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SOCIAIS & CIA.
Especialista contesta meta de redução de CO2
Para professor da USP, emissões de gases do efeito estufa são menores em proporção do PIB, mas maiores em termos absolutos
José Eli da Veiga diz que países com altos padrões de vida poderiam abrir mão do crescimento econômico em troca de avanço sustentável
ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Grandes negociações internacionais sobre a questão climática terão pouco efeito prático se os países continuarem a
seguir o modelo de crescimento econômico acelerado como
norte de suas políticas.
Essa é uma das principais
conclusões do livro "Mundo em
Transe - Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento",
de José Eli da Veiga, economista e professor da FEA-USP, que
será lançado na próxima semana em São Paulo.
Reconhecido como um dos
maiores especialistas do tema
no país, o professor chama a
atenção para um detalhe que,
em sua opinião, tem recebido
pouca atenção no debate climático: o fato de o crescimento
econômico gerar, em termos
absolutos, aumento das emissões totais de gases causadores
do efeito estufa. Mesmo que
dentro de um contexto de redução das emissões como proporção do PIB, a chamada "intensidade-carbono".
"Mesmo em economias de altíssima ecoeficiência, por
exemplo com a redução maciça
no uso de combustíveis fósseis
na geração de energia, podemos ver que, em termos absolutos, com o crescimento econômico, as emissões aumentam", disse Veiga à Folha.
Os números ajudam a clarear
o raciocínio. Entre 1980 e
2006, o declínio global da intensidade-carbono (a utilização do carbono como proporção do PIB) caiu aproximadamente um quarto. O CO2 emitido por uso de energias fósseis
por dólar de PIB no período
saiu de pouco mais de um quilo
para 770 gramas.
Esse ganho de eficiência não
resultou, no entanto, em redução das emissões de carbono
oriundas de energias fósseis
em termos absolutos. Ao contrário. Elas hoje são 60% superiores às de 1980. "O resultado
é que as emissões de carbono e
o aquecimento global continuam aumentando em termos
absolutos, apesar do descolamento relativo. Essa desmaterialização da economia sem o
devido alívio ecossistêmico,
que também vale para outros
recursos naturais, deveria ser a
questão central no debate sobre desenvolvimento sustentável", defende o economista.
A inovação tecnológica e a alta produtividade não aliviam
esse problema? "A inovação
tecnológica não pode estar dissociada do aumento da população e dos padrões de consumo.
Se a população continua crescendo, se o consumo também
aumenta, em termos absolutos
isso mais que compensa a queda relativa que se tenha com
ganhos de produtividade, que,
nesse caso, podemos chamar
de ganhos de ecoeficiência."
Crescer x sobreviver
Em seu livro, Veiga coloca como consequência natural desse
dilema um debate que, ele mesmo admite, ainda é tratado como uma verdadeira "heresia"
entre os economistas: repensar
o próprio modelo econômico
lastreado em crescimentos
contínuos -e, de preferência,
sempre maiores na margem.
"Esse é um debate muito difícil, mas que já começa a ganhar
espaço em alguns países. Se
mesmo nas economias mais
ecoeficientes a pressão por recursos naturais aumenta, entre
elas a do carbono, isso só pode
ser explicado como um efeito
do crescimento dessas economias. A questão é que a prosperidade de uma nação não pode
ser reduzida à produção ou ao
consumo, ou seja, não pode ser
entendida simplesmente como
sinônimo de crescimento econômico", ilustra Veiga.
Na prática, isso quer dizer
que países que alcançaram elevados padrões de vida e consumo, como os escandinavos, poderiam abrir mão do crescimento econômico em troca de
um modelo de desenvolvimento realmente sustentável. Num
futuro distante, essas economias poderiam até "encolher",
sem que isso representasse
perda dessa condição próspera.
"Obviamente, esse é um conceito que ainda levará tempo,
que é aplicável hoje apenas para países sem desigualdades.
No entanto, vemos um esforço
grande de governos nesse sentido, sobretudo os que estão
olhando não para os próximos
10 ou 15 anos, mas para daqui
50 ou 60 anos. A busca por novas métricas que substituam o
PIB como parâmetro de desenvolvimento econômico, como a
do governo francês, é um ótimo
exemplo nesse sentido."
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