São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

China, economia de mercado?

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Ao ouvirem a fala desafiadora do presidente Lula no aniversário do jornal "Valor Econômico", algumas lideranças empresariais protestaram contra o gesto do governo brasileiro de reconhecer a China como "economia de mercado".
Os chineses vêm executando -à sombra do seu Estado Nacional- políticas que combinam a força de coordenação do sistema de crédito estatal com a gestão equilibrada das finanças públicas para sustentar taxas de investimento acima de 40%, avanço tecnológico e aumento das exportações acima da média mundial.
Os chineses usam e abusam das políticas industriais, de normas destinadas a favorecer a formação de complexos empresariais em condições de competir com os congêneres estrangeiros. Apóiam abertamente a concentração e a fusão, usando as grandes estatais como núcleos destinados a coordenar esse processo de constituição de conglomerados, que, no futuro próximo, devem emular os "keyretsu" japoneses ou os "chaebols" da Coréia do Sul.
Essa estratégia não tem afetado o apetite das empresas multinacionais, atraídas pelas possibilidades de expansão do mercado interno chinês e pelos estímulos à exportação. A estratégia da China vem combinando, com sucesso, a atração do investimento direto estrangeiro em parceria com as empresas locais, privadas e públicas, a absorção de tecnologia, a fixação de metas de exportação, a geração de saldos positivos na balança e os estímulos à demanda para os vizinhos asiáticos.
O que fazem os chineses é anátema para quem reza pelo catecismo da competitividade conquistada através da suave e benfazeja disciplina dos mercados. Os chineses parecem não acreditar na teoria das vantagens comparativas, dogma do ideário livre-cambista. Para eles, as verdadeiras leis do mercado incluem a construção de vantagens comparativas dinâmicas. Isso supõe a definição de políticas nacionais de desenvolvimento com o propósito de participar ativamente da concorrência global. Integrar de forma virtuosa a economia no jogo da competição universal significa conquistar mercados, ampliar o superávit comercial e manter um controle pragmático sobre a conta de capitais do balanço de pagamentos. A determinação da taxa de câmbio real não é deixada ao sabor das expectativas formadas nos mercados financeiros, mas é um instrumento de competitividade.
Os resultados obtidos até agora confirmam as suspeitas dos chineses sobre o capitalismo realmente existente: a economia vem apresentando, ininterruptamente, desde o início da década de 80, taxas de crescimento elevadíssimas (cerca de 8% ao ano). A China vem sustentando superávits elevados com os Estados Unidos e a Europa graças à combinação "virtuosa" entre taxas de acumulação elevadas, rápida incorporação do progresso tecnológico e câmbio subvalorizado e estável.
É impossível resistir à constatação de que a China enfrenta os desafios da globalização com concepções que desmentem a propalada obsolescência do Estado, ou seja, das políticas nacionais e intencionais de industrialização e desenvolvimento. É querela de comadres disputar se a China é ou não é uma "economia de mercado". O importante é avaliar e estudar a forma como os chineses usam a coordenação do Estado para ampliar a força e o dinamismo dos mercados.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Texto Anterior: Opinião econômica - José Alexandre Scheinkman: A política monetária precisa de ajustes
Próximo Texto: Luís Nassif: O guerreiro da tecnologia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.