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Usinas do Madeira levam caos e riqueza a RO
Impactos das obras das hidrelétricas geram pressão socioeconômica e podem levar a capital Porto Velho ao colapso
Autoridades enfrentam dificuldades para aplicar recursos do PAC, enquanto empresas e famílias não param de chegar ao Estado
JULIO WIZIACK
ENVIADO ESPECIAL A RONDÔNIA
As usinas hidrelétricas do rio
Madeira, vitrines do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), custarão R$ 21 bilhões
e injetarão R$ 8 bilhões por ano
na economia de Rondônia até
2013. Promessa de bonança ao
empobrecido Estado, elas já
são um dos empreendimentos
mais caros da história e também um dos mais controversos.
Procuradores federais pedem a cassação das licenças das
usinas e já levantam suspeitas
sobre o seu financiamento. Instituições civis acusam os construtores de ignorarem impactos socioambientais. Autoridades locais temem que a capital
Porto Velho chegue ao colapso,
caso os investimentos em infraestrutura não saiam do papel. E o setor produtivo está
preocupado com a possibilidade de que o desenvolvimento
na região não seja sustentável.
Atraídas pelas oportunidades, empresas já se instalam na
região, e famílias desembarcam
semanalmente na capital Porto
Velho. Em apenas seis meses de
obras, já ocorrem efeitos previstos no Projeto Básico Ambiental para três anos.
"Subestimamos alguns impactos", afirma o vice-prefeito
de Porto Velho, Emerson Castro (PMDB-RO). "Agora estamos trocando a roda com o carro em movimento." Castro informa que boa parte das verbas
do PAC não é aplicada porque
os grupos locais não atendem
às exigências das licitações.
"Muitos não se qualificam com
o excesso de garantias bancárias", diz Castro. "E as grandes
empresas não se interessam
por obras pequenas."
O resultado é um déficit de
2.000 vagas nas escolas públicas. A espera por atendimento
nos hospitais chega a dois dias.
A falta de leitos deixa pacientes
em estado grave à espera de cirurgias por meses. As ruas mal
asfaltadas, sem calçamento, estacionamentos e sinalização,
não comportam os 135 mil veículos que circulam pela cidade.
Antes do tempo
Para antecipar a inauguração
das usinas, Saesa e Enersus, os
consórcios empresariais que
constroem Santo Antônio e Jirau, respectivamente, atropelam o plano de mitigação, nome
das práticas que minimizariam
os impactos negativos.
O cumprimento dos planos
de mitigação foi determinação
do Ibama (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que,
segundo o MPF (Ministério
Público Federal) de Rondônia,
transformou as inconsistências
dos projetos, detectadas pela
equipe técnica do órgão, em
cerca de cem condicionantes.
O fundo do rio, rico em depósitos de mercúrio após duas décadas de garimpo de ouro, está
sendo remexido em Santo Antônio sem que um programa de
estudo tivesse sido implantado.
A estação de captação de água
da cidade fica praticamente
dentro do canteiro de obras.
Para que ela não fosse inutilizada pela usina, a Saesa alterou o
projeto original, aprovado pelo
Ibama, e mudou a disposição
do eixo da hidrelétrica a pedido
da Prefeitura de Porto Velho.
Pescadores afirmam que os
peixes sumiram antes da atual
desova e da mortandade de 11
toneladas. O episódio, ocorrido
no final de 2008, levou o Ibama
a multar a Saesa em R$ 7,7 milhões e a pedir ao MPF abertura
de ação criminal. Ainda segundo o Ibama, a empresa não fez o
monitoramento da água (outro
programa de mitigação), algo
que, para os ribeirinhos, estaria
afugentando os peixes. Muitos
pescadores trocaram a atividade, que garantia até R$ 2.500
por mês, pela construção civil,
ganhando até 60% menos.
Os garimpeiros só podem
atuar se fizerem parte das associações que receberam PLG
(Permissão de Lavra Garimpeira). Antes, elas eram concedidas individualmente pelo
DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). Como a maior parte das PLGs individuais está vencida, 3.900
garimpeiros operam na clandestinidade, segundo o deputado federal Lindomar Garçon
(PV-RO). Ele diz ter intercedido pelos garimpeiros, que acusam a Saesa de pressionar o
DNPM para "isolar" as usinas.
O presidente da Associação
Comunitária e Rural, Luís Maximo, que representa cerca de
600 famílias, afirma que após a
liberação da DUP (Declaração
de Utilidade Pública), a Saesa
antecipou a retirada das 63 famílias, pressionando para que
aceitassem sua oferta. Quem
fechou negócio foi morar em
imóveis alugados até que a
construção de suas casas definitivas fosse concluída. O atraso no pagamento dos aluguéis
chegou a quatro meses.
Vestígios arqueológicos estariam desaparecendo. A Folha
apurou que só 10% dos achados
foram catalogados. Os índios
também protestam, principalmente em Jirau. "Quatro grupos isolados serão afetados",
afirma Telma Monteiro, coordenadora de energia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Jirau chegou a ficar embargada devido à multa
de R$ 950 mil aplicada pelo
Ibama ao Enersus por iniciar a
obra sem licença. Na semana
passada, o governo estadual recuou e suspendeu parte da
obra por impactar áreas de
conservação ambiental.
O MPF prepara nova onda de
ações contra os empreendimentos. "As usinas são importantes, mas isso não justifica as
irregularidades na realização
das obras", diz o procurador federal Heitor Alves Soares.
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