São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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ARTIGO

Novos bancos precisam surgir

NIALL FERGUSON
DO "FINANCIAL TIMES"

GRANDE REPRESSÃO seria um bom nome. A realidade que está sendo reprimida é a de que o mundo ocidental está em crise devido ao endividamento excessivo. Muitos governos têm dívidas altas demais, e o mesmo se aplica a muitas empresas e, o mais importante, aos domicílios. A melhor prova de que vivemos em negação quanto a isso é a crença de que a crise pode ser encerrada por meio da criação de ainda mais crédito.
Os EUA podem terminar com déficit público superior a 10% do PIB neste ano. Os keynesianos renascidos parecem ter se esquecido de que a receita de um estímulo fiscal financiado por meio de déficit público tinha mais chance de funcionar em uma economia fechada. Mas estamos falando de um outro mundo, onde a falta de coordenação e as práticas perdulárias dos governos têm mais chances de gerar instabilidade a promover crescimento.
Existe um caminho melhor a seguir, mas ele implica avançar na direção oposta. O objetivo não deveria ser elevar as dívidas, mas reduzi-las. Duas coisas precisam acontecer. Primeiro, os bancos efetivamente insolventes precisam ser reestruturados -um termo preferível ao antiquado "estatização".
Os acionistas existentes terão de aceitar o fato de que perderam dinheiro. Lamentável.
O governo assumirá o controle em troca de recapitalização, depois que o montante de dívidas for bastante abatido. Os detentores de bônus podem se ver forçados a aceitar conversão de dívida em capital ou redução de 20% nos papéis.
O apoio estatal à sobrevivência de dinossauros bancários moribundos é concebido para evitar o desastre de uma extinção bancária generalizada e não representa uma vitória tardia para o socialismo.
As medidas não podem impedir a formação de novos bancos pelo setor privado. Portanto, a recapitalização precisa ser um evento extraordinário, sem garantias ou subsídios governamentais duradouros. É preciso que exista um cronograma claro para uma "reprivatização", talvez em dez anos.
O segundo passo de que precisamos é uma conversão generalizada dos títulos hipotecários norte-americanos em contratos de prazo mais longo e taxas de juros mais baixas.
A ideia de modificar os termos das hipotecas choca os mais puristas por violar a santidade dos contratos. Mas há ocasiões em que o interesse público exige que respeitemos o espírito da lei mesmo que o violemos na prática.
Outra objeção é que a medida recompensaria os imprudentes. Mas o risco moral só importa caso o mau comportamento apresente risco de repetição. Não prevejo que qualquer um de nós venha a solicitar, ou receber, uma hipoteca com taxa de juros ajustável, pelo menos não por muitos anos.
A questão, portanto, é de simples justiça. Uma solução seria que as instituições de crédito hipotecário controladas e garantidas pelo governo dos EUA oferecessem a todos os devedores o mesmo acordo.
Uma redução permanente nos pagamentos mensais de hipotecas para a maioria dos domicílios americanos certamente faria mais para estimular a confiança dos consumidores do que todas as propostas do pacote de estímulo econômico, incluindo cortes de impostos.
Sem dúvida, os que sairão perdendo com essas medidas não o farão em silêncio. Mas os benefícios da estabilização macroeconômica terão peso maior que seus custos para os acionistas e detentores de títulos de bancos e para os detentores de títulos lastreados por hipotecas.
Só uma Grande Reestruturação poderá pôr fim à Grande Repressão. E ela precisa acontecer logo.


NIALL FERGUSON escreveu "The Ascent of Money: A Financial History of the World" [a ascensão do dinheiro: uma história financeira do mundo].

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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