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VINICIUS TORRES FREIRE
Os pobres nunca estarão convosco
Greve que prejudica o povinho no INSS, no SUS ou na escola primária não causa a mesma comoção do paradão aéreo
UMA GREVE no INSS, em hospitais ou em escolas públicas
primárias algum dia causará
tanto tumulto e comoção como o
paradão dos aeroportos?
Sim, lembrar o elitismo brasileiro
é banal. Provoca o torpor do enfado,
sintoma da indiferença prática diante do privilégio. Noutros casos, a observação suscita o individualismo
assumido ("não é problema meu"),
crescente nesta sociedade que passou à modernidade liqüidificada do
privatismo selvagem sem antes ter
se entendido com padrão algum de
civilização ou de bem-estar social.
Muita vez, tratar de elitismo causa
reações de vitimização genérica, que
culpam uma entidade mitificada,
vaga e distante ("governo", "políticos", "banqueiros" etc.) pelos males
"do país", o que serve a esconder as
diferenças concretas de posição social e poder. Ou então o ataque ao
privilégio torna-se motivo para corporativismo disfarçado de crítica social, forma de privatização malandra
da idéia de solidariedade, cada vez
mais típica entre sindicatos e ONGs.
O criouléu desorganizado é o que
menos vê sua desgraça se transformar em espetáculo, a não ser em caso de catástrofe ou violência física.
A maior parte das greves prejudica
os mais pobres, pois a maioria delas
ocorre no governo. Mas as greves
que mais assumem caráter espetacular são as que também prejudicam a elite, as que param aviões ou o
trânsito, por exemplo. Desdenha-se
a rotina do miserável que definha à
espera de seguro social, educação,
Justiça -com ou sem greve, aliás.
Em meados dos anos 90, um terço
das greves ocorria no setor público,
que agora fazem quase 60% do paredismo. A predominância de greves
dos servidores em parte se deve à
transformação e/ou à decadência do
sindicalismo privado depois das reformas econômicas de FHC.
As competição mundial é braba, o
emprego é escasso. As empresas
também se dispersaram pelo país,
procurando mão-de-obra agradecida em apenas trabalhar ou ganhar
mais, de resto sem força sindical. O
sindicalismo público tornou-se o reduto do esquerdismo retrógrado.
Os servidores públicos ganharam
direito de greve em 1988, mas não há
lei para regulá-lo. Não há fórum de
resolução de conflitos, projetos de
carreira, promoções, punição de relapsos e grassa o corporativismo
grosso. Nem formas criativas de mobilização apareceram para, por vezes, substituir o recurso à greve que
prejudica o povo mais desprotegido.
Decerto sem movimento social
organizado diminui a chance de mudança. Mas qual movimento aponta
para a mudança? Quantos não tendem só a sugar o Estado? Vivemos
uma encrenca conservadora renovada. Reforma social torna-se assistencialismo, e direito a trabalho é letra morta. Movimento social torna-se corporativismo; todo partido é
partido do status quo; o individualismo torna-se salve-se-quem-puder.
Só o nosso elitismo continua igual.
vinit@uol.com.br
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