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LUÍS NASSIF
Visitando Recife
Quem tem leitores como eu,
não morre pagão. Prova é o
disco "Frevo de Bloco", enviado
pela leitora Maria Inez Matoso
Silveira. São 22 frevos interpretados pelo Bloco Mocambinho na
Folia e Coral Feminino, arranjos
dos grandes Nelson Ferreira, Duda e Clóvis Pereira.
Neste carnaval nem a guerra
do Iraque segura minha ida ao
Recife para desfilar no bloco do
físico Silvio Meira, beber os repentes do advogado José Paulo
Cavalcante, se ele não se exilar
na praia, conforme costuma proceder em oposição às boas práticas do Recife.
Não sei de que ano é a gravação do LP. Os frevos gravados
provavelmente foram compostos
entre os anos 40 e 60. A forma é
idêntica. Sempre começa em tom
menor, em geral puxando temas
ligados à saudade, a segunda
parte explode em tom maior, depois se repetem as duas. Ao contrário dos frevos estilizados dos
jovens compositores dos anos 60
que participavam dos festivais
de música pela televisão, as melodias não são muito sincopadas.
As letras caminham como em
marchas-ranchos. O sincopado é
da orquestra na abertura, na
passagem para a repetição e no
encerramento. Aí os instrumentos explodem no balanço característico do frevo.
É impressionante a riqueza, a
similaridade com as marchinhas
e marchas-ranchos cariocas do
período. São clássicos do mesmo
nível, mas que ficaram restritos a
Recife e Olinda, com exceção de
algumas peças de Capiba e Nelson Ferreira. O disco traz composições de ambos. Além de Getúlio
Cavalcanti, José Menezes, Arnaldo Paes de Andrade.
Mas minha paixão no frevo é
Edgard Moraes, o "General Cinco Estrelas da Folia". Lembro-me com pouco menos de dez
anos ouvindo "Evocação Número 1", de Nelson Ferreira, composto em 1957: "Felinto, Pedro
Salgado / Guilherme Fenelon cadê seus blocos famosos" e que, na
continuação, mencionava o "velho Raul Moraes", falecido em
1937, ainda jovem, e conhecido
em todo o Brasil. Por mais jovem, embora morrendo velho,
Edgard ficou conhecido como irmão do velho Raul, que morreu
jovem. Raul nasceu em 1891, correu Brasil tocando piano e compôs uma valsa, "Na Praia um
Dia", que fez sucesso na voz de
Augusto Calheiros, o "Patativa
do Norte".
Edgard nasceu em 1904, estourou no carnaval de 1935, compôs
cerca de 300 músicas, fundou diversas agremiações como os Pirilampos, os Turunas de São José,
Jacarandá e Corações Futuristas.
É dele o clássico "A Dor de Uma
Saudade", de 1961, ao som do
qual meu amigo Antonio Nóbrega, depois do seu show, colocou
300 pessoas desfilando pelos salões do Teatro da PUC, depois invadindo a rua Monte Alegre, como se os céus de Recife tivessem
sido transportados para São
Paulo.
Edgard foi um dos criadores
das marchas de bloco, uma variação que trocava a tradicional
orquestra de metais por um conjunto de pau-e-corda, com violões, bandolins, banjos, cavaquinhos e os ritmos de fanfarra, surdo, tarol e reco-reco. O disco que
recebi, aliás, majoritariamente
tem essa formação.
Em 1972, pouco antes de morrer, com Marcelo Varela e Zoca
Madureira, montou o Bloco da
Saudade, considerado um marco
no renascimento da cultura regional de blocos.
Inspirados nele, surgiram depois Lili Nem Sempre Toca Flauta, Aurora de Amor, Bloco das
Ilusões e Flor da Vitória-Régia.
O Bloco nasceu em homenagem a um dos maiores clássicos
do frevo, o "Valores do Passado",
de 1962, no qual Edgard saudava
24 blocos extintos. Desde já estou
decorando a letra, e, se errar, o
Silvio Meira reconhecerá meu esforço, pois só a primeira estrofe é
assim: "Bloco das Flores, Andaluzas, Cartomantes / Camponeses, Apôis Fum / E o Bloco
Um Dia Só / Os Corações Futuristas / Bobos em Folia / Pirilampos de Tejipió / A Flor da
Magnólia / Lira do Charmion,
Sem Rival / Jacarandá, a Madeira da Fé / Crisântemos, Se
tem Bote / E Um Dia de Carnaval".
E-mail - LNassif@uol.com.br
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