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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
China, economia de mercado?
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Ao ouvirem a fala desafiadora do presidente Lula no
aniversário do jornal "Valor Econômico", algumas lideranças empresariais protestaram contra o
gesto do governo brasileiro de reconhecer a China como "economia de mercado".
Os chineses vêm executando -à
sombra do seu Estado Nacional-
políticas que combinam a força de
coordenação do sistema de crédito
estatal com a gestão equilibrada
das finanças públicas para sustentar taxas de investimento acima
de 40%, avanço tecnológico e aumento das exportações acima da
média mundial.
Os chineses usam e abusam das
políticas industriais, de normas
destinadas a favorecer a formação
de complexos empresariais em
condições de competir com os congêneres estrangeiros. Apóiam
abertamente a concentração e a
fusão, usando as grandes estatais
como núcleos destinados a coordenar esse processo de constituição
de conglomerados, que, no futuro
próximo, devem emular os "keyretsu" japoneses ou os "chaebols"
da Coréia do Sul.
Essa estratégia não tem afetado
o apetite das empresas multinacionais, atraídas pelas possibilidades de expansão do mercado interno chinês e pelos estímulos à exportação. A estratégia da China
vem combinando, com sucesso, a
atração do investimento direto estrangeiro em parceria com as empresas locais, privadas e públicas,
a absorção de tecnologia, a fixação de metas de exportação, a geração de saldos positivos na balança e os estímulos à demanda
para os vizinhos asiáticos.
O que fazem os chineses é anátema para quem reza pelo catecismo da competitividade conquistada através da suave e benfazeja
disciplina dos mercados. Os chineses parecem não acreditar na teoria das vantagens comparativas,
dogma do ideário livre-cambista.
Para eles, as verdadeiras leis do
mercado incluem a construção de
vantagens comparativas dinâmicas. Isso supõe a definição de políticas nacionais de desenvolvimento com o propósito de participar
ativamente da concorrência global. Integrar de forma virtuosa a
economia no jogo da competição
universal significa conquistar
mercados, ampliar o superávit comercial e manter um controle
pragmático sobre a conta de capitais do balanço de pagamentos. A
determinação da taxa de câmbio
real não é deixada ao sabor das
expectativas formadas nos mercados financeiros, mas é um instrumento de competitividade.
Os resultados obtidos até agora
confirmam as suspeitas dos chineses sobre o capitalismo realmente
existente: a economia vem apresentando, ininterruptamente, desde o início da década de 80, taxas
de crescimento elevadíssimas (cerca de 8% ao ano). A China vem
sustentando superávits elevados
com os Estados Unidos e a Europa
graças à combinação "virtuosa"
entre taxas de acumulação elevadas, rápida incorporação do progresso tecnológico e câmbio subvalorizado e estável.
É impossível resistir à constatação de que a China enfrenta os desafios da globalização com concepções que desmentem a propalada obsolescência do Estado, ou
seja, das políticas nacionais e intencionais de industrialização e
desenvolvimento. É querela de comadres disputar se a China é ou
não é uma "economia de mercado". O importante é avaliar e estudar a forma como os chineses
usam a coordenação do Estado
para ampliar a força e o dinamismo dos mercados.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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