São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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ANÁLISE

Surpreendido, Mercosul teve que sair ao ataque

DO ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA

Na interpretação da delegação canadense, um dos motivos para o impasse em Puebla foi o fato de que o Mercosul teria sido surpreendido pela proposta do G14, o grupo liderado pelos Estados Unidos e do qual faz parte o Canadá. Uma proposta com um nível de ambição muito baixo em todas as áreas de negociação, até no que é essencial em zonas de livre comércio, a redução das tarifas de importação.
A surpresa viria do fato de que, até obter, em Miami, uma configuração "light" da Alca, o Mercosul jogava na defensiva. Queria evitar abrir seu mercado em investimentos, compras governamentais e serviços, as chamadas áreas novas do comércio (em contraposição ao comércio de bens, agrícolas e não-agrícolas).
Com a nova configuração, todas as áreas novas ficaram para acordos plurilaterais não obrigatórios.
Foi a vez de o Mercosul sair da defesa ao ataque, ao apresentar uma proposta que, na descrição de Martín Redrado, negociador-chefe e vice-chanceler argentino, transformaria as Américas em uma "zona livre de tarifas de importação em 15 anos".
Mas países que, antes, eram liberalizantes (EUA, Canadá, México e Chile), passaram a jogar na retranca e vetaram a proposta, alegando que, se não havia ambição nas outras áreas, não cabia ambição em acesso a mercados (jargão para reduzir tarifas de importação).
"Não se faz uma área de livre comércio sem real abertura comercial", reclamou, na entrevista coletiva de encerramento, o chefe da delegação brasileira, o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares.
Frases parecidas foram ouvidas, em reuniões anteriores, da boca de negociadores norte-americanos, canadenses, mexicanos.
É claro que o Itamaraty nega que tenha sido surpreendido pela desambição dos parceiros. "Não é verdade. A base do documento deles já estava pronta em Miami", diz Antônio Simões, com a experiência de seis anos de negociações só na Alca. Talvez tenha razão. Mas o fato é que o Brasil e os seus parceiros do Mercosul ficaram com pouca margem de manobra para a barganha comum a qualquer negociação comercial, que os diplomatas preferem chamar de "trade off".
Para abrir mais seus mercados em bens agrícolas e não-agrícolas, o G14 exigia uma contrapartida em serviços e investimentos, principalmente. Para o Mercosul, era impossível ceder justamente nas áreas em que mais havia lutado para excluir do conjunto comum e obrigatório decidido na Ministerial de Miami.
Agora, o jogo recomeça já na sexta-feira, quando a Coalizão Empresarial Brasileira se reúne na Fiesp. Será a primeira oportunidade de tentar unificar o discurso do empresariado, francamente divergente em Puebla.
A agricultura gritou contra a desambição do Itamaraty em serviços, investimentos e compras governamentais, achando que poderiam fornecer o "trade off" pedido pelo G14. Mas o setor de serviços estava satisfeitíssimo, ao passo que a indústria se dividia conforme o grau de competitividade de seu produto.
Se sair do empresariado um discurso único, ainda será preciso unificar as posições no próprio governo, entre Itamaraty, Agricultura e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Aí pode haver mudanças na posição brasileira porque "o limite nas negociações é sempre um trabalho em andamento", como a Folha ouviu no Itamaraty. (CR)


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