco Central. É perfeitamente possível realizar intervenções no mercado cambial, comprando ou vendendo moeda estrangeira, sem se comprometer com qualquer piso ou teto para a taxa de câmbio.
Alguma recuperação das reservas já vem ocorrendo desde meados de 2003. As reservas brutas aumentaram de US$ 38 bilhões em fins de 2002 para US$ 49 bilhões no final da semana passada. Porém a maior parte dessas reservas brutas corresponde a empréstimos do FMI. As reservas internacionais líquidas do Brasil são muito inferiores e aumentaram de forma menos significativa, passando de US$ 14 bilhões em dezembro de 2002 para US$ 17 bilhões em dezembro de 2003.
Esse modesto nível de reservas próprias é uma das principais razões da vulnerabilidade brasileira. Como se sabe, o estoque de ativos de liquidez internacional de um país é a primeira linha de defesa em momentos de dificuldade. Atravessamos atualmente uma fase de calmaria. Mas ela pode acabar muito rapidamente, como vimos tantas vezes nos últimos dez anos.
Diversos outros países em desenvolvimento dispõem de reservas muito maiores do que as nossas, como evidenciam dados referentes aos meses finais de 2003. A China ostentava nada menos que US$ 384 bilhões, sem contar os mais de US$ 110 bilhões de Hong Kong. Taiwan possuía US$ 203 bilhões. A Coréia do Sul, US$ 143 bilhões. Cingapura, US$ 94 bilhões. A Índia, US$ 92 bilhões. A Rússia, US$ 64 bilhões.
Todos esses países ampliaram substancialmente o seu estoque de divisas em 2003. Adotaram a política de comprar reservas para evitar a apreciação de suas moedas e manter as suas taxas de câmbio em níveis competitivos.
O Brasil seguiu o caminho contrário. Não reforçou as suas reservas próprias suficientemente e permitiu que a conjuntura de liquidez internacional abundante produzisse uma apreciação exagerada do real em relação a moedas estrangeiras. Segundo cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, entre novembro de 2002 e novembro de 2003, a moeda brasileira acumulou uma valorização real de 25% em relação ao dólar e de 18% em relação a uma cesta de 13 moedas, quando se utilizam índices de preços ao consumidor como deflatores.
Mas e o grande superávit comercial de 2003? Não prova que a taxa de câmbio está em nível adequado? Não. Esse resultado foi alcançado com a economia em recessão ou estagnada. O superávit comercial foi espetacular, mas o desemprego também. Com a economia crescendo a taxas razoáveis, de 4% ou 5% pelo menos, a demanda por importações aumentaria, diminuiriam os excedentes exportáveis e o saldo da balança comercial seria muito menor.
Além disso, sempre há defasagem entre a variação da taxa de câmbio real e os seus efeitos sobre os fluxos de exportação e importação. O resultado excepcional de 2003 refletiu a grande depreciação cambial de 2002. É provável que a apreciação cambial de 2003 se faça sentir nos números de 2004.
Por essas e outras razões, é fundamental que a política de acumulação de reservas seja implementada sem demora e com firmeza. Se isso ocorrer, o governo poderá alcançar dois objetivos importantes ao mesmo tempo. Reforçará as defesas externas do país, reduzindo o risco de que sejamos atingidos por novas turbulências financeiras. E induzirá alguma depreciação do real, colocando a taxa de câmbio em nível mais competitivo e compatível com a retomada do crescimento econômico ao longo dos próximos anos.


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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