São Paulo, terça-feira, 08 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O xadrez da batalha final

A eleição , de fato, começa agora, com o segundo turno. Não significa que se deva ignorar a enorme vantagem de Lula, mas admitir que será jogada uma nova partida nesse xadrez. Na preliminar, a estratégia do PT bateu de longe a do PSDB. Agora, haverá um realinhamento de estratégias.
No primeiro turno, ambos os candidatos tinham pontos fortes e fracos. Em Lula, o ponto forte é a marca nitidamente oposicionista, em um país impaciente com o quadro atual, galvanizando o descontentamento com os erros do governo Fernando Henrique Cardoso. Os pontos fracos eram o menor preparo para falar de problemas nacionais de forma mais ampla, o discurso pré-eleitoral do PT, ainda bastante radical -e o risco que poderia representar para as conquistas do governo.
Em José Serra, o ponto forte é o maior preparo, a imagem de um ministro operacional e poder se apresentar como avalista das conquistas do governo Fernando Henrique Cardoso. O ponto fraco, o fato de ser candidato do governo e ter que arcar com as críticas aos erros do governo Fernando Henrique, e a imagem de "demolidor" da biografia alheia que lhe foi pespegada no caso Lunus.
Embora se possa dizer que Lula tenha se beneficiado do fato de ter ficado de fora da disputa eleitoral -pela razão de estar sozinho em primeiro lugar-, a verdade é que a estratégia petista foi brilhante para realçar pontos positivos e esconder os negativos. Lula foi apresentado como o negociador por excelência -imagem que é verossímil, por sua biografia. Essa postura permitiu ao candidato se eximir de dar sua opinião sobre qualquer tema mais delicado. Serviu para esconder a posição do PT em relação a temas politicamente polêmicos e evitar que Lula entrasse em divididas ou se enrolasse em temas complexos. Se o tema era politicamente complexo, bastava remeter a solução para um futuro conselho de sábios, que, na hora oportuna daria a resposta adequada. Desideologizou amplamente o debate, sem se comprometer formalmente com nenhuma posição.
Ao mesmo tempo, o presidente do partido, José Dirceu, iniciou uma maratona de conversas com agentes econômicos e com o próprio presidente da República, conseguindo um efeito curioso: o PT virou a própria reforma fiscal, todo mundo a favor, sem conseguir captar a contra-indicação.
Do lado de Serra, a estratégia não funcionou. Quando confrontado com as críticas ao governo, a posição de Serra era: não vamos olhar para trás, vamos olhar para a frente. Na prática, a leitura do eleitor era a seguinte: nem Serra consegue achar nada de bom no governo. Com isso, Serra ficou com o ônus, mas não com o bônus de ser governo.
Além disso, houve falta de ação no episódio Lunus, em que foi acusado de ter colocado a escuta no escritório de Jorge Murad, acusação que não veio acompanhada de nenhuma evidência sequer. A posição do candidato foi a de ignorar olimpicamente as insinuações para não se misturar com a lama. Não poderia. Não bastava a constatação de que não havia evidências de sua participação. O jogo de insinuações não se move de evidências e só consegue ser detido com manifestações enérgicas de indignação.
No segundo tempo do jogo, começa tudo de novo. Do lado de Lula, será obrigado a explicitar suas propostas em relação aos avanços obtidos pelo país nos últimos anos. Vai continuar a profissionalização das empresas públicas? As políticas sociais não serão mais politizadas? Sua política para a empresa nacional implicará a volta do protecionismo? Haverá politização da máquina pública? Qual sua posição sobre encargos trabalhistas?
De seu lado, José Serra terá que assumir amplamente a defesa do governo Fernando Henrique Cardoso, nos acertos e nos erros, mesmo em decisões das quais ele discordou na época. Terá que se mover em um discurso mais claro, de apresentar as conquistas do período, convencer o eleitor de que nem tudo pode ser feito em prazos curtos e se propor a corrigir o que deve ser corrigido.
Terá campo livre, agora, para fugir da polarização incômoda de não poder criticar Lula, para não transferir votos para Garotinho. E vice-versa.
Seja qual for o resultado, o embate entre os dois candidatos será fundamental para conferir clareza antecipada ao próximo governo.

E-mail -
LNassif@uol.com.br


Texto Anterior: Crise aumenta economia informal
Próximo Texto: Varejo: Sem desconto, preço de remédio deve subir
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.