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OPINIÃO ECONÔMICA
Abono para o mínimo
BENJAMIN STEINBRUCH
Ciclotimia indica a predisposição para alternância de
comportamento, que pode ser ora
depressivo, ora eufórico. Aplica-se
bem às percepções sobre a economia brasileira.
Nas últimas semanas, enquanto
choviam bombas no Iraque, o
Brasil entrava em um novo ciclo
de euforia. E há dados objetivos
para justiçar essa tendência.
O superávit das contas públicas
bateu recorde e foi a R$ 16,1 bilhões no primeiro semestre. Ou seja, o governo arrecada muito
mais do que gasta (descontando
juros), cumpre seu compromisso
com o FMI e, portanto, não sofrerá por falta de recursos externos
em caso de necessidade.
A inflação está em queda e, apesar disso, o Banco Central deu sinais de que poderá elevar a meta
para o ano de 8,5% para 9,5%.
Por isso, provavelmente não haverá novos aumentos na taxa básica de juros nos próximos meses.
Apesar do viés de alta determinado na última reunião do Copom,
a tendência passa a ser de baixa,
uma grande notícia para a economia em geral.
As exportações são um sucesso
na temporada. Somaram US$ 15
bilhões até março e permitiram
superávit nunca antes alcançado
num primeiro trimestre: US$ 3,8
bilhões. O crescimento foi de
26,5% em relação ao ano passado.
Até a Argentina colabora com a
ciclotimia brasileira. Mesmo
imerso em sua infindável crise,
sem resolver o problema da dívida e com o sistema bancário semidestruído, o país vizinho ensaia uma recuperação. Em março, importou US$ 784 milhões do
Brasil, 85% a mais do que no
mesmo mês do ano passado.
A credibilidade do novo governo e do país não pára de crescer
no exterior. O risco Brasil caiu
abaixo de mil pontos. Para emitir
títulos e captar dólares lá fora, o
Brasil paga agora nove pontos
percentuais a mais do que pagam
os Estados Unidos. Esse nível ainda é alto, mas muito inferior ao
de outubro do ano passado, de 24
pontos, no auge da sinistrose eleitoral.
Há outras boas notícias: a baixa
dos preços do petróleo, a boa safra
agrícola, o farto ingresso de recursos externos para as empresas, a
alta das cotações das ações na
Bolsa de Valores, a coordenação
política que já permitiu a aprovação da emenda ao artigo 192 da
Constituição e os índices de aprovação a Lula e ao governo.
Nesse ciclo de otimismo, três indicadores continuam ruins: produção, emprego e renda. O Banco
Central reduziu a previsão de expansão do PIB de 2,8% para 2,2%
neste ano, o desemprego mantém-se em alta, e a renda, em baixa.
Contrariado, Luiz Inácio Lula
da Silva anunciou um aumento
de 20% para o salário mínimo.
Ele gostaria de dar mais. O dilema que entristece o presidente é
que há espaço na economia para
elevar um pouco mais o salário
mínimo e com isso promover uma
recuperação da renda das classes
mais pobres, velha promessa de
campanha. A inflação atual não
decorre do aquecimento da demanda, e um salário mínimo
mais generoso poderia elevar o
consumo de alguns bens essenciais, puxar a produção e influir
na criação de empregos, tudo isso
sem nenhuma repercussão grave
nos preços. Mas, para fazer isso,
seria preciso colocar em risco o
equilíbrio das contas públicas,
porque haveria um crescimento
muito forte dos gastos da Previdência Social. Só o aumento de
20% já vai representar gastos adicionais de R$ 5,8 bilhões por ano.
Surge então a idéia de um abono salarial, que poderia ser concedido em parcelas a todos os que
ganham o mínimo, sem que isso
se aplique aos benefícios da Previdência e sem pagamento de encargos por parte de empregados e
empregadores.
Por maiores que sejam as dificuldades, o setor privado pode
conceder esse abono. Seu efeito seria como sangue aplicado diretamente na veia do consumo, com
evidentes reflexos na atividade
econômica. Neste momento em
que a ciclotimia brasileira pende
para o lado da euforia, um governo pautado por preocupações sociais tem, pelo menos, a obrigação
de examinar essa hipótese.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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