São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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FMI cobra transparência em crédito de risco

Vice-diretor-gerente do Fundo diz que securitização de dívida imobiliária nos EUA é positiva, mas precisa de mudanças

Murilo Portugal vê risco de turbulência financeira se aprofundar e levar a uma redução significativa do crédito

MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Financiamentos com hipotecas de alto risco vieram para ficar, mas exigem maior transparência, segundo Murilo Portugal, vice-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional). "Não dá para jogar fora a água do banho com o bebê junto", afirma.
"A securitização é muito positiva, permitiu estender o crédito a milhões de pessoas que não tinham acesso a ele. A solução não é acabar com a inovação, ela pode ser eventualmente modificada para evitar os problemas que surgiram na crise das hipotecas de alto risco, dos Estados Unidos."
Ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, na gestão de Antonio Palocci Filho, até 2006, Portugal conversou com a Folha depois de discursar na reunião anual do IIF (Instituto de Finanças Internacionais, na sigla em inglês, e que reúne 370 das maiores instituições financeiras de 65 países), na sexta-feira, no Rio de Janeiro, mas não quis falar sobre o Brasil.
"Não represento o Brasil no Fundo", disse Portugal, que é hoje responsável pelo acompanhamento de 80 países. Leia, a seguir, trechos da entrevista em que ele fala também da crise financeira e de fundos soberanos.

 

FOLHA - O sr. compartilha da tese de que os países emergentes não serão afetados pela crise?
MURILO PORTUGAL -
As economias desenvolvidas e os emergentes têm estado divergentes, mas não completamente "decoupled", separados. Essa divergência se deve a vários fatores, entre eles, crescimento de emergentes baseado em ganhos fortes de produtividade, melhorias muito grandes nos preços das commodities e também ao fato de que vários deles fizeram reformas na condução da política macroeconômica. Isso os fortaleceu e permitiu também um certo descolamento. Há também defasagens que existem na economia entre um evento afetar o outro.

FOLHA - O chamado "lag"... de quanto tempo?
PORTUGAL -
É difícil dizer isso, tudo depende da intensidade e da duração dos problemas. Mas é lógico que, se tiver um problema mais profundo numa parte do mundo que representa 25% da economia global, é muito difícil que isso não afete o resto do mundo. Vivemos num mundo cada vez mais integrado. Vai ser um efeito menor do que nas circunstâncias do passado, quando as vulnerabilidades dos emergentes eram maiores. O FMI trabalha com desaceleração da economia mundial de 4,9% para 4,2%. E uma desaceleração dos países emergentes de 7,8%, do ano passado, para 6,9%, neste ano. E aqui, na América Latina, de 5,4% para algo em torno de 4,3%. Há mais riscos negativos do que positivos, mais risco de ser pior do que isso do que melhorar.

FOLHA - Quais são esses riscos?
PORTUGAL -
Os mais importantes são que, primeiro, essa turbulência financeira se aprofunde e leve a uma redução significativa do crédito, a um "credit crunch", uma restrição no crédito, e isso poderia levar a uma desaceleração maior da economia mundial. Os problemas no setor imobiliário residencial nos EUA podem piorar e haver uma desaceleração do país maior do que estamos prevendo, dos 2,2% de crescimento do ano passado para 1,5% neste ano, mas pode ser que seja menos que 1,5%.
Outro problema é a inflação. Os preços de petróleo, demais commodities e alimentos estão muito altos. A inflação cheia está elevada em vários países. Na Europa, então, os bancos centrais têm uma tarefa complicada de, por um lado, tentar proteger-se contra os riscos do crescimento, os riscos de uma deterioração do setor financeiro, mas sem permitir que as expectativas de inflação sejam afetadas negativamente.
Essa turbulência financeira é talvez o choque mais forte que o mundo tenha sofrido desde a Segunda Guerra Mundial. Começou numa área localizada, as hipotecas residenciais de baixa qualidade, e, de repente, migrou para outros mercados, a ponto de atingir o centro do mercado financeiro de todos os países do mundo, que é o mercado interbancário de dinheiro.

FOLHA - Por que os bancos não querem emprestar entre si, para recuperar a própria liquidez?
PORTUGAL -
Uma das razões é que os bancos estão economizando sua própria liquidez para enfrentar seus próprios problemas, porque muitos deles estão tendo de trazer posições que estavam fora do balanço e, agora, estão migrando para o balanço. Estão enfrentando perdas significativas pela marcação a mercado desses instrumentos de dívida cujos preços caíram bastante. Outra causa é que não existem, entre os vários participantes, informação suficiente sobre a distribuição dessas perdas. Uma das lições dessa crise é a necessidade de mais transparência em relação a essas posições, tanto diretas quanto indiretas, e mais transparência em relação ao sistema de avaliação desses produtos complexos para que investidores tenham mais confiança e voltem a esses mercados.

FOLHA - O sr. tem sentido preocupação dos bancos de que se crie um excesso de regulação que possa vir a engessar o setor financeiro? E, por outro lado, o que pode ser feito?
PORTUGAL -
Seguramente são necessárias algumas mudanças no sistema regulatório, e em várias áreas. Nos EUA, já se está discutindo uma mudança regulatória na área das hipotecas de risco. Tem de se reavaliar esse modelo de originar para distribuir hipotecas. O originador recebe um preço, mas não carrega o risco durante todo o período. Pode ter impacto na disciplina do crédito, aceitando fornecer crédito para uma pessoa de risco maior. Outra questão são as exposições que os bancos tinham fora de seus balanços. A idéia que vai prevalecer é que haja mudanças no marco regulatório, mas sem criar engessamento do setor financeiro. O que é preciso é que haja mais coordenação entre os supervisores. Cada vez mais os bancos operam em nível mundial, com inovação crescente, produtos mais complexos e que são negociados internacionalmente. Pode surgir fonte de contágio. Os supervisores devem colaborar entre si.

FOLHA - Isso está sendo discutido no FMI?
PORTUGAL -
Isso está sendo discutido em vários fóruns. No BIS [Bank of International Settlements, o banco central dos bancos centrais], no Fórum Stability Fórum, com base em Basiléia [Suíça] e que trabalha com o BIS. Estão discutindo lá, e nós, no Fundo. É uma relação de cooperação.

FOLHA - Operações de securitização de maior risco, que foram deixadas fora dos balanços dos bancos e que estão no centro da crise imobiliária, vieram para ficar?
PORTUGAL -
A securitização é muito positiva, permitiu estender o crédito a milhões de pessoas que não tinham acesso a crédito. A solução não é acabar com a inovação, mas pode ser eventualmente modificada para evitar problemas que surgiram. Não dá para jogar a água do banho com o bebê junto.

FOLHA - E o código para fundos soberanos que se discute?
PORTUGAL -
O FMI calcula que esses fundos tenham entre US$ 2,2 trilhões e US$ 3 trilhões. Em geral, são gerados por superávit que esses países têm, muitas vezes pelo petróleo. Vários desses fundos de riqueza soberana aportaram capital aos bancos.
Eles deveriam ter regras mais claras sobre sua governança externa, qual a estrutura convencional dos fundos, como operam. Realizamos uma reunião com os fundos soberanos em novembro passado e vamos apresentar um estudo relacionando melhores práticas de gestão e de transparência desses fundos para criar diretrizes a serem seguidas de forma voluntária.


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