São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Reunião de Puebla termina em impasse e deve ser retomada em março para tentar acordo mínimo

EUA já não cravam início da Alca para 2005

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA

Os Estados Unidos já não cravam a data de 2005 como prazo para a conclusão das negociações da Área de Livre Comércio das Américas, como previsto no calendário original.
Na entrevista coletiva de encerramento da malograda reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), Peter Allgeier, com a dupla autoridade de co-presidente do processo negociador pelos EUA e de segundo homem do comércio exterior norte-americano, disse que preferia reter seu julgamento sobre a viabilidade de 2005 até ver o conteúdo do conjunto comum e obrigatório de direitos e obrigações a ser construído pelos 34 países da Alca.
Fixar esse conteúdo era o objetivo central da 17ª reunião do CNC, realizada na cidade mexicana de Puebla. Mas a reunião terminou em absoluto impasse, embora Allgeier tenha preferido dizer que não se tratava de "um fracasso, mas de um breve recesso".
Os negociadores decidiram, de fato, chamar de recesso a interrupção da reunião, que será retomada na "primeira parte de março", segundo Allgeier, sempre em Puebla. Será de novo a edição 17, para que não se possa dizer que houve fracasso neste encontro.
A declaração conjunta dos dois co-presidentes (o outro é o brasileiro Adhemar Bahadian) explica o recesso por dois problemas:
1 - "O panorama é inteiramente novo". De fato, na Conferência Ministerial de Miami, em novembro, deu-se uma forte guinada nas negociações, dividindo-as em dois blocos.
O primeiro seria o conjunto comum e obrigatório para todos. O segundo serão acordos plurilaterais, mais ambiciosos, mas não obrigatórios.
A interpretação da delegação brasileira é a de que não houve tempo suficiente para que os 34 países absorvessem o que Allgeier chamou de "recalibração do contexto" das negociações.
2 - Essa interpretação está recolhida no documento final, que diz que "a tarefa revelou-se muito complexa". Por isso, "as delegações precisam de mais tempo", para "realizar consultas em nossas capitais e entre as delegações".
A pergunta que não obteve resposta é óbvia: o que permite esperar que, em três semanas, seja possível superar impasses que já duram meses, talvez anos?
O ponto central da discórdia (agricultura) é o que vem minando todas as negociações comerciais recentes, no âmbito global (Organização Mundial do Comércio) e no âmbito regional, como é o caso da Alca, ou das negociações entre o Mercosul e a União Européia.

Proposta
O Mercosul veio com uma proposta ambiciosa, que previa, entre outros pontos, eliminar os subsídios às exportações e contrabalançar os efeitos distorcivos ao comércio dos subsídios internos, aplicados principalmente pelos Estados Unidos.
Houve algum movimento no sentido de eliminar os subsídios às exportações, mas os EUA condicionaram-no a um "mecanismo para contrabalançar e/ou dissuadir as importações de produtos agrícolas subsidiados provenientes de países não-membros da Alca".
Traduzindo: os norte-americanos não querem que os europeus, cujos subsídios são pesados, se beneficiem da eliminação dos subsídios nas Américas.
"Não pedimos coisas impossíveis, mas houve pouca receptividade de outros países", atacou, em entrevista coletiva do Mercosul, o vice-chanceler argentino Martín Redrado, presidente de turno do Mercosul.
Mais: "São os outros que têm que se mover neste momento".
Resposta indireta de Allgeier, na coletiva dos co-presidentes: "A negociação não será bem-sucedida se só um país se mover" (referindo-se aos próprios EUA).
Redrado preferiu não "apontar dedo acusador" para país nenhum, quando a Folha quis saber quais seriam os que mostraram "pouca receptividade". Mas afirmou que "restrições domésticas estão impedindo avanços", em óbvia alusão à pressão dos produtores norte-americanos para preservar o protecionismo na área agrícola.
Retruca, com a mesma frase, Ángel Villalobos, negociador mexicano: "Pressões domésticas impediram flexibilidade", aludindo, por sua vez, ao Brasil, país tido como refratário à Alca pelo G14, o grupo liderado por Estados Unidos, Canadá, Chile, México e Costa Rica, que se opôs ao Mercosul durante a reunião de Puebla.
Vê-se, por essa troca de chumbo retórico, que há boas chances de o "recesso" transformar-se de fato em "fracasso", quando o CNC retomar sua 17ª reunião, em Puebla.
A menos que Allgeier esteja correto ao avaliar que, depois da mudança decidida em Miami, o processo entrou em uma fase de "tentativa e erro" e de avaliação de "qual a margem em que cada país pode operar".
O erro foi cometido na semana passada. Se será corrigido na nova tentativa, no próximo mês, é questão em aberto.



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