São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Bush, pipoca com álcool e bóia-fria

Americano conta história da carochinha econômica para justificar proteção a produtor de combustível nos EUA

O PIPOQUEIRO de porta de cinema em São Paulo entende mais de economia que Thomas Shannon, que assessora George Bush sobre América Latina.
Redes de cinema paulistas praticam o protecionismo pipoqueiro. Impedem que o público leve pipoca comprada na rua para a sala de cinema, a fim de faturar com o monopólio. O pipoqueiro mais organizado vai à Justiça e consegue abrir o mercado. Mas, antes disso, não compra outro carrinho ou baldinhos extras.
Shannon não entende a lógica do pipoqueiro. Diz que não se pode reduzir a tarifa de importação que encarece o álcool brasileiro no mercado americano porque o Brasil não teria álcool suficiente para exportar.
Mas Shannon ignora até o efeito da abertura do mercado americano, que tende a ser pior no Brasil. Se tivesse mais oportunidade de vender álcool nos EUA, o produtor brasileiro correria para o mercado americano -o combustível subiria aqui.
No curto prazo, é verdade. Mas, se falta mercado e sobram incertezas, como indefinição de tarifas, padrões etc., a produção é inibida. Se há mais mercado, o preço sobe. Preço melhor estimula investimento na produção. Bidu, sabe o pipoqueiro.
O problema não é trivial, claro. Carlos Vian, professor da escola de agricultura da USP, a Esalq, diz que uma usina de álcool no Brasil leva até quatro anos para entrar em produção. Mas a resposta do produtor de açúcar e álcool ao aumento da demanda mundial é imediata.
É preciso um plano de redução gradativa de tarifas para criar um mercado mundial de álcool, não a tolice de Shannon. Mas os EUA querem proteger seu produtor? Acham que, antes de mergulhar no álcool, é melhor criar nos EUA tecnologias para baratear biocombustíveis, opinião de muito especialista americano? Ou até buscar alternativas como carros elétricos? Ou querem de fato expandir já o consumo de álcool?
No médio prazo, não há alternativa ao Brasil. O álcool americano é caro e, mesmo com petróleo ainda na casa dos US$ 60, não é atrativo para o consumidor. De resto, usar milho demais para fazer combustível encarece rações, carnes e um monte de alimentos industrializados, para não falar da terra no Meio-Oeste, que sobe mais que a de Nova York.
Enfim, é provável que, quando for viável a produção de álcool a partir de celulose (bagaço, palha, grama etc.), a tecnologia esteja disponível também no Brasil. Mais uma vez, o produto seria mais barato aqui.
Há problemas? Sim, brasileiros. Se o álcool vingar no planeta, haverá ainda mais investimento estrangeiro no Brasil. Há risco na desnacionalização total do setor? A indústria de máquinas e equipamentos vai dar conta da demanda e de melhoria tecnológica? Ou a China vai fabricar as usinas do futuro? Há risco ambiental na expansão da cana?
Pior de tudo: o que vai ser dos milhões de empregados e desempregados pelo setor, com o avanço das máquinas de colheita e com a míngua da pequena lavoura? O emprego no setor de combustíveis é o que mais cresce na indústria paulista (41% em 12 meses, contra queda de 0,26% no total da indústria, dado de ontem).
Mas o que será do desempregado da cana, que, além de já viver em condições tétricas, é desqualificado para qualquer outro trabalho?


vinit@uol.com.br

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