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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Protecionismo e crise social
No abismo sem fundo da
crise, germina a hostilidade
em relação ao "outro': as
importações, o imigrante
AO LONGO do tumultuado período encravado entre a Primeira
Guerra Mundial e a vitória dos
aliados em 1945, a fúria e a desordem
dos mercados colocaram em risco as
normas de convivência e os valores
da ordem liberal capitalista. Já no final do século 19, na esteira da Segunda Revolução Industrial, a ampliação
da presença das massas trabalhadoras nas cidades e a conquista do sufrágio universal transformaram em
problemas sociais fatos que antes
eram considerados resultados da
conduta irregular dos indivíduos. A
ideia de desemprego como fenômeno social, produzido pela operação
imperfeita de mecanismos econômicos, é muito recente. Ainda no crepúsculo do século 19, o desemprego
era tomado como vagabundagem,
inabilitação ou simples má sorte.
O colapso da ordem liberal foi
acompanhado de instabilidades financeiras, monetárias e cambiais devastadoras, transmitidas por meio
dos circuitos financeiros e comerciais que articulavam as economias
nacionais. Esse intervalo histórico foi
marcado por uma reversão brutal das
convenções e das concepções que haviam prevalecido no mundo relativamente estável e próspero do liberalismo comercial inglês regulado pelo
padrão-ouro, ou seja, pela hegemonia
da libra. A defesa do espaço econômico e social das nações ganhou preeminência sobre as propaladas vantagens do livre comércio. O avanço do
protecionismo amparado em elevações de tarifas e desvalorizações
competitivas tornou-se o esporte
predileto dos governos, dos empresários e dos sindicatos. Os países envolvidos tratavam de despejar o desemprego de máquinas e homens no território do vizinho.
Na ausência de uma coordenação
global, o nacionalismo econômico
desvairado promoveu a contração do
comércio internacional. Os países
com maior abertura ao intercâmbio
externo de serviços e mercadorias sofreram mais com a contração do comércio. As grandes economias tiveram melhor desempenho com a busca da autarquia. Mas o conjunto da
obra foi desastroso.
Não por acaso, na esfera política, a
degradação da ordem liberal legitimou as aventuras totalitárias à esquerda e à direita. O coletivismo dos
anos 30 era isso mesmo: um fenômeno regressivo promovido pela dissolução dos nexos sociais regulados
pelos mercados. A crise realizou a
proeza de explicitar a violência essencial que espreita a sociedade
quando o indivíduo livre é lançado
na liberdade desamparada. Nesse
abismo sem fundo, germina a hostilidade em relação ao "outro": primeiro as importações, depois o imigrante, o estrangeiro, para culminar
na eliminação da diferença sob qualquer forma. Nas profundezas da crise, é necessário eliminar todas as diferenças e mergulhar naquilo que é
absolutamente semelhante, a totalidade uterina e intolerante da massa
informe e manipulável.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 66, é professor titular de Economia da Unicamp e presidente da Sociedade Esportiva
Palmeiras. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e
secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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