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Império ou hegemon?
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Serão os Estados Unidos um
império? No final da Segunda
Guerra Mundial, essa pergunta
não fazia muito sentido. Depois
do colapso da União Soviética, o
mundo se tornou unipolar, mas
ainda não se falava em império.
Para se auto-identificar, os próprios americanos passaram a usar
com freqüência a palavra "hegemon", para a qual não existe substantivo correspondente em português. Não há, porém, razão para
não incorporar ao vernáculo essa
palavra sem aspas nem itálico,
porque é provavelmente a que melhor caracteriza a grande nação
americana.
Depois da invasão do Iraque, a
palavra império começou a ser
utilizada com freqüência pelos críticos do hegemon e por muitos dos
seus defensores internos. Não era a
primeira vez que os EUA intervinham de forma imperialista para
subjugar um povo e convertê-lo à
sua verdade, mas o país não tem
colônias às quais possa impor impostos, como fizeram todos os impérios da antigüidade, ou por
meio das quais possa assegurar o
monopólio de recursos naturais,
como fizeram os impérios modernos.
Ainda que ajam de forma imperialista em momentos determinados e freqüentes, os EUA não são,
portanto, um império nem no sentido clássico dos grandes impérios
da antigüidade nem no sentido
moderno, dos impérios capitalistas que se formam a partir do século 16. São, entretanto, um império no sentido contemporâneo de
exercício de poder ideologicamente hegemônico sobre outros Estados-nação.
Os EUA se apropriam do excedente econômico por meio do
mercado, e não pela força, como
acontecia nos impérios antigos e
modernos. Em sua qualidade de
império contemporâneo, e como
os demais países ricos, cobram
uma forma de imposto dos países
em desenvolvimento ao aproveitarem seus mercados sem, na prática, oferecer-lhes seus próprios mercados em contrapartida. Enquanto os países ricos contrabalançam
investimentos diretos recebidos
com os realizados, isso não acontece com os países em desenvolvimento.
Por outro lado, os Estados Unidos, associados aos demais países
ricos e utilizando como seus braços o FMI, o Banco Mundial e, em
menor medida, a OMC, fazem
pressões e impõem condicionalidades aos países em desenvolvimento para que abram suas contas financeiras e aceitem a estratégia de crescimento com poupança
externa, que neutralizam seu desenvolvimento. Esses são competidores perigosos com sua mão-de-obra barata e precisam ser neutralizados. Mas, para alcançar esse
objetivo nunca reconhecido, não
usam diretamente a força, como
faziam os impérios antigos e capitalistas, mas o "soft power", a hegemonia ideológica, como é próprio do império contemporâneo. E
nesse processo contam com a colaboração das elites dependentes,
principalmente dos que estudaram nas suas universidades e incorporaram sua visão do mundo.
Serão os Estados Unidos um hegemon benevolente, como eles
próprios sugerem? Nem benevolente nem malevolente. Simplesmente o hegemon, aquele que afirma em todo momento o seu interesse nacional, que sempre pretende ser coincidente com os interesses dos demais. Em certos momentos, como no governo de Bush, a
hegemonia é um ato de vontade
incompetente envolvendo uma
violência contra os próprios interesses americanos, mas, na maioria das ocasiões, é simplesmente
uma condição de ser, uma variável estrutural.
No tempo dos impérios clássicos,
ser imperial era motivo de admiração. Não vivemos mais nesse
tempo, mas no tempo dos Estados-nação competindo no quadro da
globalização e cooperando no da
Organização das Nações Unidas.
Agora, para exercer sua hegemonia, é necessário persuadir, cooptar, e, para isso, os EUA contam
com um complexo e contraditório
-mas nem por isso menos poderoso- sistema de aparelhos ideológicos que vão do cinema à universidade.
Não obstante seu "soft power", o
império contemporâneo, que são
os EUA, não é tão poderoso quanto se imagina. A invasão do Iraque foi um desastre. Os países
asiáticos capitaneados pela China
crescem de forma extraordinária
porque não aceitam sua hegemonia: fazem ajuste fiscal, administram sua taxa de câmbio e controlam a inflação, mas não fazem todas as reformas que lhes são recomendadas nem deixam suas taxas
de câmbio se apreciarem. Por isso
crescem extraordinariamente.
O fracasso das reformas pressionadas pelo hegemon está hoje patente, e muitos já perceberam esse
fato. Sob muitos aspectos, os chineses têm razão quando afirmam
que os Estados Unidos são um "tigre de papel". Com isso eles querem dizer que, por mais poderoso
que seja esse grande país, não é
preciso dele ter medo. Suas armas
poderosas não são úteis quando se
trata de persuadir e não podem
ser usadas a todo instante. Seu poder econômico é grande, mas sua
capacidade de pressão econômica,
limitada. O que lhes vale é a hegemonia ideológica, mas essa é possível contestar quando o país mais
pobre não perde seu sentido de nação.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"Desenvolvimento e Crise no Brasil:
1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
lcbresser@uol.com.br
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