São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2006

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Império ou hegemon?

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Serão os Estados Unidos um império? No final da Segunda Guerra Mundial, essa pergunta não fazia muito sentido. Depois do colapso da União Soviética, o mundo se tornou unipolar, mas ainda não se falava em império. Para se auto-identificar, os próprios americanos passaram a usar com freqüência a palavra "hegemon", para a qual não existe substantivo correspondente em português. Não há, porém, razão para não incorporar ao vernáculo essa palavra sem aspas nem itálico, porque é provavelmente a que melhor caracteriza a grande nação americana.
Depois da invasão do Iraque, a palavra império começou a ser utilizada com freqüência pelos críticos do hegemon e por muitos dos seus defensores internos. Não era a primeira vez que os EUA intervinham de forma imperialista para subjugar um povo e convertê-lo à sua verdade, mas o país não tem colônias às quais possa impor impostos, como fizeram todos os impérios da antigüidade, ou por meio das quais possa assegurar o monopólio de recursos naturais, como fizeram os impérios modernos.
Ainda que ajam de forma imperialista em momentos determinados e freqüentes, os EUA não são, portanto, um império nem no sentido clássico dos grandes impérios da antigüidade nem no sentido moderno, dos impérios capitalistas que se formam a partir do século 16. São, entretanto, um império no sentido contemporâneo de exercício de poder ideologicamente hegemônico sobre outros Estados-nação.
Os EUA se apropriam do excedente econômico por meio do mercado, e não pela força, como acontecia nos impérios antigos e modernos. Em sua qualidade de império contemporâneo, e como os demais países ricos, cobram uma forma de imposto dos países em desenvolvimento ao aproveitarem seus mercados sem, na prática, oferecer-lhes seus próprios mercados em contrapartida. Enquanto os países ricos contrabalançam investimentos diretos recebidos com os realizados, isso não acontece com os países em desenvolvimento.
Por outro lado, os Estados Unidos, associados aos demais países ricos e utilizando como seus braços o FMI, o Banco Mundial e, em menor medida, a OMC, fazem pressões e impõem condicionalidades aos países em desenvolvimento para que abram suas contas financeiras e aceitem a estratégia de crescimento com poupança externa, que neutralizam seu desenvolvimento. Esses são competidores perigosos com sua mão-de-obra barata e precisam ser neutralizados. Mas, para alcançar esse objetivo nunca reconhecido, não usam diretamente a força, como faziam os impérios antigos e capitalistas, mas o "soft power", a hegemonia ideológica, como é próprio do império contemporâneo. E nesse processo contam com a colaboração das elites dependentes, principalmente dos que estudaram nas suas universidades e incorporaram sua visão do mundo.
Serão os Estados Unidos um hegemon benevolente, como eles próprios sugerem? Nem benevolente nem malevolente. Simplesmente o hegemon, aquele que afirma em todo momento o seu interesse nacional, que sempre pretende ser coincidente com os interesses dos demais. Em certos momentos, como no governo de Bush, a hegemonia é um ato de vontade incompetente envolvendo uma violência contra os próprios interesses americanos, mas, na maioria das ocasiões, é simplesmente uma condição de ser, uma variável estrutural.
No tempo dos impérios clássicos, ser imperial era motivo de admiração. Não vivemos mais nesse tempo, mas no tempo dos Estados-nação competindo no quadro da globalização e cooperando no da Organização das Nações Unidas. Agora, para exercer sua hegemonia, é necessário persuadir, cooptar, e, para isso, os EUA contam com um complexo e contraditório -mas nem por isso menos poderoso- sistema de aparelhos ideológicos que vão do cinema à universidade.
Não obstante seu "soft power", o império contemporâneo, que são os EUA, não é tão poderoso quanto se imagina. A invasão do Iraque foi um desastre. Os países asiáticos capitaneados pela China crescem de forma extraordinária porque não aceitam sua hegemonia: fazem ajuste fiscal, administram sua taxa de câmbio e controlam a inflação, mas não fazem todas as reformas que lhes são recomendadas nem deixam suas taxas de câmbio se apreciarem. Por isso crescem extraordinariamente.
O fracasso das reformas pressionadas pelo hegemon está hoje patente, e muitos já perceberam esse fato. Sob muitos aspectos, os chineses têm razão quando afirmam que os Estados Unidos são um "tigre de papel". Com isso eles querem dizer que, por mais poderoso que seja esse grande país, não é preciso dele ter medo. Suas armas poderosas não são úteis quando se trata de persuadir e não podem ser usadas a todo instante. Seu poder econômico é grande, mas sua capacidade de pressão econômica, limitada. O que lhes vale é a hegemonia ideológica, mas essa é possível contestar quando o país mais pobre não perde seu sentido de nação.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br

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