São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Além da política monetária

ALOIZIO MERCADANTE

Existem cerca de 20 países que adotam o regime pleno de metas de inflação -desde desenvolvidos como Nova Zelândia e Inglaterra até emergentes como Chile e México. Os defensores dessa política alegam que ela resulta em menor volatilidade do produto e em maior resistência a choques adversos. Outros não encontraram em seus estudos nenhuma vantagem em relação às políticas ad hoc, mas também nenhuma desvantagem. Parece haver, segundo esses autores, um ganho em termos da transparência e previsibilidade da política monetária.
Mas, se um país como os Estados Unidos pode adotar um regime eclético de metas de inflação, o que preserva sua flexibilidade para sustentar as taxas de crescimento, o Brasil, no momento, não pode e deve aprender a operar o regime de metas com arte e sem dogma. Alguns países, como a Nova Zelândia e o Canadá, estão nesse regime há mais de uma década e ainda debatem sua eficácia.
Há regras para operar a política de metas e muitas delas representam evoluções do Banco Central brasileiro: a agenda prévia de reuniões do Copom, as notas de imprensa e atas de suas reuniões, o relatório de inflação, os artigos dos diretores e da equipe técnica (lamentavelmente, alguns apenas em inglês), a disponibilização ampla de dados no seu portal da internet.
O BC tem autonomia de fato na operação da política monetária, já que cabe ao CMN (Conselho Monetário Nacional) estabelecer as metas e a ele as ações para concretizá-las.
Em que ritmo as metas devem ser realizadas? Qual é a inflação considerada como mínimo admissível? O que fazer na situação de choques de oferta? Deve-se explicitar apenas uma meta, a de inflação? Deve-se operar com metas não-explícitas, como as cambiais? A demanda agregada é relevante apenas para avaliar as pressões sobre a inflação ou deve ser o objetivo? O BC deve apenas sancionar as expectativas do mercado ou deve surpreendê-lo, para fazer uma política monetária de qualidade?
Essas são questões centrais em um debate maduro sobre a política monetária do país. Se Mr. Greenspan não tem por que querer o regime de metas de inflação, nós temos por que buscar tornar o nosso mais adequado às necessidades do crescimento com estabilidade.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que a política monetária não é suficiente para tratar da estabilidade dos preços. Pode ser efetiva, mas, como se sabe há décadas, a um custo social elevadíssimo. A política de desinflação deve incluir outros instrumentos, mais adequados para uma sintonia fina da trajetória dos preços. Não se trata de violentar os mercados, mas de saber que eles são, no mínimo, imperfeitos e freqüentemente controlados por grupos econômicos poderosos e oligopolizados. E isso demanda um Estado atento.
Em 2003, os preços de alguns complexos produtivos subiram de forma dramática. Foi o caso do milho, do cacau, do papel, do aço e dos fármacos, entre outros. Inicialmente houve uma relação direta com a rápida desvalorização do real ao final do governo Fernando Henrique. O dólar subiu, os juros subiram, as commodities subiram, logo o choque de custos foi significativo. Previsível, portanto, o crescimento dos preços.
Mas pasmem: em 2003, o dólar caiu e está na cotação de 18 meses atrás, os juros nominais são os menores em três anos e os salários reais caíram 12%. E os preços desses complexos? Muito acima dos valores de 2002.
Veja-se o caso do complexo do milho.

Enquanto o preço da saca de 60 quilos de milho recuou em cerca de 14%, o preço das aves subiu 12%, o dos ovos, 24% e o do presunto cozido, 58%. Algo não está certo nas curvas de oferta e de demanda.
Mas, mesmo que a criatividade dos analistas econômicos justifique essa distorção, a questão é que a política monetária tem pouco efeito sobre esses fenômenos. E, sem pretendê-lo, a recessão pode voltar.
Portanto temos de acionar outros instrumentos, inclusive estruturais, que sustentam resultados a longo prazo: estoques reguladores, tarifas de importação, crédito dirigido, política de estímulo à produtividade em setores críticos, estímulo à logística de transporte adequada, estímulos fiscais, política anticartéis, regulação setorial, acordos internacionais de abastecimento estratégico e campanhas antidesperdício, entre outros.
A política monetária é um instrumento elegante de regulação, mas é apenas metade da missa. É preciso colocar as mãos à obra e fazer a dura tarefa de construir uma política deflacionista ampla, o que exige sair dos gabinetes e dialogar com o mundo real, que é tudo, menos afeito a se subordinar aos modelos acadêmicos.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br

E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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