São Paulo, terça-feira, 08 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Sempre na contramão

BENJAMIN STEINBRUCH

Imagine a figura de uma dona-de-casa dedicada, que poupa recursos familiares às vezes impondo limitações e sacrifícios aos filhos. Responsável, a mulher controla os gastos mensais para conseguir sobras que permitam melhorar o bem-estar geral da família. Mas, enquanto faz esse esforço de contenção de despesas, o marido, irresponsável, gasta tudo "em pinga" no bar da esquina, em farras com os amigos.
Recorro a essa imagem para comentar o que se passa no Brasil. Nos primeiros nove meses do ano, o controle de gastos e o aumento de impostos do governo federal produziram um superávit primário de R$ 86,6 bilhões no setor público. Toda essa poupança forçada, que impôs sacrifícios generalizados ao país, e outros R$ 33,6 bilhões foram gastos "em pinga" por conta dos pesados encargos financeiros gerados pela política farrista dos juros altos.
Dirá o leitor, com razão, que essa é uma conversa antiga, que já cansou. Mas não há como deixar de voltar a ela pelo acúmulo de evidências de que o Brasil, em razão desse comportamento equivocado que o leva a trafegar sempre na contramão, perde seguidas oportunidades de acompanhar o crescimento da economia mundial.
Em artigo brilhante no "Valor", o nosso sempre ministro Antonio Delfim Netto mostrou, na semana passada, que o Brasil é o único país, de uma lista de 14 emergentes, que vai reduzir os juros reais neste momento. Todos os demais iniciam movimento contrário, seguindo, aliás, a própria tendência do Fed, o banco central dos Estados Unidos.
Como diz a sabedoria chinesa, três coisas jamais voltam: flecha lançada, palavra pronunciada e oportunidade perdida. O Brasil perdeu, na década passada, o bonde dos anos da "exuberância irracional" da economia mundial. Nesta década, até agora, incluindo projeções para 2005, cresceu apenas 18%, um vexame na comparação com a China (63,3%), a Rússia (47,4%) e a Índia (41,4%).
Tudo indica que, infelizmente, vem aí um período de desaquecimento da economia mundial. O comportamento dos bancos centrais em geral, que aumentam as taxas de juros (com o brasileiro na contramão), leva a essa conclusão. Se esse desaquecimento se confirmar, o Brasil não ficará imune. Nosso comércio exterior já reflete um pouco essa tendência. A média diária das exportações, também muito prejudicadas pelo câmbio desfavorável, praticamente parou de crescer há três meses. As importações de bens intermediários e bens de capital, bons indicadores prévios da atividade econômica, estão em queda, apesar do câmbio favorável.
Preocupado com a reeleição, como informou a Folha, o presidente Lula deu ordens aos ministros para acelerar os gastos. Não quer mais saber de superávit tão elevado, como o de 6,1% do PIB alcançado de janeiro a setembro. Deseja apenas cumprir os 4,25% estabelecidos como meta e gastar a diferença em obras.
É um pouco tarde. A Folha mostrou que, até 15 de outubro, o governo investiu menos de 10% dos R$ 22,1 bilhões autorizados pela Lei Orçamentária para 2005. Mas, antes tarde do que nunca.
O superávit desviado para o pagamento de juros artificialmente inflados pelo próprio governo (leia-se Banco Central) já comprometeu a construção de escolas, a recuperação de estradas e de portos, o incentivo a setores estratégicos, o investimento em habitação e em saneamento público e a melhoria do atendimento à saúde.
Tanto em famílias como em países, o esforço de contenção de gastos é saudável quando se destina uma parte substancial dos recursos poupados a áreas prioritárias, que dizem respeito ao bem-estar. Famílias poupam para comprar casa, eletrodomésticos e investir em saúde e educação dos filhos. Países poupam (e ainda têm a obrigação de captar empréstimos) para abrir estradas, portos, construir escolas, hospitais e infra-estrutura em geral. Superávits não valem nada se são gastos "em pinga".


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Entidades devem recorrer à Justiça contra greve de servidores do fisco
Próximo Texto: Tendências internacionais - Barril de pólvora: Petróleo cai mais de US$ 1 em Nova York
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.