São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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BC não mata regime, diz economista

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O economista José Júlio Senna, 57, sócio-diretor da MCM Consultores Associados, afirma que a decisão do Banco Central de comprar dólares para recompor as reservas não fere de morte o regime de câmbio flutuante.
Segundo ele, as circunstâncias atuais justificam a decisão. O nível de reservas do Brasil é muito baixo. O problema, no entanto, é que esse movimento irá gerar aumento da dívida pública. "Não se acumula reservas sem custos."
 

Folha - O Banco Central mudou a política cambial?
José Júlio Senna -
Não vejo motivo maior para esse tipo de apreensão. O Banco Central está apenas dando continuidade ao que já estava sendo feito pelo Tesouro. Agora será adotada uma sistemática de compra de dólar um pouco mais saudável, já que será mais transparente e por meio de leilões.
É evidente que todo regime de câmbio flutuante faça jus ao nome. Ou seja, que o preço da divisa flutue realmente. Em alguns momentos, no entanto, as circunstâncias obrigam a não adotá-lo em sua forma mais pura. Uma intervenção aqui e ali se impõe algumas vezes.
É fundamental, porém, que essas intervenções sejam feitas sem ferir mortalmente o espírito do regime de câmbio flutuante. Como o Banco Central garantiu que não haverá uma meta para acúmulo de reservas e também não será definido um preço a se perseguir para a taxa de câmbio, a sensação é que, de fato, o Banco Central não irá estabelecer um cabo de guerra com o mercado.
O Banco Central não vai, assim, se empenhar para ter um câmbio fixo. Se assim o fizesse estaria ferindo mortalmente o regime de câmbio flutuante. Não me parece, portanto, que a gente esteja diante de uma forma de intervenção nefasta para o Brasil. Tanto que o mercado reagiu favoravelmente.

Folha - Por que o Banco Central decidiu intervir no mercado?
Senna -
Nós começamos o ano passado com o risco-país em mais de 1.000 pontos, e terminamos em 500 pontos. Foi uma redução brutal. É impossível que um movimento de prêmio de risco dessa ordem deixe de ter impacto expressivo sobre a taxa de câmbio.
Num país como o Brasil, câmbio é sinônimo de risco. Para onde vai o risco costuma ir a taxa de câmbio. De abril do ano passado até o início deste ano, o risco continuou em queda, mas a taxa de câmbio se estabilizou num patamar pouco acima de R$ 2,90.
Por quê? Isso foi resultado da decisão do Tesouro de comprar dólares no mercado de forma antecipada para fazer frente a seus compromissos externos. Essa intervenção impediu que a queda do prêmio de risco Brasil tivesse mais impacto ainda sobre a taxa de câmbio.
O que quero mostrar é que as intervenções já estavam em curso e o anúncio de anteontem do Banco Central apenas muda a forma de intervenção.
Se não tivesse havido essa intervenção por parte do Tesouro, o câmbio poderia estar hoje num patamar de R$ 2,60 ou R$ 2,70. A intervenção impediu uma "apreciação exagerada" da moeda nacional.
O Brasil tem hoje um nível muito baixo de reservas líquidas, de US$ 17,4 bilhões. Há três anos, as reservas estavam em torno de US$ 33 bilhões, um número muito mais adequado para a situação externa. Esses US$ 17,4 bilhões de reservas representam apenas cerca de 30% das importações anuais do Brasil. É muito pouco. A recomposição das reservas é um movimento saudável.

Folha - O processo de acumulação de reservas não gera pressão sobre a dívida pública?
Senna -
O Brasil não produz dólar, e acumulação de divisas envolve custos. O país terá de se endividar. Uma das formas é lançar bônus no exterior. A segunda maneira é o Banco Central comprar dólar no mercado, o que expande a oferta monetária.
Para que a oferta monetária não se expanda e produza efeitos indesejáveis, o governo terá de vender títulos públicos, o que aumenta a dívida pública.

Folha - Haverá um piso para a intervenção do Banco Central?
Senna -
Essa impressão pode existir sim, já que o Banco Central fez o anúncio da medida quando o câmbio estava numa faixa de R$ 2,85, quando no ano passado se estabilizou em R$ 2,93.
O mercado pode entender que um número abaixo dessa faixa pode não ser bom para o Banco Central. Não é ruim essa imagem do piso.


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