Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Economista propõe fundo monetário europeu
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
Daniel Gros virou o nome da
hora nos círculos econômicos
da Europa. O economista propõe uma saída híbrida para a
crise da dívida pública na Grécia (e, eventualmente, Portugal, Espanha, Itália e outros
adeptos do euro que venham a
ter problemas de caixa): criar o
Fundo Monetário Europeu.
A ideia, apresentada ontem
pelo diretor do Centro para Estudos de Políticas Europeias
(Bruxelas) em um artigo com o
economista-chefe do Deutsche
Bank, Thomas Mayer, parte do
princípio de que a UE não estava nem está preparada para lidar com o risco de moratória de
um de seus membros, e apenas
cortes de Orçamento não resolverão o enrosco atual -até porque ele não espera uma ação
efetiva de Atenas.
No caso de uma operação de
resgate, afirmam, um fundo
criado na própria zona do euro
pela Comissão Europeia (órgão
Executivo da UE) teria mais
poder de fogo para se fazer respeitar do que o FMI. Seria também mais focado e ágil do que
qualquer operação sob o Pacto
de Crescimento e Estabilidade,
o estatuto da UE para o tema e
que veta socorros do bloco a um
membro sob pena de inflar o
problema.
Uma das provisões sugeridas
por Gros e Mayer é que a cota
paga por cada país aumente
junto com o risco de calote.
Os economistas enviaram o
plano ao órgão Executivo da
UE, e ele deve ser examinado
na reunião dos chefes de governo quinta.
Ontem, a Folha conversou
com Gros por telefone. Leia a
seguir os principais trechos da
conversa.
FOLHA - Quanto da atual crise é
histeria do mercado e quanto é problema estrutural?
DANIEL GROS - Os mercados ficam histéricos quando há problemas estruturais. Eles ficam
sem reagir um tempão e, quando reagem, exageram. A questão é que, se um governo não
consegue se financiar por causa
da reação do mercado, não interessa o que está certo, interessa que ele não consegue o dinheiro. O Brasil já passou por
isso há muito tempo.
FOLHA - Nem tanto assim.
GROS - Verdade, e está na memória das pessoas. Elas pensam "de novo, não". Na Europa
não há essa memória.
FOLHA - E isso atrapalha?
GROS - Sim, pois, para que os
países reajam, é preciso consenso político, e isso é mais difícil quando não se tem memória
do que pode ser a situação.
FOLHA - O sr. argumenta que reduzir o Orçamento não é suficiente.
Mas, antes de ser suficiente, a promessa grega de reduzir seu deficit
de 13% para 3% em três anos é viável?
GROS - É. Mas só se eles tiverem uma megacrise política.
FOLHA - Mas a população é contra.
GROS - Por isso estou dizendo.
Eles são contra, aí a economia
colapsa, e talvez a população
mude de ideia.
FOLHA - O sr. defende a criação de
um Fundo Monetário Europeu. Haveria tempo para aplicá-lo à atual situação?
GROS - Sim, a crise não acaba
em duas ou três semanas. A Argentina levou dois anos para
voltar aos trilhos.
FOLHA - Mas dois anos são suficientes para criar um novo mecanismo na UE? As coisas levam tempo
aqui, não?
GROS - Tem razão. Mas é por
isso que é preciso aproveitar a
crise, porque aí há foco.
FOLHA - O sr. defende que países
com risco maior paguem prêmios
maiores. Eles poderiam bancar? Isso
não vai afetar mais o Orçamento?
GROS - Todos os países participariam, mas isso seria feito por
transações financeiras, como
os países fazem com o FMI. A
menos que eles já estejam quebrados, isso nem aparece no
Orçamento.
Fora que seria diferente do
que ocorre sob o Pacto de Estabilidade, no qual só se prevê o
pagamento de multas, uma coisa inútil que não serve a um
propósito comum, só vai para o
cofre da UE.
FOLHA - E por que esse fundo europeu funcionaria melhor do que o
FMI? Vários economistas dizem que
o FMI já tem os meios e a experiência.
GROS - Eles esquecem a Argentina [em 2000-01], que tomou
três empréstimos e quebrou
mesmo assim. A questão não é
a rigidez do FMI, é que o país
pode virar as costas ao FMI e
quebrar do mesmo jeito. O FMI
não tem tanta influência sobre
esses países como a União Europeia.
FOLHA - Isso é resultado da resistência moral dos europeus em relação ao FMI?
GROS - Isso existe, mas eu estou falando do ponto de vista
econômico mesmo.
FOLHA - Na prática, como o FME seria criado?
GROS - Você precisa de uma
decisão do Conselho Europeu
para criar um fundo, colocá-lo
sob controle do grupo do euro e
usar a instrumentação de um
organismo de implementação.
Em seis semanas, estaria funcionando, e melhor que outros
instrumentos da UE porque seria automático, não dependeria
de novas decisões.
Texto Anterior: Especuladores já apostam US$ 8 bilhões contra o euro Próximo Texto: Frases Índice
|