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OPINIÃO ECONÔMICA
A política monetária precisa de ajustes
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A adoção do regime de metas de inflação no Brasil teve
um papel crucial na superação da
crise cambial de 1999, e a sua manutenção foi extremamente importante para garantir a estabilidade da moeda nos últimos anos.
O regime de metas não é uma
peculiaridade brasileira, e hoje há
um razoável acordo de que variações desse sistema são as melhores
maneiras de conduzir a política
monetária. Uma dificuldade que
persiste é identificar o índice ideal
para a meta de inflação. Apesar
da evidência empírica de que,
mesmo a taxas entre 5% e 10%, a
inflação tem custos relevantes para a economia, não existe um
completo entendimento de como o
aumento dos preços afeta o desempenho econômico, o que dificulta a tarefa de escolha do índice
de inflação apropriado.
No entanto há boas razões para
acreditar que, em inflações moderadas, o índice adequado deve enfatizar os preços que são passíveis
de serem influenciados pela política monetária. Nesse caso, um aumento da tarifa de energia elétrica
decretado pelo governo não deve,
por si só, ser causa de um aperto
monetário. O mesmo se aplica aos
aumentos em produtos que têm
seus preços determinados no mercado internacional, como petróleo
ou minério de ferro. Se esse critério
estivesse sendo empregado, estariam eliminados do índice da meta os preços administrados, para
os quais o BC projeta aumento de
7,2% neste ano, substancialmente
acima do objetivo de 5,1% para a
inflação de 2005. E, como esses
produtos têm um peso de 29,4%
no índice que o BC usa, a política
monetária poderia ser bem menos
apertada.
Apesar da elevação das taxas
reais de juros, a economia brasileira continua a apresentar um desempenho mais que razoável. Essa
performance reflete uma situação
externa extremamente favorável e
a boa condução da política econômica pela Fazenda. Além disso,
numa economia como a nossa,
convivendo há muito tempo com
taxas reais elevadas e, por isso
mesmo, com um nível de crédito
muito baixo em relação ao PIB, o
impacto de aumentos da taxa de
juros no nível de atividade é provavelmente menos imediato e menor do que nas economias avançadas.
A pior seqüela da atual política
monetária é o seu custo fiscal, que,
diferentemente do índice ideal para a meta de inflação, é facilmente
identificado. A taxa Selic real, isto
é, descontada a inflação, está em
torno de 13% ao ano, e a dívida interna excede 50% do PIB. Só pouco mais da metade da dívida é indexada à Selic, mas mudanças
nessa taxa também afetam, embora com um hiato, quanto o governo paga em outras formas de financiamento. Como conseqüência, se a política atual continuar, o
juro real sobre a dívida interna
pode exceder 5% do PIB em 2005
-mais do que todo o superávit
primário. Se o governo continuar
a honrar a sua dívida, esse custo
vai ser pago no futuro por meio de
impostos, redução de despesas ou
maior inflação.
Alguns defensores da política
atual acreditam que, na presença
de um BC essencialmente independente, o qual não aceitará o
aumento da inflação, o governo
vai ser obrigado a aumentar ainda mais o seu superávit primário.
Mas a idéia de forçar a autoridade
fiscal a se ajustar à política monetária já foi tentada sem sucesso em
vários países. A partir de certo
ponto, os agentes econômicos simplesmente não acreditam mais na
durabilidade do regime monetário. Um exemplo recente foi a Argentina, e todos sabemos como
terminou.
Infelizmente, não foi ainda desenvolvido um sistema que garanta a boa resolução de conflitos entre as políticas monetária e fiscal,
mas ignorar o impacto fiscal da
política monetária, como o BC parece fazer, não é solução.
José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA) escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
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