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OPINIÃO ECONÔMICA
Débora e Olegário
JOÃO SAYAD
Um casal comum: dois filhos,
ele, corretor, ela, do lar. Finais
de semana entre muitos amigos,
férias no litoral de São Paulo e,
quando o dólar era baratinho,
em Miami ou Nova York.
A separação foi um escândalo.
Acusaram Olegário de espancar
regularmente mulher e filhos e,
ainda por cima, foi indiciado
em processo de estelionato na
empresa em que trabalhava.
Débora bebia muito e tinha sido amante do "personal trainner" da cunhada. Depois da separação, os filhos foram morar
com a tia etnóloga em Barra do
Tigre, no Araguaia.
Em vida de marido e mulher,
melhor não meter a colher.
Nunca sabemos.
Com governo é a mesma coisa.
Nas declarações públicas, artigos publicados e documentos
oficiais, todos soam elegantes e
neoliberais. "Liberdade, serviço
público, interesse público, o
mercado é democrático, não intervimos, trata-se de um processo" etc.
De repente, quando brigam e
alguém sai, que surpresa! De
perto, somos todos loucos.
Fulano queria intervir no
mercado de dólar, ainda que
custasse uma fortuna, beltrano
não interveio e foi acusado de
ingênuo, José é grande "operador", Paulinho é ambicioso, mas
malcriado com estrangeiros,
Antônio é um esperto que sempre agrada ao chefe e é tarado
por juros altos.
Nunca saberemos a verdade.
Sabemos apenas que, após descobrirem as decisões erradas,
organizações humanas sem direção funcionam de forma muito esquisita. Bilhões de dólares,
milhares de empregos e o interesse público passam a depender
apenas da rivalidade, inveja e
violência que inundam todos os
gabinetes.
Estaria otimista se estivéssemos iniciando uma nova fase.
Se as autoridades dissessem: o
novo caminho é aumento da
produção de exportáveis e de
importáveis porque a nova taxa
cambial será mais alta. Tanto
mais alta quanto for necessário
para que exportemos mais, importemos menos e gastemos menos no exterior.
A taxa de juros doméstica está
fixada em 40% ao ano, pois o
FMI quer que, cada vez que o
câmbio suba, o Banco Central
aumente os juros.
Se realmente tivéssemos
aprendido com os erros do passado, não nos incomodaríamos
com o câmbio alto. E poderíamos baixar os juros. Bastaria isso para voltarmos a ser felizes.
Mas o governo insiste em acusar especuladores, a Rússia, os
aposentados, a China, a Belarus, os curdos e os especuladores, mais uma vez. Agora, ameaça padeiros e montadoras.
Por isso, as montadoras não
sabem decidir o que vão produzir aqui e o que vão importar.
Agricultores não sabem quanto
plantam de soja e quanto de feijão. Turistas não sabem se vão
para Miami ou Trancoso.
De qualquer forma, hoje em
dia, US$ 1 custa R$ 2. Tenho
muitas dúvidas que não sei responder.
1) A dívida pública de US$ 300
bilhões passou a US$ 200 bilhões. O Banco Central continua
com mais ou menos US$ 30 bilhões em reservas.
Agora o governo tem mais dólares por real de dívida interna.
Não parece uma coisa boa, saudável? Entretanto todo mundo
fala que aumentou o déficit.
Será que se o dólar passasse a
R$ 0,5 o déficit diminuiria? Talvez o déficit público sempre aumente, por definição. Mas não
entendo por que e em que sentido.
2) A desvalorização cambial é
bem-vinda porque aumenta o
preço, em reais, do que exportamos e do que importamos. Esse é
o objetivo da desvalorização.
A Fipe calcula a inflação tirando a média de muitos preços.
Com a desvalorização, um
BMW que custava 100 passa a
custar 200. Um frango exportável que custava 1 passará a custar 2.
Em compensação, um Big Mac
deve continuar custando R$ 1,
um barbeiro deve continuar cobrando R$ 10 por uma barba.
Na média, os preços serão
maiores em reais. Os importados, mais caros, os nacionais,
com preço igual.
Isso é muito ruim? Será que
deveríamos aumentar o salário
dos metalúrgicos de São Bernardo para que o poder de compra
fique igual, isto é, para que pudessem continuar comprando
um carro japonês e um Ford nacional como antes da desvalorização?
3) O PIB brasileiro, produção
nacional de bens e serviços, era
de US$ 800 bilhões. Será que
agora ficou apenas em US$ 400
bilhões?
Alguma coisa está errada nessa conta: continuamos a produzir mais ou menos as mesmas
coisas, boas e ruins, as ruas continuam congestionadas, os restaurantes, com um pouco menos
de clientes, mas estão lá. A produção pode cair no início 3% ou
4%. Em dólares, caiu metade!
Nem o PIB dos países da Europa
depois da Segunda Guerra caiu
tanto.
O Brasil foi mesmo dividido
por dois?
João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
e ex-ministro do Planejamento (governo José
Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net
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