São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009

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SOCIAIS & CIA.

Especialista contesta meta de redução de CO2

Para professor da USP, emissões de gases do efeito estufa são menores em proporção do PIB, mas maiores em termos absolutos

José Eli da Veiga diz que países com altos padrões de vida poderiam abrir mão do crescimento econômico em troca de avanço sustentável


ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Grandes negociações internacionais sobre a questão climática terão pouco efeito prático se os países continuarem a seguir o modelo de crescimento econômico acelerado como norte de suas políticas.
Essa é uma das principais conclusões do livro "Mundo em Transe - Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento", de José Eli da Veiga, economista e professor da FEA-USP, que será lançado na próxima semana em São Paulo.
Reconhecido como um dos maiores especialistas do tema no país, o professor chama a atenção para um detalhe que, em sua opinião, tem recebido pouca atenção no debate climático: o fato de o crescimento econômico gerar, em termos absolutos, aumento das emissões totais de gases causadores do efeito estufa. Mesmo que dentro de um contexto de redução das emissões como proporção do PIB, a chamada "intensidade-carbono".
"Mesmo em economias de altíssima ecoeficiência, por exemplo com a redução maciça no uso de combustíveis fósseis na geração de energia, podemos ver que, em termos absolutos, com o crescimento econômico, as emissões aumentam", disse Veiga à Folha.
Os números ajudam a clarear o raciocínio. Entre 1980 e 2006, o declínio global da intensidade-carbono (a utilização do carbono como proporção do PIB) caiu aproximadamente um quarto. O CO2 emitido por uso de energias fósseis por dólar de PIB no período saiu de pouco mais de um quilo para 770 gramas.
Esse ganho de eficiência não resultou, no entanto, em redução das emissões de carbono oriundas de energias fósseis em termos absolutos. Ao contrário. Elas hoje são 60% superiores às de 1980. "O resultado é que as emissões de carbono e o aquecimento global continuam aumentando em termos absolutos, apesar do descolamento relativo. Essa desmaterialização da economia sem o devido alívio ecossistêmico, que também vale para outros recursos naturais, deveria ser a questão central no debate sobre desenvolvimento sustentável", defende o economista.
A inovação tecnológica e a alta produtividade não aliviam esse problema? "A inovação tecnológica não pode estar dissociada do aumento da população e dos padrões de consumo. Se a população continua crescendo, se o consumo também aumenta, em termos absolutos isso mais que compensa a queda relativa que se tenha com ganhos de produtividade, que, nesse caso, podemos chamar de ganhos de ecoeficiência."

Crescer x sobreviver
Em seu livro, Veiga coloca como consequência natural desse dilema um debate que, ele mesmo admite, ainda é tratado como uma verdadeira "heresia" entre os economistas: repensar o próprio modelo econômico lastreado em crescimentos contínuos -e, de preferência, sempre maiores na margem.
"Esse é um debate muito difícil, mas que já começa a ganhar espaço em alguns países. Se mesmo nas economias mais ecoeficientes a pressão por recursos naturais aumenta, entre elas a do carbono, isso só pode ser explicado como um efeito do crescimento dessas economias. A questão é que a prosperidade de uma nação não pode ser reduzida à produção ou ao consumo, ou seja, não pode ser entendida simplesmente como sinônimo de crescimento econômico", ilustra Veiga.
Na prática, isso quer dizer que países que alcançaram elevados padrões de vida e consumo, como os escandinavos, poderiam abrir mão do crescimento econômico em troca de um modelo de desenvolvimento realmente sustentável. Num futuro distante, essas economias poderiam até "encolher", sem que isso representasse perda dessa condição próspera.
"Obviamente, esse é um conceito que ainda levará tempo, que é aplicável hoje apenas para países sem desigualdades. No entanto, vemos um esforço grande de governos nesse sentido, sobretudo os que estão olhando não para os próximos 10 ou 15 anos, mas para daqui 50 ou 60 anos. A busca por novas métricas que substituam o PIB como parâmetro de desenvolvimento econômico, como a do governo francês, é um ótimo exemplo nesse sentido."


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