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FMI cobra transparência em crédito de risco
Vice-diretor-gerente do Fundo diz que securitização de dívida imobiliária nos EUA é positiva, mas precisa de mudanças
Murilo Portugal vê risco de turbulência financeira se aprofundar
e levar a uma redução significativa do crédito
MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Financiamentos com hipotecas de alto risco vieram para ficar, mas exigem maior transparência, segundo Murilo Portugal, vice-diretor-gerente do
FMI (Fundo Monetário Internacional). "Não dá para jogar
fora a água do banho com o bebê junto", afirma.
"A securitização é muito positiva, permitiu estender o crédito a milhões de pessoas que
não tinham acesso a ele. A solução não é acabar com a inovação, ela pode ser eventualmente modificada para evitar os
problemas que surgiram na crise das hipotecas de alto risco,
dos Estados Unidos."
Ex-secretário-executivo do
Ministério da Fazenda, na gestão de Antonio Palocci Filho,
até 2006, Portugal conversou
com a Folha depois de discursar na reunião anual do IIF
(Instituto de Finanças Internacionais, na sigla em inglês, e
que reúne 370 das maiores instituições financeiras de 65 países), na sexta-feira, no Rio de
Janeiro, mas não quis falar sobre o Brasil.
"Não represento o Brasil no
Fundo", disse Portugal, que é
hoje responsável pelo acompanhamento de 80 países.
Leia, a seguir, trechos da entrevista em que ele fala também da crise financeira e de
fundos soberanos.
FOLHA - O sr. compartilha da tese
de que os países emergentes não serão afetados pela crise?
MURILO PORTUGAL - As economias desenvolvidas e os emergentes têm estado divergentes,
mas não completamente "decoupled", separados. Essa divergência se deve a vários fatores, entre eles, crescimento de
emergentes baseado em ganhos fortes de produtividade,
melhorias muito grandes nos
preços das commodities e também ao fato de que vários deles
fizeram reformas na condução
da política macroeconômica.
Isso os fortaleceu e permitiu
também um certo descolamento. Há também defasagens que
existem na economia entre um
evento afetar o outro.
FOLHA - O chamado "lag"... de
quanto tempo?
PORTUGAL - É difícil dizer isso,
tudo depende da intensidade e
da duração dos problemas. Mas
é lógico que, se tiver um problema mais profundo numa parte
do mundo que representa 25%
da economia global, é muito difícil que isso não afete o resto
do mundo. Vivemos num mundo cada vez mais integrado. Vai
ser um efeito menor do que nas
circunstâncias do passado,
quando as vulnerabilidades dos
emergentes eram maiores. O
FMI trabalha com desaceleração da economia mundial de
4,9% para 4,2%. E uma desaceleração dos países emergentes
de 7,8%, do ano passado, para
6,9%, neste ano. E aqui, na
América Latina, de 5,4% para
algo em torno de 4,3%. Há mais
riscos negativos do que positivos, mais risco de ser pior do
que isso do que melhorar.
FOLHA - Quais são esses riscos?
PORTUGAL - Os mais importantes são que, primeiro, essa turbulência financeira se aprofunde e leve a uma redução significativa do crédito, a um "credit
crunch", uma restrição no crédito, e isso poderia levar a uma
desaceleração maior da economia mundial. Os problemas no
setor imobiliário residencial
nos EUA podem piorar e haver
uma desaceleração do país
maior do que estamos prevendo, dos 2,2% de crescimento do
ano passado para 1,5% neste
ano, mas pode ser que seja menos que 1,5%.
Outro problema é a inflação.
Os preços de petróleo, demais
commodities e alimentos estão
muito altos. A inflação cheia está elevada em vários países. Na
Europa, então, os bancos centrais têm uma tarefa complicada de, por um lado, tentar proteger-se contra os riscos do
crescimento, os riscos de uma
deterioração do setor financeiro, mas sem permitir que as expectativas de inflação sejam
afetadas negativamente.
Essa turbulência financeira é
talvez o choque mais forte que
o mundo tenha sofrido desde a
Segunda Guerra Mundial. Começou numa área localizada, as
hipotecas residenciais de baixa
qualidade, e, de repente, migrou para outros mercados, a
ponto de atingir o centro do
mercado financeiro de todos os
países do mundo, que é o mercado interbancário de dinheiro.
FOLHA - Por que os bancos não
querem emprestar entre si, para recuperar a própria liquidez?
PORTUGAL - Uma das razões é
que os bancos estão economizando sua própria liquidez para
enfrentar seus próprios problemas, porque muitos deles estão
tendo de trazer posições que
estavam fora do balanço e, agora, estão migrando para o balanço. Estão enfrentando perdas significativas pela marcação a mercado desses instrumentos de dívida cujos preços
caíram bastante. Outra causa é
que não existem, entre os vários participantes, informação
suficiente sobre a distribuição
dessas perdas. Uma das lições
dessa crise é a necessidade de
mais transparência em relação
a essas posições, tanto diretas
quanto indiretas, e mais transparência em relação ao sistema
de avaliação desses produtos
complexos para que investidores tenham mais confiança e
voltem a esses mercados.
FOLHA - O sr. tem sentido preocupação dos bancos de que se crie um
excesso de regulação que possa vir a
engessar o setor financeiro? E, por
outro lado, o que pode ser feito?
PORTUGAL - Seguramente são
necessárias algumas mudanças
no sistema regulatório, e em
várias áreas. Nos EUA, já se está
discutindo uma mudança regulatória na área das hipotecas de
risco. Tem de se reavaliar esse
modelo de originar para distribuir hipotecas. O originador recebe um preço, mas não carrega o risco durante todo o período. Pode ter impacto na disciplina do crédito, aceitando fornecer crédito para uma pessoa
de risco maior. Outra questão
são as exposições que os bancos
tinham fora de seus balanços. A
idéia que vai prevalecer é que
haja mudanças no marco regulatório, mas sem criar engessamento do setor financeiro. O
que é preciso é que haja mais
coordenação entre os supervisores. Cada vez mais os bancos
operam em nível mundial, com
inovação crescente, produtos
mais complexos e que são negociados internacionalmente.
Pode surgir fonte de contágio.
Os supervisores devem colaborar entre si.
FOLHA - Isso está sendo discutido
no FMI?
PORTUGAL - Isso está sendo discutido em vários fóruns. No
BIS [Bank of International Settlements, o banco central dos
bancos centrais], no Fórum
Stability Fórum, com base em
Basiléia [Suíça] e que trabalha
com o BIS. Estão discutindo lá,
e nós, no Fundo. É uma relação
de cooperação.
FOLHA - Operações de securitização de maior risco, que foram deixadas fora dos balanços dos bancos e
que estão no centro da crise imobiliária, vieram para ficar?
PORTUGAL - A securitização é
muito positiva, permitiu estender o crédito a milhões de pessoas que não tinham acesso a
crédito. A solução não é acabar
com a inovação, mas pode ser
eventualmente modificada para evitar problemas que surgiram. Não dá para jogar a água
do banho com o bebê junto.
FOLHA - E o código para fundos soberanos que se discute?
PORTUGAL - O FMI calcula que
esses fundos tenham entre US$
2,2 trilhões e US$ 3 trilhões.
Em geral, são gerados por superávit que esses países têm, muitas vezes pelo petróleo. Vários
desses fundos de riqueza soberana aportaram capital aos
bancos.
Eles deveriam ter regras
mais claras sobre sua governança externa, qual a estrutura
convencional dos fundos, como
operam. Realizamos uma reunião com os fundos soberanos
em novembro passado e vamos
apresentar um estudo relacionando melhores práticas de
gestão e de transparência desses fundos para criar diretrizes
a serem seguidas de forma voluntária.
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