São Paulo, sábado, 09 de março de 2002

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ANÁLISE

Um desafio para a produtividade na Europa

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Algo de fundamental pode estar-se alterando no equilíbrio econômico entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental. Depois do final da Segunda Guerra Mundial, a Europa por um longo tempo se aproximou regularmente do padrão de vida dos Estados Unidos. Mas esse período de convergência se encerrou na metade dos anos 90. Se a presente divergência continuar, a Europa, já insignificante militar e politicamente, passará a desempenhar também um papel econômico cada vez menor.
A convergência posterior à guerra foi indubitavelmente impressionante. De acordo com o historiador da economia Angus Madison, em 1950 a renda per capita média real na Europa Ocidental (em termos de paridade de poder aquisitivo) equivalia a 54% da norte-americana. No começo dos anos 90, ela havia chegado à marca dos 80%.
Desde a metade dos anos 90, no entanto, surgiu uma divergência em substituição à tendência de convergência. Entre 1995 e 2001, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita real subiu em 2,3% ao ano nos Estados Unidos, mas em apenas 1,4% na Europa Ocidental.
Essa divergência resulta, em si, de um renascimento da produtividade nos Estados Unidos. Mas a produtividade não é o único determinante dos níveis de vida -ou de sua mudança.
Também importantes são as horas trabalhadas individualmente e a proporção da população que esteja empregada.
Em 2001, de acordo com um estudo do Conference Board, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos, a produtividade por hora na União Européia equivalia a até 87% do nível norte-americano, mas o PIB per capita real ficava em apenas 67%*.
Doze pontos percentuais dessa diferença se devem à jornada de trabalho média mais baixa adotada na União Européia. Os outros oito pontos percentuais à proporção menor da população européia que está ativa no mercado de trabalho.
É direito dos europeus trabalhar menos, se quiserem, se bem que seja outro assunto caso os governos de seus países os forcem a reduzir suas jornadas.
Mas a diferença no nível de emprego indica um fracasso: em muitos países europeus, a alta produtividade reflete a substituição de mão-de-obra dispendiosa por investimentos de capital e a exclusão dos trabalhadores de baixa renda devido à carga tributária e regulatória.
Assim, alta produtividade nem sempre é bom. Entre 1990 e 1995, a produtividade da mão-de-obra cresceu ao impressionante ritmo de 2,5% anuais na União Européia. Mas o número total de horas trabalhadas caiu, no período, em 1% ao ano.
A produtividade aparentemente elevada da União Européia foi causada, em parte, por cortes indesejavelmente altos no nível de emprego.
No entanto, não se pode dizer o mesmo sobre os ganhos de produtividade dos Estados Unidos na segunda metade dos anos 90. Entre 1995 e 2001, o crescimento geral na produtividade geral norte-americana aumentou para 2% ao ano. Mas o crescimento mais elevado na produtividade dos Estados Unidos foi acompanhado por desempenho vigoroso em termos de nível de emprego, com aumento de 1,6% nas horas trabalhadas ao ano.
A maior questão ainda é determinar se esse excelente desempenho norte-americano foi mais que circunstancial. No momento, é difícil responder com confiança. Mas a queda jamais explicada no desempenho da produtividade dos Estados Unidos depois de 1973 parece ao menos ter acabado. Entre os dois picos sucessivos do último ciclo econômico, acontecidos no terceiro trimestre de 1990 e no primeiro trimestre de 2001, a produção por hora no setor não agrícola da economia norte-americana subiu em nível composto anual de 2%. É verdade que isso fica bem abaixo do ritmo atingido entre 1957 e 1973. Mas se compara bem ao 1,5% anual obtido no ciclo iniciado em 10981 e encerrado em 1990, ao 1,3% registrado no ciclo 1973-1980.
Igualmente revelador foi o desempenho da produtividade em 2001. O Conference Board ressalta que, entre 2000 e 2001, a produtividade geral da economia cresceu em 1,8% nos Estados Unidos, mas em apenas 0,6% na União Européia. Nos 12 meses até o quarto trimestre de 2001, a produção por hora do setor não agrícola norte-americano aumentou em 1,7%. Esse é um ritmo excepcionalmente elevado para um período de recessão.
O relatório do Conference Board conclui que "a despeito da recessão e dos acontecimentos de 11 de setembro, o crescimento da produtividade nos Estados Unidos se manteve notavelmente próximo à tendência recente".
O desempenho dos últimos meses me fez um pouco menos cético quanto à opinião de que existe uma aceleração durável em curso no crescimento da produtividade.
No Relatório Econômico da Presidência norte-americana, publicado no mês passado, prevê-se crescimento econômico anual de 3,1% para a próxima década. Isso inclui um crescimento anual de 2,1% na produtividade dos trabalhadores não agrícolas. E mesmo esse ritmo fica bem abaixo dos 2,6% atingidos entre 1995 e 2001.
Parte da melhora no crescimento da produtividade na segunda metade da década de 90 reflete um crescimento insustentavelmente rápido no nível de capital. Parte dela reflete os efeitos do ciclo de negócios, que são difíceis de desemaranhar. Assim, ninguém sabe ao certo que tendência tem o crescimento da produtividade norte-americana no momento. Mas é plausível supor que fique decisivamente acima da média atingida entre 1973 e 1995.
Suponha que a produtividade básica cresça em 2% ao ano nos Estados Unidos, no futuro próximo. Suponha igualmente que a União Européia não se saia melhor do que nos últimos seis anos. Dessa forma, haverá divergência constante entre os Estados Unidos e a União Européia em termos de produtividade e de padrão de vida.
Essa divergência poderia ser reduzida se a União Européia obtivesse sucesso em elevar seu nível de emprego para um patamar mais próximo ao norte-americano. Mas isso exigiria mudanças politicamente implausíveis nos mercados de trabalho e estruturas fiscais européias.
Os Estados Unidos também têm um crescimento populacional e de força de trabalho superior ao da Europa Ocidental. Isso posto, o tamanho geral de sua economia poderia crescer, com relação à União Européia, ainda mais do que em termos de renda per capita relativa. Sob suposições bastante cautelosas, a economia norte-americana poderia crescer pelo menos um ponto percentual ao ano mais rápido do que a européia.
Uma superioridade sustentada como essa não é implausível. Os Estados Unidos, afinal, possuem muitas vantagens sobre a Europa em uma era de revolução tecnológica. Entre elas estão uma maior aceitação das forças de mercado; a superioridade de suas instituições de ensino de terceiro grau e as ligações estreitas entre estas e as empresas; seu domínio sobre a maior parte das áreas de nova tecnologia; sua população relativamente jovem; e sua abertura à imigração dos mais capazes.
É sempre difícil discernir a ruptura de tendências. As tendências de crescimento da produtividade não são exceção. Mas podemos estar testemunhando um tal acontecimento. Por meio século, a Europa trabalhou bem para enfrentar o que o escritor francês Jean-Jacques Servan-Schreiber definiu como "le defi Américain". Mas o desafio acaba de ser renovado. A Europa será capaz de enfrentá-lo?


*"Performance 2001: Productivity, Employment and Income in the World's Economies" ("Desempenho 2001: Produtividade, Emprego e Renda nas Economias Mundiais")

Tradução de Paulo Migliacci


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