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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A instabilidade internacional e o Brasil
A economia internacional e os mercados financeiros estão, há vários anos, cortejando o desastre
DESDE A QUEDA da Bolsa de
Xangai no dia 27 de fevereiro, instalou-se um clima de
nervosismo nos mercados internacionais. Trata-se de um susto temporário? Ou estamos diante de algo
mais sério: uma mudança de tendência? Alguns prevêem até mesmo
uma débâcle ou um colapso generalizado dos mercados.
Ninguém pode ter certeza. Mas a
turma da bufunfa financeira dispõe
de respostas públicas mais ou menos prontas para essas questões.
Uma preocupação central é tranqüilizar a clientela de rentistas a quem
venderam papéis mais ou menos arriscados. Declarações otimistas fazem parte de uma operação do tipo
"senta que o leão é manso". Nesses
momentos, logo aparecem economistas de bancos garantindo que os
"fundamentos" estão sólidos e que
nada de básico mudou para pior na
economia mundial e na economia
brasileira.
Os bufunfeiros especializaram-se
em meias verdades. E, como escreveu o poeta inglês Alfred Tennyson,
a meia verdade é mais perigosa do
que a mentira pura e simples.
A outra parte da verdade é que a
economia internacional e os mercados financeiros estão, há vários
anos, cortejando o desastre. O cerne
do problema talvez esteja nos imensos desequilíbrios de balanço de pagamentos de várias das economias
do mundo. A começar pelos Estados
Unidos, que vêm registrando déficits externos correntes da ordem de
6% a 7% do PIB nos anos recentes. A
contrapartida desses déficits se encontra, em grande medida, nos superávits asiáticos, notadamente da
China (cerca de 7% do PIB) e do Japão (cerca de 4% do PIB).
A situação é paradoxal. País mais
poderoso e maior economia do planeta, os Estados Unidos tornaram-se cronicamente dependentes de capital estrangeiro. O paradoxo se
aprofunda quando se constata que
os seus financiadores são, em larga
medida, países pobres, em desenvolvimento, como a China e várias outras nações emergentes que mantêm elevados superávits no balanço
de pagamentos em conta corrente,
acumularam reservas gigantescas e
aplicam grande parte desses ativos
financeiros em títulos do Tesouro
americano.
Pela teoria econômica tradicional,
o capital deveria em princípio fluir
do centro desenvolvido para a periferia subdesenvolvida. Os fatos vêm
desmentindo essa teoria há muito
tempo. Além dos Estados Unidos,
diversas outras economias avançadas exibem déficits externos correntes, isto é, absorvem poupança do
resto do mundo. Além da China,
muitos outros países emergentes,
inclusive o Brasil, registram superávits no balanço de pagamentos em
conta corrente, ou seja, poupam
mais do que investem.
Uma das razões recentes desse paradoxo é que os países emergentes
ficaram mais cautelosos depois da
sucessão de crises financeiras que os
atingiu violentamente na década de
90 e no início da década atual. Aumentaram as exportações, geraram
saldos no balanço de pagamentos
em conta corrente, diminuíram a
dependência de fluxos voláteis de
capital e armazenaram volumes
sem precedentes de reservas internacionais.
O Brasil acompanhou essa tendência e está menos vulnerável a
choques externos. A Bolsa de Valores brasileira e outros segmentos do
mercado são, obviamente, muito
sensíveis ao que acontece no exterior. Mas a economia no seu conjunto encontra-se mais protegida. Os
saldos comerciais continuam elevados, temos superávits no balanço de
pagamentos em conta corrente desde 2003 e as reservas internacionais
do país alcançaram a marca de US$
100 bilhões.
O Brasil tem os seus pontos fracos,
é claro. O real valorizou-se excessivamente, o que pode colocar em risco a posição externa do país no caso
de uma crise internacional grave.
Essa sobrevalorização se deve em
parte à política de juros altos que
contribui, ao mesmo tempo, para
encarecer e dificultar a acumulação
de reservas. Além disso, a conta de
capitais do balanço de pagamentos
foi liberalizada de forma prematura
desde os anos 90. Essa abertura financeira externa, combinada com o
perfil de curto prazo da dívida pública interna, cria inegavelmente um
potencial de instabilidade.
O aumento das turbulências no
exterior só reforça a necessidade de
completar o fortalecimento da posição internacional do país.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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