São Paulo, terça-feira, 09 de fevereiro de 2010

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Economista propõe fundo monetário europeu

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

Daniel Gros virou o nome da hora nos círculos econômicos da Europa. O economista propõe uma saída híbrida para a crise da dívida pública na Grécia (e, eventualmente, Portugal, Espanha, Itália e outros adeptos do euro que venham a ter problemas de caixa): criar o Fundo Monetário Europeu.
A ideia, apresentada ontem pelo diretor do Centro para Estudos de Políticas Europeias (Bruxelas) em um artigo com o economista-chefe do Deutsche Bank, Thomas Mayer, parte do princípio de que a UE não estava nem está preparada para lidar com o risco de moratória de um de seus membros, e apenas cortes de Orçamento não resolverão o enrosco atual -até porque ele não espera uma ação efetiva de Atenas.
No caso de uma operação de resgate, afirmam, um fundo criado na própria zona do euro pela Comissão Europeia (órgão Executivo da UE) teria mais poder de fogo para se fazer respeitar do que o FMI. Seria também mais focado e ágil do que qualquer operação sob o Pacto de Crescimento e Estabilidade, o estatuto da UE para o tema e que veta socorros do bloco a um membro sob pena de inflar o problema.
Uma das provisões sugeridas por Gros e Mayer é que a cota paga por cada país aumente junto com o risco de calote.
Os economistas enviaram o plano ao órgão Executivo da UE, e ele deve ser examinado na reunião dos chefes de governo quinta. Ontem, a Folha conversou com Gros por telefone. Leia a seguir os principais trechos da conversa.

 

FOLHA - Quanto da atual crise é histeria do mercado e quanto é problema estrutural?
DANIEL GROS
- Os mercados ficam histéricos quando há problemas estruturais. Eles ficam sem reagir um tempão e, quando reagem, exageram. A questão é que, se um governo não consegue se financiar por causa da reação do mercado, não interessa o que está certo, interessa que ele não consegue o dinheiro. O Brasil já passou por isso há muito tempo.

FOLHA - Nem tanto assim.
GROS
- Verdade, e está na memória das pessoas. Elas pensam "de novo, não". Na Europa não há essa memória.

FOLHA - E isso atrapalha?
GROS
- Sim, pois, para que os países reajam, é preciso consenso político, e isso é mais difícil quando não se tem memória do que pode ser a situação.

FOLHA - O sr. argumenta que reduzir o Orçamento não é suficiente. Mas, antes de ser suficiente, a promessa grega de reduzir seu deficit de 13% para 3% em três anos é viável?
GROS
- É. Mas só se eles tiverem uma megacrise política.

FOLHA - Mas a população é contra.
GROS
- Por isso estou dizendo. Eles são contra, aí a economia colapsa, e talvez a população mude de ideia.

FOLHA - O sr. defende a criação de um Fundo Monetário Europeu. Haveria tempo para aplicá-lo à atual situação?
GROS
- Sim, a crise não acaba em duas ou três semanas. A Argentina levou dois anos para voltar aos trilhos.

FOLHA - Mas dois anos são suficientes para criar um novo mecanismo na UE? As coisas levam tempo aqui, não?
GROS
- Tem razão. Mas é por isso que é preciso aproveitar a crise, porque aí há foco.

FOLHA - O sr. defende que países com risco maior paguem prêmios maiores. Eles poderiam bancar? Isso não vai afetar mais o Orçamento?
GROS
- Todos os países participariam, mas isso seria feito por transações financeiras, como os países fazem com o FMI. A menos que eles já estejam quebrados, isso nem aparece no Orçamento. Fora que seria diferente do que ocorre sob o Pacto de Estabilidade, no qual só se prevê o pagamento de multas, uma coisa inútil que não serve a um propósito comum, só vai para o cofre da UE.

FOLHA - E por que esse fundo europeu funcionaria melhor do que o FMI? Vários economistas dizem que o FMI já tem os meios e a experiência.
GROS
- Eles esquecem a Argentina [em 2000-01], que tomou três empréstimos e quebrou mesmo assim. A questão não é a rigidez do FMI, é que o país pode virar as costas ao FMI e quebrar do mesmo jeito. O FMI não tem tanta influência sobre esses países como a União Europeia.

FOLHA - Isso é resultado da resistência moral dos europeus em relação ao FMI?
GROS
- Isso existe, mas eu estou falando do ponto de vista econômico mesmo.

FOLHA - Na prática, como o FME seria criado?
GROS
- Você precisa de uma decisão do Conselho Europeu para criar um fundo, colocá-lo sob controle do grupo do euro e usar a instrumentação de um organismo de implementação. Em seis semanas, estaria funcionando, e melhor que outros instrumentos da UE porque seria automático, não dependeria de novas decisões.


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