São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A instabilidade internacional e o Brasil

A economia internacional e os mercados financeiros estão, há vários anos, cortejando o desastre

DESDE A QUEDA da Bolsa de Xangai no dia 27 de fevereiro, instalou-se um clima de nervosismo nos mercados internacionais. Trata-se de um susto temporário? Ou estamos diante de algo mais sério: uma mudança de tendência? Alguns prevêem até mesmo uma débâcle ou um colapso generalizado dos mercados.
Ninguém pode ter certeza. Mas a turma da bufunfa financeira dispõe de respostas públicas mais ou menos prontas para essas questões.
Uma preocupação central é tranqüilizar a clientela de rentistas a quem venderam papéis mais ou menos arriscados. Declarações otimistas fazem parte de uma operação do tipo "senta que o leão é manso". Nesses momentos, logo aparecem economistas de bancos garantindo que os "fundamentos" estão sólidos e que nada de básico mudou para pior na economia mundial e na economia brasileira.
Os bufunfeiros especializaram-se em meias verdades. E, como escreveu o poeta inglês Alfred Tennyson, a meia verdade é mais perigosa do que a mentira pura e simples.
A outra parte da verdade é que a economia internacional e os mercados financeiros estão, há vários anos, cortejando o desastre. O cerne do problema talvez esteja nos imensos desequilíbrios de balanço de pagamentos de várias das economias do mundo. A começar pelos Estados Unidos, que vêm registrando déficits externos correntes da ordem de 6% a 7% do PIB nos anos recentes. A contrapartida desses déficits se encontra, em grande medida, nos superávits asiáticos, notadamente da China (cerca de 7% do PIB) e do Japão (cerca de 4% do PIB).
A situação é paradoxal. País mais poderoso e maior economia do planeta, os Estados Unidos tornaram-se cronicamente dependentes de capital estrangeiro. O paradoxo se aprofunda quando se constata que os seus financiadores são, em larga medida, países pobres, em desenvolvimento, como a China e várias outras nações emergentes que mantêm elevados superávits no balanço de pagamentos em conta corrente, acumularam reservas gigantescas e aplicam grande parte desses ativos financeiros em títulos do Tesouro americano.
Pela teoria econômica tradicional, o capital deveria em princípio fluir do centro desenvolvido para a periferia subdesenvolvida. Os fatos vêm desmentindo essa teoria há muito tempo. Além dos Estados Unidos, diversas outras economias avançadas exibem déficits externos correntes, isto é, absorvem poupança do resto do mundo. Além da China, muitos outros países emergentes, inclusive o Brasil, registram superávits no balanço de pagamentos em conta corrente, ou seja, poupam mais do que investem.
Uma das razões recentes desse paradoxo é que os países emergentes ficaram mais cautelosos depois da sucessão de crises financeiras que os atingiu violentamente na década de 90 e no início da década atual. Aumentaram as exportações, geraram saldos no balanço de pagamentos em conta corrente, diminuíram a dependência de fluxos voláteis de capital e armazenaram volumes sem precedentes de reservas internacionais.
O Brasil acompanhou essa tendência e está menos vulnerável a choques externos. A Bolsa de Valores brasileira e outros segmentos do mercado são, obviamente, muito sensíveis ao que acontece no exterior. Mas a economia no seu conjunto encontra-se mais protegida. Os saldos comerciais continuam elevados, temos superávits no balanço de pagamentos em conta corrente desde 2003 e as reservas internacionais do país alcançaram a marca de US$ 100 bilhões.
O Brasil tem os seus pontos fracos, é claro. O real valorizou-se excessivamente, o que pode colocar em risco a posição externa do país no caso de uma crise internacional grave.
Essa sobrevalorização se deve em parte à política de juros altos que contribui, ao mesmo tempo, para encarecer e dificultar a acumulação de reservas. Além disso, a conta de capitais do balanço de pagamentos foi liberalizada de forma prematura desde os anos 90. Essa abertura financeira externa, combinada com o perfil de curto prazo da dívida pública interna, cria inegavelmente um potencial de instabilidade.
O aumento das turbulências no exterior só reforça a necessidade de completar o fortalecimento da posição internacional do país.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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