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OPINIÃO ECONÔMICA
Sempre na contramão
BENJAMIN STEINBRUCH
Imagine a figura de uma dona-de-casa dedicada, que
poupa recursos familiares às vezes impondo limitações e sacrifícios aos filhos. Responsável, a
mulher controla os gastos mensais para conseguir sobras que
permitam melhorar o bem-estar
geral da família. Mas, enquanto
faz esse esforço de contenção de
despesas, o marido, irresponsável, gasta tudo "em pinga" no
bar da esquina, em farras com os
amigos.
Recorro a essa imagem para
comentar o que se passa no Brasil. Nos primeiros nove meses do
ano, o controle de gastos e o aumento de impostos do governo
federal produziram um superávit primário de R$ 86,6 bilhões
no setor público. Toda essa poupança forçada, que impôs sacrifícios generalizados ao país, e outros R$ 33,6 bilhões foram gastos
"em pinga" por conta dos pesados encargos financeiros gerados
pela política farrista dos juros altos.
Dirá o leitor, com razão, que
essa é uma conversa antiga, que
já cansou. Mas não há como deixar de voltar a ela pelo acúmulo
de evidências de que o Brasil, em
razão desse comportamento
equivocado que o leva a trafegar
sempre na contramão, perde seguidas oportunidades de acompanhar o crescimento da economia mundial.
Em artigo brilhante no "Valor", o nosso sempre ministro
Antonio Delfim Netto mostrou,
na semana passada, que o Brasil
é o único país, de uma lista de 14
emergentes, que vai reduzir os
juros reais neste momento. Todos os demais iniciam movimento contrário, seguindo, aliás, a
própria tendência do Fed, o banco central dos Estados Unidos.
Como diz a sabedoria chinesa,
três coisas jamais voltam: flecha
lançada, palavra pronunciada e
oportunidade perdida. O Brasil
perdeu, na década passada, o
bonde dos anos da "exuberância
irracional" da economia mundial. Nesta década, até agora, incluindo projeções para 2005,
cresceu apenas 18%, um vexame
na comparação com a China
(63,3%), a Rússia (47,4%) e a Índia (41,4%).
Tudo indica que, infelizmente,
vem aí um período de desaquecimento da economia mundial. O
comportamento dos bancos centrais em geral, que aumentam as
taxas de juros (com o brasileiro
na contramão), leva a essa conclusão. Se esse desaquecimento
se confirmar, o Brasil não ficará
imune. Nosso comércio exterior
já reflete um pouco essa tendência. A média diária das exportações, também muito prejudicadas pelo câmbio desfavorável,
praticamente parou de crescer
há três meses. As importações de
bens intermediários e bens de capital, bons indicadores prévios
da atividade econômica, estão
em queda, apesar do câmbio favorável.
Preocupado com a reeleição,
como informou a Folha, o presidente Lula deu ordens aos ministros para acelerar os gastos. Não
quer mais saber de superávit tão
elevado, como o de 6,1% do PIB
alcançado de janeiro a setembro.
Deseja apenas cumprir os 4,25%
estabelecidos como meta e gastar
a diferença em obras.
É um pouco tarde. A Folha
mostrou que, até 15 de outubro, o
governo investiu menos de 10%
dos R$ 22,1 bilhões autorizados
pela Lei Orçamentária para
2005. Mas, antes tarde do que
nunca.
O superávit desviado para o
pagamento de juros artificialmente inflados pelo próprio governo (leia-se Banco Central) já
comprometeu a construção de
escolas, a recuperação de estradas e de portos, o incentivo a setores estratégicos, o investimento
em habitação e em saneamento
público e a melhoria do atendimento à saúde.
Tanto em famílias como em
países, o esforço de contenção de
gastos é saudável quando se destina uma parte substancial dos
recursos poupados a áreas prioritárias, que dizem respeito ao
bem-estar. Famílias poupam para comprar casa, eletrodomésticos e investir em saúde e educação dos filhos. Países poupam (e
ainda têm a obrigação de captar
empréstimos) para abrir estradas, portos, construir escolas,
hospitais e infra-estrutura em
geral. Superávits não valem nada se são gastos "em pinga".
Benjamin Steinbruch, 52, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho
de administração da empresa e primeiro
vice-presidente da Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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