São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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ARTIGO

Efeitos da crise persistirão por longo tempo

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

AS NOTÍCIAS econômicas da semana foram bastante desagradáveis. A compressão de crédito está se agravando, e um indicador de tendências muito acompanhado sobre o setor de serviços -que responde pela maioria da atividade econômica- caiu do penhasco. Ainda não há certeza de que estejamos a caminho de uma recessão, mas a probabilidade é cada vez maior.
E, se as experiências do passado servem como guia, os problemas persistirão por longo tempo -digamos que até a metade de 2010.
Os problemas que a economia dos Estados Unidos agora enfrenta se assemelham muito àqueles que causaram as duas última recessões -mas desta vez combinados.
De um lado, o estouro da bolha da habitação está desempenhando o papel que o estouro da bolha da internet teve em 2001. De outro, a crise do setor de empréstimos imobiliários de alto risco ("subprime") está criando uma compressão de crédito que se assemelha ao aperto surgido com o colapso do setor de poupança e empréstimos imobiliários, no final da década de 1980, que gerou a recessão de 1990.
Você talvez se recorde de que essas duas recessões foram curtas. E é verdade que as duas últimas recessões passaram em apenas oito meses.
Mas as datas oficiais quanto ao final das duas recessões são profundamente enganosas, pelo menos no que tange à experiência das pessoas. Existe um motivo para que o governo do presidente George W. Bush, em seus esforços (cada vez mais transparentes) para alardear o bom desempenho econômico em seus anos no poder, sempre fale sobre o número de empregos criados de agosto de 2003 para cá. Porque foi só naquele mês, cerca de dois anos e meio depois do início da recessão, que a economia dos Estados Unidos começou a registrar uma recuperação mais sólida.
E a mesma coisa havia acontecido uma década antes: a recessão que começou em 1990 se encerrou oficialmente em março de 1991, mas a recuperação sem criação de empregos que se seguiu manteve os norte-americanos desanimados quanto à economia até a eleição de 1992.
Já que os problemas atuais do país parecem uma combinação dos sofridos em 1990 e 2001, a forma do atual episódio de perturbação econômica provavelmente se assemelhará à dos episódios anteriores: mesmo que a recessão oficial seja curta, o momento desfavorável perdurará por um bom tempo no próximo governo.

Duração
E até que ponto essa perturbação se agravará? A bolha dupla subjacente à atual crise -que combina uma bolha no setor de habitação a uma bolha de crédito- sugere que a situação pode bem se provar pior do que em 1990 ou 2001.
E alguns economistas bastante respeitados estão lançando alertas preocupantes. Um novo estudo de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que compara os Estados Unidos dos últimos anos a outros países avançados que sofreram crises financeiras, vem despertando grande interesse. Os economistas constatam em seu estudo que o perfil do país se assemelha ao das "cinco grandes crises", lista que inclui, por exemplo, a crise sueca de 1991, durante a qual o desemprego subiu de 2% para 9% em apenas dois anos.
Talvez tenhamos sorte e algo assim não acontecerá. Mas o que se poderia fazer para limitar os danos?
Desde setembro, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) reduziu sua taxa de juros básica cinco vezes, de 5,25% para 3%, e todo mundo espera novos cortes. Mas as taxas de juros também sofreram cortes dramáticos nas duas desacelerações anteriores -e ainda assim os problemas persistiram por anos.
Enquanto isso, o Congresso e o governo Bush chegaram a um acordo quanto a um pacote de estímulo, objeto de grande alarde. Mas o pacote, ainda que provavelmente seja melhor do que a inação, não deve ter efeito forte sobre o problema -em parte devido à insistência do governo e dos republicanos do Senado em bloquear exatamente as medidas que poderiam ser mais efetivas, como a extensão do seguro-desemprego e da assistência alimentícia às famílias de baixa renda.
Mesmo assim, em janeiro a Casa Branca terá um novo inquilino. Caso a queda ainda esteja em curso, o que é provável, isso permitirá que o novo presidente considere outras medidas, mais efetivas.
O momento seria especialmente bom para pensar na possibilidade de ir além dos cortes de impostos e dos cheques de restituição e estimular a economia americana por meio de investimentos públicos altamente necessários -por exemplo, reparos na infra-estrutura deteriorada do país.
A queixa usual quanto ao uso de gastos públicos como forma de estimular a economia é que eles demoram a fazer efeito -no momento em que o dinheiro começa a ser injetado, em geral a recessão já acabou. Mas, caso a queda prove ser longa, o que parece provável, esse fator deixará de ser problema.
Mas não teremos nenhuma ação inovadora em favor da economia a menos que o próximo presidente desfrute de dois atributos essenciais.
Primeiro, é preciso que não use os antolhos ideológicos que levam o atual governo e seus aliados a se oporem ferozmente à idéia de que um governo nada pode fazer de positivo além de cortar impostos.
Segundo, o novo presidente precisa conhecer, ou se interessar por, política econômica. Um presidente em geral não precisa comandar a sua equipe econômica em pessoa, mas precisa estar bem informado o bastante para escolher os conselhos corretos.
Será que teremos esse tipo de presidente? O futuro dirá.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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