São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Metas de inflação pelo mundo

GESNER OLIVEIRA

A experiência com o regime de metas inflacionárias no Brasil tem sido positiva. Transcorridos três anos de sua implantação e em um momento de debate acerca das melhores alternativas para a próxima administração, é natural que surjam propostas de aperfeiçoamento do sistema, como as sete interessantes sugestões de Edmar Bacha na edição do "Valor" de ontem.
A experiência internacional sumariada no quadro baseado em trabalho do economista do Banco Central chileno Klaus Schmidt-Hebbel é útil nesse sentido. A diversidade do sistema pelo mundo mostra que o regime de metas inflacionárias está longe de ser um pacote fechado e padronizado. Trata-se de marco institucional amplo, adaptável às peculiaridades de cada país e que evolui de acordo com as lições da prática.
A Nova Zelândia adotou de forma pioneira um sistema informal de metas de inflação em 1988 e tornou-o explícito em lei a partir de 1990. O Chile adotou no mesmo ano, Canadá e Israel, em 1991, o Reino Unido, em 1992, a Suécia, em 1993, e a Austrália e a Espanha, em 1994. Um pouco mais tarde, vieram o Brasil, em 1999, e a África do Sul, em 2000.
O quadro destaca dimensões relevantes de cada um dos casos: o grau de independência do Banco Central, o tipo de índice usado como meta, a faixa de tolerância, a existência das chamadas cláusulas de escape e a transparência.
Quanto à independência do Banco Central, a variabilidade de arranjos é grande, não se restringindo a aspectos formais como a existência ou não de mandatos fixos para as autoridades monetárias. Conforme destacado em relatório recente do Fundo Monetário Internacional em relação ao Brasil, "o Banco Central não é formalmente independente, mas na prática desfruta de uma substancial autonomia operacional". Em contraste com a independência formal, que não é geral, essa autonomia na utilização dos instrumentos disponíveis é comum aos países indicados no quadro.
Quanto ao tipo de índice usado como meta, países como a Espanha e a Suécia utilizam a chamada "inflação cheia", como o Brasil. Isto é, não se faz nenhum tipo de ajuste, por exemplo, para depurar choques específicos dos índices de preços. Outros, como a Austrália e a Nova Zelândia, excluem componentes excessivamente voláteis dos indicadores inflacionários.
A experiência é igualmente diversa no tocante à utilização de metas pontuais comparativamente a intervalos (ou bandas) de variação para as taxas de inflação. A própria amplitude dessas últimas varia; no caso neozelandês chega a três pontos percentuais, contra quatro pontos no Brasil.
Quanto aos mecanismos de flexibilização das metas em circunstâncias especiais (cláusulas de escape), enfatizadas em recente artigo pelos economistas Rogério Mori e Alexandre Matias, Espanha, Chile, Israel, Reino Unido e Brasil são relativamente rígidos. Nos dois últimos, o Banco Central deve prestar explicações ao governo em caso de estouro da meta, o que não pode ser considerado uma cláusula de escape no sentido estrito. Já a Nova Zelândia prevê desvios em determinadas condições, como no caso de choques externos de preços (petróleo, por exemplo).
Quanto à transparência, o Brasil sobressai pela publicação das atas do Copom, pela divulgação aberta das projeções de inflação do Banco Central e pela publicação de um relatório de inflação, uma tríade que não se verifica em todos os países que adotam o regime. O relatório trimestral de metas de inflação produzido pelo Banco Central brasileiro chegou a ser citado como exemplo pelo economista Frederic Mishkin, um dos gurus do regime de metas inflacionárias, em artigo de 2000, preparado para a conferência anual da Associação Americana de Economia.
A natural diversidade e a desejável flexibilidade do regime de metas inflacionárias indicam, portanto, que aperfeiçoamentos são bem-vindos. A implementação desses últimos exigirá, contudo, lançar mão de ingrediente já presente no sistema brasileiro: a transparência. Quaisquer alterações terão de ser acompanhadas de ampla discussão e entendimento, não apenas pelos especialistas do mercado mas pela opinião pública.
O gradualismo é fundamental para o desenvolvimento de novas instituições e práticas coletivas. Os técnicos de futebol sabem -e no Brasil há cerca de 174 milhões deles- que o jeito mais fácil de perder um campeonato é ficar mudando o esquema tático a cada jogo.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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