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PARAÍSOS FISCAIS
Companhias reduzem pagamentos de impostos mudando o endereço de suas sedes; a Global Crossing está na lista
Empresas trocam os EUA pelas Bermudas
DAVID CAY JOHNSTON
DO "NEW YORK TIMES"
Um número crescente de empresas norte-americanas, encorajadas por assessores tributários,
estão optando em abrir sedes legais nas Ilhas Bermudas para reduzir a carga tributária sem abandonar os benefícios gerados com
negócios nos Estados Unidos. As
seguradoras foram as pioneiras,
mas agora indústrias e outras espécies de empresa estão seguindo
o exemplo.
A Stanley Works, fábrica de
martelos e chaves de boca por 159
anos sediada em Connecticut, está entre as que decidiram fazer registro corporativo nas Bermudas,
onde não existe imposto de renda.
A empresa estima que reduzirá os
custos tributários de US$ 30 milhões ao ano para US$ 80 milhões.
Credibilidade
A lista de interessadas nas Bermudas inclui empresas que tiveram sua credibilidade abalada,
como Global Crossing, grupo de
telecomunicações de Beverly
Hills, Califórnia, que pediu concordata; e a Tyco International,
uma indústria diversificada sediada em Exeter, New Hampshire,
cujas operações financeiras levantaram suspeitas.
Também se registraram nas
Bermudas a Ingersoll-Rand e a
Foster Wheeler, ambas indústrias
de Nova Jersey; a Nabors Industries, empresa do Texas que é a
maior prestadora de serviços a
poços de petróleo nos Estados
Unidos; e a Cooper Industries, fabricante de equipamento industrial sediada em Houston.
Transferir uma sede para as
Bermudas é uma transação puramente formal. Envolve apenas
conseguir uma caixa postal local,
com o pagamento de certos honorários, enquanto o quartel-general operacional do grupo continua nos Estados Unidos.
O governo das Bermudas cobra
da Ingersoll-Rand apenas US$
27.653 ao ano por uma presença
que permite à empresa evitar o
pagamento de pelo menos US$ 40
milhões anuais em tributos corporativos nos Estados Unidos.
A empresa não tem escritório
nas Bermudas, nem obrigação de
conduzir sequer uma reunião lá,
de acordo com David W. Devonshire, diretor financeiro do grupo.
"Só pagamos uma organização de
serviço local para que receba nossa correspondência", informou.
Kate Barton, sócia especialista
em tributos da auditoria Ernst &
Young, disse que adotar uma sede
nas Bermudas "é uma importante
tendência que estamos vendo
agora no mercado. Muitas empresas estão planejando transferência do gênero, mas ainda não a
anunciaram", disse.
Em uma palestra transmitida a
clientes via Web, Barton mencionou o patriotismo como único
obstáculo potencial para as empresas que estão estudando transferir seus registros para as Bermudas, e ela disse que os lucros se sobreporão ao patriotismo.
"Será que é a hora de transferir a
sede de uma empresa para fora do
nosso território?", perguntou ela.
"E no entanto, isso posto, estamos
trabalhando com diversas empresas que sentem que é hora, sim,
que a melhora dos lucros basta
para compensar os eventuais problemas de patriotismo".
Sistema tributário
A Casa Branca não comentou as
transferências, nem seu efeito sobre a arrecadação tributária do
país. Mark A. Weinberger, diretor
de política tributária no Departamento do Tesouro, disse que a
transferência para as Bermudas e
outros paraísos fiscais demonstrava que o sistema tributário dos
Estados Unidos pode estar forçando as empresas a tomar decisões desse tipo. "Talvez tenhamos
que repensar algumas de nossas
leis tributárias internacionais,
criadas 30 anos atrás, quando tínhamos uma economia muito diferente. Elas talvez estejam afetando a capacidade das empresas
norte-americanas para concorrer
internacionalmente."
Mas houve quem expressasse
preocupação quanto à tendência.
O senador Charles E. Grassley, de
Iowa, o líder republicano no Comitê de Finanças do Senado, expressou alarme. "Não existe motivo para isso, a não ser escapar à
tributação norte-americana.
Acredito que o Comitê de Finanças precise investigar esse tipo de
atividade", declarou.
Não existe estimativa oficial sobre quanto essas transferências
estariam custando aos cofres públicos -e o governo Bush não está tentando obtê-la.
Um endereço nas Bermuda é recomendado por muitos assessores legais, de auditoria e tributários. A Stanley Works, por exemplo, usa a Ernst & Young como
assessoria tributária, o escritório
de advocacia Skadden Arps Slate
Meagher & Flom para assuntos
jurídicos e o Goldman Sachs como assessor de investimento.
O principal executivo do departamento tributário da Ingersoll-Rand, Gerald Schwimmer, disse
que todos os grandes bancos de
investimentos e empresas de auditoria ofereceram a mesma sugestão à sua empresa. A Ingersoll-Rand espera que seu imposto de
renda mundial caia abaixo dos
US$ 115 milhões, ante os atuais
US$ 155 milhões.
Muitas das empresas que procuram paraísos fiscais estão optando pelas Bermudas porque ficam perto dos Estados Unidos,
têm um sistema político estável e
emprega normas judiciais semelhantes às norte-americanas. Mas
algumas, como a Seagate Technology, um grupo da Califórnia que
produz discos rígidos para computadores, optaram pelas Ilhas
Cayman e outros lugares.
Seguradoras também correram
para as Bermudas com a intenção
de escapar à maior parte dos regulamentos do setor nos Estados
Unidos, especialmente o requerimento de reservas de caixa para
cobrir apólices de seguro.
Já que as empresas que transferem seus registros para as Bermudas em geral mantêm seus escritórios principais nos Estados Unidos, elas continuam a contar com
a mesma proteção do governo, do
sistema judiciário e dos tribunais
norte-americanos.
Vantagens
As vantagens nas ilhas são financeiras. Quando as empresas se
transferem para as Bermudas, a
renda que auferem fora dos Estados Unidos se torna isenta de impostos norte-americanos. Quando tomam dinheiro emprestado
de sua matriz nas Bermudas, os
juros que essas empresas pagam
são aceitos como dedução e reduzem os impostos que elas têm a
pagar nos Estados Unidos -na
outra ponta, os lucros gerados pelos juros sobre o empréstimo da
matriz não são tributados.
As empresas alegam que a
transferência se deve ao fato de
que seus custos tributários mundiais superam os de suas concorrentes internacionais. A Stanley
Works espera que a alíquota tributária mundial de suas operações caia para 23% ou 25% dos lucros, ante os atuais 32%, de acordo com Gerard J. Gould, vice-presidente de relacionamento com os
investidores.
A Cooper Industries espera reduzir seus gastos mundiais com
imposto de renda a US$ 80 milhões, ante US$ 134 milhões.
Robert Willens, especialista em
impostos do Lehman Brothers,
disse que "qualquer empresa com
montante decente em lucro no
exterior verá queda substancial
em suas alíquotas fiscais se transferir sua sede para as Bermudas".
"Mas considerações políticas às
vezes prevalecem", acrescentou,
"e as empresas compreensivelmente relutam em fazer algo desse tipo porque talvez gere mal entendidos nos mercados. A mudança talvez seja vista como pouco patriótica. Depois do 11 de setembro, a postura não é boa para
uma empresa", afirmou.
Willens disse que sugeriu pessoalmente a idéia de mudar para
as Bermudas, mas as empresas rejeitaram exatamente por isso.
Companhias mais dispostas a
uma transferência desse tipo são
menos conhecidas, disse, "mas a
Stanley Works está perto de ser
uma marca famosa".
Gould diz que a Stanley Works,
cujos produtos podem ser encontrados em muitas caixas domésticas de ferramentas, não recebeu
sequer uma queixa quanto ao seu
patriotismo. Apenas alguns acionistas reclamaram, disse ele, e todos eram investidores veteranos,
que terão de pagar tributos sobre
seus ganhos de capital caso a mudança seja aprovada por dois terços dos acionistas.
O Internal Revenue Service (IRS
Receita americana) decidiu que
os acionistas devem pagar impostos sobre o aumento no valor das
ações (entre a data em que foram
adquiridas e o momento em que o
registro da empresa for transferido para as Bermuda), mesmo que
não as vendam. O governo criou a
regra para definir um preço ao
que chama de "expatriação por
motivos tributários".
Com a depressão nas bolsas de
valores, ressaltou Willens, aumenta o interesse pela transferência para as Bermudas, porque menos acionistas teriam de pagar
impostos sobre seus ganhos de
capital. E mesmo quando a transferência se realiza, a empresa não
precisa reportar ao IRS as posições de cada acionista. Apenas a
integridade dos acionistas garante que os impostos sejam pagos,
como acontece com qualquer tributo sobre ganhos de capital.
"Tenho certeza de que alguns
desses tributos são esquecidos",
disse Willens com uma risada.
Peter L. Baumbusch, advogado
especialista em tributação internacional no escritório Gibson,
Dunn & Crutcher, de Washington, disse que as atuais leis tributárias discriminam as multinacionais sediadas nos Estados Unidos.
David A. Weisbach, professor
de Direito Tributário na Universidade de Chicago, diz que as transferências de sede para fora do país
deveriam levar o governo a revisar o regime tributário interno
para as empresas, estabelecido
quando as companhias norte-americanas primordialmente
vendiam em seu mercado interno, e poucas empresas estrangeiras tinham presença considerável
no mercado norte-americano.
"Devemos ou não tributar renda
mundial?", pergunta ele. "Essa é a
questão mais complicada."
O deputado Charles B. Rangel,
líder dos democratas no Comitê
de Alocações Orçamentárias da
Câmara, diz que a questão do patriotismo também deve ser debatida. "Algumas empresas que desfraldam a nossa bandeira renunciam aos Estados Unidos na hora
de pagar impostos", disse. "Optam pelo lucro de preferência ao
patriotismo. Até agora, o Departamento do Tesouro sob Bush
não demonstrou interesse em deter essas transferências. Apoiar os
Estados Unidos vai além de acenar bandeiras e bater continência.
Envolve compartilhar sacrifícios.
Isso vale para soldados, cidadãos
e deveria valer para as grandes
empresas, igualmente."
Tradução de Paulo Migliacci
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