São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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CONCORRÊNCIA

Para analistas, regras claras e não-restrição ao capital externo contribuirão para inibir a fuga de estrangeiros

Veto do Cade não deve afastar investidores

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão do Cade de bloquear a compra da Garoto pela Nestlé deverá aumentar o risco dos investimentos em fusões e aquisições no país, o que reduziria os preços dos ativos. No entanto não provocará a fuga de investidores. Tanto que as principais projeções de investimentos para 2004 estão mantidas.
Para Gesner Oliveira, sócio-diretor da consultoria Tendências e ex-presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o veto "atrai e não inibe investimentos". Um estudo de sua autoria mostra que há estreita correlação entre a lei de defesa da concorrência e os investimentos.
"As empresas transnacionais entram em mercados que têm regras claras. A Nestlé pode reclamar da decisão, mas, para ela, é melhor a existência de regras de defesa da concorrência, pois ela tem interesse em entrar em outros mercados", observa Oliveira.
Paulo Feldman, diretor da consultoria BearingPoint, também afirma que o veto do Cade à compra da Garoto pela Nestlé não deverá afetar a decisão das empresas estrangeiras de investir no país. "O Brasil é o único país que não tem restrições ao capital estrangeiro, e isso está até na Constituição, que considera nacional toda empresa com sede no Brasil", diz.
Na sua opinião, esse liberalismo levou ao desaparecimento da maioria das empresas nacionais, nas últimas décadas. "A Garoto é uma das últimas empresas locais e atua em um mercado em que somos competitivos. Creio que ela deveria ser preservada, e o ideal é que fosse comprada por um grupo nacional", defende.
Mesmo os analistas que temem algum impacto negativo da medida mantêm as projeções de crescimento do movimento de fusões e aquisições no país. Márcio Lutterbach, sócio da KPMG Corporate Finance, teme que, "se o Cade ficar muito conservador, poderá levar as empresas a não investir por meio de fusões e aquisições".
Mas, segundo ele, as projeções de negócios para este ano estão mantidas. A KPMG estima que o número de fusões e aquisições chegue a 350 neste ano -foram 230 em 2003. "O impacto da medida é sobre o volume financeiro e não sobre o número de transações, pois apenas 10% dos negócios passam pelo Cade", diz ele.
A Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica) também mantém sua projeção de entrada de US$ 15 bilhões em investimentos diretos neste ano -50% acima de 2003.
Antônio Corrêa de Lacerda, presidente da Sobeet, diz que o caso Garoto-Nestlé reflete o dilema da globalização: como ser competitivo mundialmente sem ferir a concorrência. Na sua opinião, diante dessa contradição básica, "o importante é tornar a defesa da concorrência mais ágil; temos de repensar a estrutura do Cade para que um negócio não leve dois anos para ser julgado", diz.
O impacto maior da decisão será sobre o cálculo do risco das futuras fusões e aquisições. "O Cade vai se tornar, agora, um elemento relevante na análise de risco dos investidores", diz Ivo Teixeira, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, de Brasília, especializado no assunto.
À demora na análise dos processos, que já incomodava os investidores, soma-se agora a probabilidade de que o veto, inédito, se repita. A dúvida é se a posição do Cade no caso Garoto-Nestlé sinaliza uma mudança de política do órgão ou se é um caso isolado. "Na dúvida, o risco dos negócios sobe", diz Teixeira.



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