São Paulo, segunda, 8 de fevereiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA

Débora e Olegário

JOÃO SAYAD

Um casal comum: dois filhos, ele, corretor, ela, do lar. Finais de semana entre muitos amigos, férias no litoral de São Paulo e, quando o dólar era baratinho, em Miami ou Nova York.
A separação foi um escândalo. Acusaram Olegário de espancar regularmente mulher e filhos e, ainda por cima, foi indiciado em processo de estelionato na empresa em que trabalhava.
Débora bebia muito e tinha sido amante do "personal trainner" da cunhada. Depois da separação, os filhos foram morar com a tia etnóloga em Barra do Tigre, no Araguaia.
Em vida de marido e mulher, melhor não meter a colher. Nunca sabemos.
Com governo é a mesma coisa. Nas declarações públicas, artigos publicados e documentos oficiais, todos soam elegantes e neoliberais. "Liberdade, serviço público, interesse público, o mercado é democrático, não intervimos, trata-se de um processo" etc.
De repente, quando brigam e alguém sai, que surpresa! De perto, somos todos loucos.
Fulano queria intervir no mercado de dólar, ainda que custasse uma fortuna, beltrano não interveio e foi acusado de ingênuo, José é grande "operador", Paulinho é ambicioso, mas malcriado com estrangeiros, Antônio é um esperto que sempre agrada ao chefe e é tarado por juros altos.
Nunca saberemos a verdade. Sabemos apenas que, após descobrirem as decisões erradas, organizações humanas sem direção funcionam de forma muito esquisita. Bilhões de dólares, milhares de empregos e o interesse público passam a depender apenas da rivalidade, inveja e violência que inundam todos os gabinetes.
Estaria otimista se estivéssemos iniciando uma nova fase. Se as autoridades dissessem: o novo caminho é aumento da produção de exportáveis e de importáveis porque a nova taxa cambial será mais alta. Tanto mais alta quanto for necessário para que exportemos mais, importemos menos e gastemos menos no exterior.
A taxa de juros doméstica está fixada em 40% ao ano, pois o FMI quer que, cada vez que o câmbio suba, o Banco Central aumente os juros.
Se realmente tivéssemos aprendido com os erros do passado, não nos incomodaríamos com o câmbio alto. E poderíamos baixar os juros. Bastaria isso para voltarmos a ser felizes.
Mas o governo insiste em acusar especuladores, a Rússia, os aposentados, a China, a Belarus, os curdos e os especuladores, mais uma vez. Agora, ameaça padeiros e montadoras.
Por isso, as montadoras não sabem decidir o que vão produzir aqui e o que vão importar. Agricultores não sabem quanto plantam de soja e quanto de feijão. Turistas não sabem se vão para Miami ou Trancoso.
De qualquer forma, hoje em dia, US$ 1 custa R$ 2. Tenho muitas dúvidas que não sei responder.
1) A dívida pública de US$ 300 bilhões passou a US$ 200 bilhões. O Banco Central continua com mais ou menos US$ 30 bilhões em reservas.
Agora o governo tem mais dólares por real de dívida interna. Não parece uma coisa boa, saudável? Entretanto todo mundo fala que aumentou o déficit.
Será que se o dólar passasse a R$ 0,5 o déficit diminuiria? Talvez o déficit público sempre aumente, por definição. Mas não entendo por que e em que sentido.
2) A desvalorização cambial é bem-vinda porque aumenta o preço, em reais, do que exportamos e do que importamos. Esse é o objetivo da desvalorização.
A Fipe calcula a inflação tirando a média de muitos preços. Com a desvalorização, um BMW que custava 100 passa a custar 200. Um frango exportável que custava 1 passará a custar 2.
Em compensação, um Big Mac deve continuar custando R$ 1, um barbeiro deve continuar cobrando R$ 10 por uma barba.
Na média, os preços serão maiores em reais. Os importados, mais caros, os nacionais, com preço igual.
Isso é muito ruim? Será que deveríamos aumentar o salário dos metalúrgicos de São Bernardo para que o poder de compra fique igual, isto é, para que pudessem continuar comprando um carro japonês e um Ford nacional como antes da desvalorização?
3) O PIB brasileiro, produção nacional de bens e serviços, era de US$ 800 bilhões. Será que agora ficou apenas em US$ 400 bilhões?
Alguma coisa está errada nessa conta: continuamos a produzir mais ou menos as mesmas coisas, boas e ruins, as ruas continuam congestionadas, os restaurantes, com um pouco menos de clientes, mas estão lá. A produção pode cair no início 3% ou 4%. Em dólares, caiu metade! Nem o PIB dos países da Europa depois da Segunda Guerra caiu tanto.
O Brasil foi mesmo dividido por dois?


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net



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