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OPINIÃO ECONÔMICA
Diário de Buenos Aires
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
T enho acompanhado quase diariamente a situação da
Argentina por meio de seus principais jornais. Pela manhã, durante
os últimos 18 meses, tenho lido na
internet as notícias sobre os acontecimentos dramáticos que atingiram em cheio essa sociedade. Considero-me um analista bem informado e, com um pouco de presunção, um bom entendedor do que
está se passando na terra do tango. Mas confesso aos leitores da
Folha que foi com uma curiosidade infantil que desembarquei no
aeroporto de Ezeiza neste último
domingo. A oportunidade de viver o dia-a-dia de uma crise gravíssima provocava em mim uma
angústia estranha.
Foi com esse sentimento que
atravessei a alfândega e cheguei
ao salão principal do terminal internacional de Ezeiza. Tive então
minha primeira experiência com
a realidade que, por tantos meses,
acompanhei no mundo virtual da
internet. Meu treinamento profissional permitiu captar a primeira
informação relevante sobre a situação econômica desse patinho
feio da economia mundial dos
dias de hoje: o preço do táxi para
o centro da cidade em pesos
-agora solitário do companheiro
de mais de uma década que foi o
dólar americano- estava mais
baixo do que anteriormente. Em
outras palavras, mesmo depois de
uma desvalorização de mais de
100%, os taxistas estavam cobrando menos do que antes. Sinal claro de que reconheciam a perda de
renda brutal de seus clientes nacionais. Por outro lado os preços
do cafezinho e da "mezza luna"
no bar do aeroporto já estavam
normais, muito abaixo do que havia encontrado em minha última
viagem, em 1995. Para o economista que está dentro de mim, um
sinal claro da desindexação forçada em relação à moeda americana e um sinal de que o fantasma
da hiperinflação estava longe de
aparecer. Uma segunda surpresa
me aguardava no trajeto entre o
aeroporto e o hotel Alvear, no lindíssimo bairro de Recoleta. Nenhum sinal de conflito nas ruas e
nenhuma fila de argentinos ululantes nas portas dos bancos tentando desesperadamente trocar
seus pesos por dólares. Além disso,
a cidade continuava belíssima,
com suas amplas avenidas e seus
jardins por toda parte.
Na manhã seguinte comecei
meu roteiro de visitas a economistas, banqueiros, advogados e outras lideranças empresariais. Minha primeira impressão de normalidade evaporou-se. Encontrei
em todos um desânimo, mais do
que revolta, com o passado e o futuro. Olhavam para mim e a
meus companheiros de viagem
com estupefação quando discorríamos sobre nosso projeto de um
fundo de investimentos em alguns
dos setores mais modernos da economia de seu país. Como seria
possível falar com um certo otimismo sobre o futuro quando todos não conseguiam enxergar um
futuro? Como podíamos pensar
em vir a esse país quando todos os
estrangeiros só pensavam em ir
embora, correndo, para nunca
mais voltar?
Passado esse primeiro momento
de surpresa, abriam seus corações
e falavam sobre o que tinha acontecido e sobre os problemas mais
graves que, na sua opinião, estão
presentes hoje.
Ficou logo claro, para nós, que
podíamos dividir nossos interlocutores em dois grupos distintos.
No primeiro estavam aqueles
que haviam participado, com corpo e alma, do delírio liberal que
tomou conta do país nos últimos
anos. Para eles, não havia futuro
e a Argentina deve caminhar para uma anarquia ainda maior. Os
políticos no poder são irresponsáveis, incapazes e corruptos. Enxergam uma crise social sem precedentes nos próximos meses. Um
de nossos interlocutores falou de
um conselho dado pela embaixada de um grande país europeu para que seus cidadãos deixem imediatamente o país. O governo Duhalde vai entrar em colapso, novas eleições serão convocadas e
uma deputada populista de esquerda será eleita presidente. Percebi claramente que, talvez oprimidos pela culpa de terem participado de uma experiência irresponsável, falavam mais com o fígado do que com a razão.
Em um segundo grupo, formado
por aqueles que foram críticos dos
anos Menem e conseguiram entender os erros cometidos, podíamos encontrar alguma esperança.
Apesar de reconhecerem nos líderes políticos um total despreparo
para enfrentar os desafios de hoje,
acreditam que a percepção de que
eles serão os próximos a serem arrastados pela rua e a força de alguns setores da economia que se
modernizaram nos últimos anos
abrem algum espaço para estabilizar a economia e devolver algum
crescimento ao país.
Desse grupo conseguimos tirar
uma avaliação mais fria da situação e alguns dados mais concretos
sobre o futuro. Algumas dessas informações são terríveis e assustadoras. A renda anual per capita
dos argentinos deve cair de algo
como US$ 8.000 para baixo dos
US$ 2.000 nos próximos anos.
Igual à da Bolívia! A dívida pública deve pular de 50% do PIB para
mais de 100% do PIB por conta da
desvalorização do peso. O país
não tem mais um sistema financeiro que funcione por conta dos
prejuízos dos bancos e da ruptura
dos contratos da economia.
Outros trazem algum alento como a estimativa de que o saldo da
balança comercial deve ficar entre
US$ 12 bilhões e US$ 16 bilhões em
2002 se houver alguma estabilidade política e que a produção agrícola pode chegar a 100 milhões de
toneladas nos próximos anos.
Além disso, parte da indústria Argentina modernizou-se muito nos
últimos anos e deve avançar com
o estímulo do peso desvalorizado.
Voltamos ao Brasil revoltados
com os responsáveis, no setor privado e público, pelo surto de liberalismo radical que está no centro
da "débâcle" de um país outrora
rico e orgulhoso. Penso que a probabilidade de uma saída ordenada da crise não é maior do que
30% hoje. Pior, não conseguimos
imaginar um futuro com as lideranças políticas e empresariais
que a Argentina tem hoje.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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