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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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COMÉRCIO GLOBAL

Brasil terá 3 ministros na reunião de Tóquio, a partir de sexta, que avaliará avanços da Rodada de Doha

Agricultura domina estréia de Lula na OMC

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governo Lula estréia na próxima sexta-feira no grande palco do comércio internacional, a OMC (Organização Mundial do Comércio), mas defendendo as mesmas propostas e posições tradicionais da diplomacia brasileira.
A estréia dar-se-á na chamada "miniministerial" de Tóquio, uma reunião da OMC restrita a 25 dos 145 países que integram a organização que funciona como xerife do comércio internacional.
A reunião, diz o comunicado oficial do governo japonês, vai rever os "progressos" nas negociações lançadas em Doha, em novembro de 2001, pela Conferência Ministerial, a instância máxima de decisões da OMC.
Como os progressos foram poucos, na prática o encontro servirá para tentar desfazer nós e permitir avanços suficientes para que a nova Ministerial (Cancún, no México, em setembro) não repita o estrepitoso fracasso da reunião de Seattle, há pouco mais de três anos. "Lamentavelmente, é assim que as coisas se encaminham", diz José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil junto à União Européia, um dos mais experientes negociadores brasileiros e testemunha privilegiada do desastre de Seattle.
A agenda de Tóquio é aberta o suficiente para abranger toda a vasta pauta de negociações em que o planeta está envolvido. Mas, na prática, o assunto dominante será agricultura.
Aliás, a intenção do governo japonês, ao fazer o convite para a "miniministerial", era discutir apenas agricultura, tanto que os ministros da área foram convidados. Mas os demais países reagiram a uma limitação tão drástica e a pauta ficou aberta.
O Brasil vai a Tóquio com três ministros -Celso Amorim (Relações Exteriores), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Roberto Rodrigues (Agricultura)- e uma preocupação principal.
"Não existe discussão nem na OMC nem nas negociações Mercosul/UE nem na Alca (Área de Livre Comércio das Américas) se agricultura não entrar", dispara Roberto Rodrigues.
Reforça Peter Allgeier, o segundo homem do USTr (United States Trade Representative, uma espécie de ministério de comércio exterior dos EUA): "O fato é que não haverá desenlace significativo [das negociações comerciais globais" se não houver desenlace significativo em agricultura".
Postas as coisas nesses termos, volta-se à discussão que vem incendiando todas as negociações comerciais desde a Rodada Uruguai (1986-1994), a etapa de liberalização comercial que antecedeu a agora chamada Rodada de Desenvolvimento de Doha.
Os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, supostamente os 29 mais industrializados do mundo) subsidiam seus produtores agrícolas com uma pilha de dinheiro que chega perto de US$ 1 bilhão por dia.
O Brasil, entre outros produtores ultracompetitivos, quer derrubar o muro protecionista. O argumento "doutrinário", como diz o ministro Rodrigues, é o seguinte: "O lado negro da globalização é o aumento da brecha socioeconômica, o que ameaça a paz e a democracia. Só há um instrumento para começar a diminuir a brecha: os países ricos abrirem seus mercados agrícolas para o mundo em desenvolvimento".
Esse argumento é o mesmo que foi utilizado à exaustão durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso. Não colou junto ao mundo desenvolvido, tanto que se mantém em debate.
Chegarão a Tóquio três propostas: a do grupo de Cairns (Brasil mais 17 grandes produtores agrícolas), pela liberalização ampla do setor; a dos EUA, que coincide com a de Cairns; e a da UE, bem mais modesta, com apoio de Japão e Coréia, entre outros.
Há, no entanto, um ponto de aproximação: a Comissão Européia acaba de lançar uma proposta, ainda modesta, mas que, de todo modo, corta em 45% os subsídios à exportação -exatamente o mecanismo mais criticado por países como o Brasil. "É predatório e impede a entrada de nossos produtos em terceiros mercados", diz o ministro Rodrigues.
O problema é que a proposta é da comissão, o órgão executivo do conglomerado de 15 países europeus. Para ser efetivamente implementada depende de aprovação do Conselho Europeu, o organismo de cúpula, composto pelos chefes de governo dos 15. "Só faz sentido começar a negociar se a proposta for mesmo adotada", diz o embaixador Graça Lima.
A reunião de Tóquio poderá oferecer os primeiros sinais de que ela será implementada, o que começaria a desbloquear a até agora estancada negociação de Doha.


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