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VINICIUS TORRES FREIRE
Bush, pipoca com álcool e bóia-fria
Americano conta história da carochinha econômica para justificar proteção a produtor de combustível nos EUA
O PIPOQUEIRO de porta de cinema em São Paulo entende
mais de economia que Thomas Shannon, que assessora George
Bush sobre América Latina.
Redes de cinema paulistas praticam o protecionismo pipoqueiro.
Impedem que o público leve pipoca
comprada na rua para a sala de cinema, a fim de faturar com o monopólio. O pipoqueiro mais organizado
vai à Justiça e consegue abrir o mercado. Mas, antes disso, não compra
outro carrinho ou baldinhos extras.
Shannon não entende a lógica do
pipoqueiro. Diz que não se pode reduzir a tarifa de importação que encarece o álcool brasileiro no mercado americano porque o Brasil não
teria álcool suficiente para exportar.
Mas Shannon ignora até o efeito
da abertura do mercado americano,
que tende a ser pior no Brasil. Se tivesse mais oportunidade de vender
álcool nos EUA, o produtor brasileiro correria para o mercado americano -o combustível subiria aqui.
No curto prazo, é verdade. Mas, se
falta mercado e sobram incertezas,
como indefinição de tarifas, padrões
etc., a produção é inibida. Se há mais
mercado, o preço sobe. Preço melhor estimula investimento na produção. Bidu, sabe o pipoqueiro.
O problema não é trivial, claro.
Carlos Vian, professor da escola de
agricultura da USP, a Esalq, diz que
uma usina de álcool no Brasil leva
até quatro anos para entrar em produção. Mas a resposta do produtor
de açúcar e álcool ao aumento da demanda mundial é imediata.
É preciso um plano de redução
gradativa de tarifas para criar um
mercado mundial de álcool, não a
tolice de Shannon. Mas os EUA querem proteger seu produtor? Acham
que, antes de mergulhar no álcool, é
melhor criar nos EUA tecnologias
para baratear biocombustíveis, opinião de muito especialista americano? Ou até buscar alternativas como
carros elétricos? Ou querem de fato
expandir já o consumo de álcool?
No médio prazo, não há alternativa ao Brasil. O álcool americano é caro e, mesmo com petróleo ainda na
casa dos US$ 60, não é atrativo para
o consumidor. De resto, usar milho
demais para fazer combustível encarece rações, carnes e um monte de
alimentos industrializados, para
não falar da terra no Meio-Oeste,
que sobe mais que a de Nova York.
Enfim, é provável que, quando for
viável a produção de álcool a partir
de celulose (bagaço, palha, grama
etc.), a tecnologia esteja disponível
também no Brasil. Mais uma vez, o
produto seria mais barato aqui.
Há problemas? Sim, brasileiros.
Se o álcool vingar no planeta, haverá
ainda mais investimento estrangeiro no Brasil. Há risco na desnacionalização total do setor? A indústria de
máquinas e equipamentos vai dar
conta da demanda e de melhoria
tecnológica? Ou a China vai fabricar
as usinas do futuro? Há risco ambiental na expansão da cana?
Pior de tudo: o que vai ser dos milhões de empregados e desempregados pelo setor, com o avanço das máquinas de colheita e com a míngua
da pequena lavoura? O emprego no
setor de combustíveis é o que mais
cresce na indústria paulista (41% em
12 meses, contra queda de 0,26% no
total da indústria, dado de ontem).
Mas o que será do desempregado da
cana, que, além de já viver em condições tétricas, é desqualificado para
qualquer outro trabalho?
vinit@uol.com.br
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