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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Abono para o mínimo

BENJAMIN STEINBRUCH

Ciclotimia indica a predisposição para alternância de comportamento, que pode ser ora depressivo, ora eufórico. Aplica-se bem às percepções sobre a economia brasileira.
Nas últimas semanas, enquanto choviam bombas no Iraque, o Brasil entrava em um novo ciclo de euforia. E há dados objetivos para justiçar essa tendência.
O superávit das contas públicas bateu recorde e foi a R$ 16,1 bilhões no primeiro semestre. Ou seja, o governo arrecada muito mais do que gasta (descontando juros), cumpre seu compromisso com o FMI e, portanto, não sofrerá por falta de recursos externos em caso de necessidade.
A inflação está em queda e, apesar disso, o Banco Central deu sinais de que poderá elevar a meta para o ano de 8,5% para 9,5%. Por isso, provavelmente não haverá novos aumentos na taxa básica de juros nos próximos meses. Apesar do viés de alta determinado na última reunião do Copom, a tendência passa a ser de baixa, uma grande notícia para a economia em geral.
As exportações são um sucesso na temporada. Somaram US$ 15 bilhões até março e permitiram superávit nunca antes alcançado num primeiro trimestre: US$ 3,8 bilhões. O crescimento foi de 26,5% em relação ao ano passado.
Até a Argentina colabora com a ciclotimia brasileira. Mesmo imerso em sua infindável crise, sem resolver o problema da dívida e com o sistema bancário semidestruído, o país vizinho ensaia uma recuperação. Em março, importou US$ 784 milhões do Brasil, 85% a mais do que no mesmo mês do ano passado.
A credibilidade do novo governo e do país não pára de crescer no exterior. O risco Brasil caiu abaixo de mil pontos. Para emitir títulos e captar dólares lá fora, o Brasil paga agora nove pontos percentuais a mais do que pagam os Estados Unidos. Esse nível ainda é alto, mas muito inferior ao de outubro do ano passado, de 24 pontos, no auge da sinistrose eleitoral.
Há outras boas notícias: a baixa dos preços do petróleo, a boa safra agrícola, o farto ingresso de recursos externos para as empresas, a alta das cotações das ações na Bolsa de Valores, a coordenação política que já permitiu a aprovação da emenda ao artigo 192 da Constituição e os índices de aprovação a Lula e ao governo.
Nesse ciclo de otimismo, três indicadores continuam ruins: produção, emprego e renda. O Banco Central reduziu a previsão de expansão do PIB de 2,8% para 2,2% neste ano, o desemprego mantém-se em alta, e a renda, em baixa.
Contrariado, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou um aumento de 20% para o salário mínimo. Ele gostaria de dar mais. O dilema que entristece o presidente é que há espaço na economia para elevar um pouco mais o salário mínimo e com isso promover uma recuperação da renda das classes mais pobres, velha promessa de campanha. A inflação atual não decorre do aquecimento da demanda, e um salário mínimo mais generoso poderia elevar o consumo de alguns bens essenciais, puxar a produção e influir na criação de empregos, tudo isso sem nenhuma repercussão grave nos preços. Mas, para fazer isso, seria preciso colocar em risco o equilíbrio das contas públicas, porque haveria um crescimento muito forte dos gastos da Previdência Social. Só o aumento de 20% já vai representar gastos adicionais de R$ 5,8 bilhões por ano.
Surge então a idéia de um abono salarial, que poderia ser concedido em parcelas a todos os que ganham o mínimo, sem que isso se aplique aos benefícios da Previdência e sem pagamento de encargos por parte de empregados e empregadores.
Por maiores que sejam as dificuldades, o setor privado pode conceder esse abono. Seu efeito seria como sangue aplicado diretamente na veia do consumo, com evidentes reflexos na atividade econômica. Neste momento em que a ciclotimia brasileira pende para o lado da euforia, um governo pautado por preocupações sociais tem, pelo menos, a obrigação de examinar essa hipótese.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br



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